segunda-feira, 19 de março de 2012

Na China, uma rara visão dos conflitos entre os líderes


Congresso do Partido Comunista Chinês 
Uma veia profunda de intriga sempre pulsou no bastidores do processo confuso de divisão do poder no Partido Comunista da China.

O ex-presidente, Jiang Zemin, supostamente fortaleceu sua posição em 1995 maquinando uma condenação a 16 anos de prisão por acusações de corrupção para Chen Xiton, membro do Politburo e prefeito de Pequim. Há quase quatro anos, um oponente importante do presidente Hu Jintao, o prefeito de Xangai, Chen Liangyu, foi condenado a 18 anos de prisão por acusações de propina.

A transição da liderança que começará este outono deveria colocar um fim a esse tipo de assassinato político. Mas a expulsão de Bo Xilai, secretário do Partido Comunista do município de Chongqing, na quinta-feira, que estava fazendo campanha abertamente por um lugar na elite da liderança, ameaça reverter dramaticamente o disfarce de cordialidade num momento crucial, levantando preocupações quanto a um conflito inquietante dentro do Partido Comunista.

Carismático e implacável, Bo é um dos raros políticos chineses que construiu uma base de apoio popular, utilizando os poderes do governo para redistribuir as riquezas entre seus 30 milhões de súditos. Sua formidável influência política inclui uma rede de apoio herdada de seu pai, um herói da revolução de 1949. Seus admiradores incluem esquerdistas que querem um retorno do controle absoluto do governo sobre a sociedade. Alguns de seus muitos detratores o consideram um demagogo neo-maoísta.

Agora a elite da liderança, o Comitê Permanente de nove membros do Politburo, parece ter enfraquecido a campanha de Bo para assumir uma das cadeiras. A explicação superficial para sua expulsão da liderança do partido em Congqing é simples: o vice de Bo, Wang Lijun, vice-prefeito de Chongqing e ex-chefe de polícia, escandalizou a nação ao buscar refúgio num consulado norte-americano no mês passado, aparentemente temendo ser preso ou pior que isso. Bo pagou o preço por não conseguir impedi-lo.

Mas especialistas estrangeiros dizem --e provas circunstanciais sugerem-- que as velhas intrigas, que se acreditava estarem suprimidas, estão atuando novamente. De fato, alguns analistas disseram que a demissão de Bo pode prenunciar um tipo de conflito interno quanto ao futuro que não era visto desde que os protestos da Praça Tiananmen colocaram a China num curso rigidamente autoritário há quase 23 anos.

“Esta é uma questão política crítica, talvez a mais crítica desde 1989”, disse numa entrevista Joseph Fewsmith, um acadêmico que estuda os líderes sênior da China na Universidade de Boston. As políticas de Bo em Chongqing, diz Fewsmith, podem representar “um desafio à direção de reforma e abertura que vem sendo implementada desde a era de Deng Xiaoping.”

Deng, que foi secretário do partido na região de Chongqing nos anos 50, colocou a China num rumo basicamente capitalista no final dos anos 70, forjando um governo que controlava setores econômicos estratégicos mas permitia que as empresas privadas florescessem em outros setores.

Em Chongqing, Bo tomou um rumo oposto. Ele montou uma campanha anti-corrupção para desmantelar impérios empresariais privados e criou empresas estatais para construir projetos cívicos e empreendimentos imobiliários. Com uma campanha retrô encorajando os moradores a cantar músicas patrióticas da era de Mao, suas iniciativas agradaram os esquerdistas e ganharam amplo apoio entre vários grupos de cidadãos deixados para trás na corrida da China em direção à riqueza.

Mas entre outros, os programas levantaram paralelos desconfortáveis com a desastrosa cruzada da Revolução Cultural de Mao contra o capitalismo, na qual milhões morreram ou foram perseguidos, além de soarem a demagogia.

“O problema básico de Bo é que ele não opera de acordo com as práticas estabelecidas pelo partido”, disse um jornalista para o veículo de notícias do Partido Comunista, falando sob condição de anonimato por temer represálias. “Sua forma de fazer as coisas ameaça e amedronta o partido.”

Não está claro quem ganha ou perde com a tentativa de silenciar Bo. Pela primeira vez, o processo de substituir sete dos nove membros do Comitê Permanente do Politburo e nomear um presidente e um primeiro-ministro, não será ditado por uma figura todo-poderosa como Mao Tsé-Tung ou Deng. Em vez disso, eles serão escolhidos por um consenso de líderes de elite.

Segundo algumas declarações, a demissão de Bo enfraquece a coalizão política que ainda é mantida por Jiang Zemin, que deixou a presidência da China há uma década mas ainda tem poder nos bastidores através de funcionários que ele colocou na burocracia da liderança. Os motivos de Jiang não estão claros; um de seus protegidos, Zhou Yongkang, líder de segurança pública e conhecedor do Politburo, está entre os apoiadores mais explícitos de Bo.

Os apoiadores do rumo quase capitalista atual da China, incluindo Hu e o primeiro-ministro Wen Jiabao, parecem ter conseguido uma vitória. Na quarta-feira, um dia antes da demissão de Bo se tornar pública, Wen atacou indiretamente suas políticas numa coletiva de imprensa anual no Congresso Nacional do Povo, o legislativo escolhido a dedo da China.

Questionado sobre a necessidade de reforma política e econômica, Wen se queixou sobre “o erro da Revolução Cultural” e alertou que a China corre o risco de cair num caos como o de Mao a menos que adote a prescrição de Deng de um mercado livre guiado pelo governo. A demissão de Bo um dia depois sugere que essas observações tinham-no como alvo inequívoco.

Provavelmente há outros vencedores e perdedores, particularmente entre os políticos chineses ambiciosos que estavam concorrendo com Bo por uma das cadeiras cobiçadas do Comitê Permanente. Um é Wang Yang, hoje secretário do Partido Comunista na província de Guangdong, que foi o líder comunista em Chongqing antes da chegada de Bo.

Wang, visto por alguns como um reformista ao estilo de Wen, ficou em silêncio e irritado quando Bo denunciou a corrupção na cidade que ele havia deixado. A queda de Bo das alturas de Chongping pode dar a Wang uma vantagem na corrida pelas cadeiras do Comitê Permanente.

E também há He Guoqiang, que até 2002 também teve o posto de Bo enquanto secretário do partido em Chongqing. Ele agora lidera a Comissão Central de Disciplina do Partido Comunista, que revê casos de corrupção – por exemplo, o caso que supostamente envolve Wang Lijun, ex-vice prefeito de Bo e chefe político.

Ele cumprimentou a delegação de Chongqing de Bo em 3 de março enquanto eles se reuniam para a primeira sessão do Congresso Nacional do Povo. “Atualmente, o clima em Chongqing difere muito do clima em Pequim”, disse ele. “Este ano, o período frio foi relativamente longo em Pequim. E agora, é um período de mudança política. “Espero”, ele continuou, “que todos possam se cuidar para ficarem aquecidos e espantarem o frio, e prestarem atenção para manter a boa saúde.” Muitos estão convencidos de que ele não estava falando sobre o clima.

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