quinta-feira, 22 de março de 2012

Massacre no Afeganistão: quando os bons fazem maldades


Robert Bales (à esq.), militar norte-americano suspeito de massacre que deixou 16 mortos no Afeganistão
É sempre interessante ler as declarações de pessoas que conheciam um assassino em massa antes de ele matar. Elas costumam se mostrar totalmente perplexas com o fato de que uma pessoa que parecia tão gentil e normal pudesse fazer algo tão horrível.

Amigos de Robert Bales, que é acusado de massacrar 16 civis afegãos, expressaram pensamentos semelhantes. Amigos e professores o descrevem como alguém que era afetuoso, gregário e auto-confiante antes de aparentemente “perder o controle” -- numa vaga metáfora comumente usada. Como um colega de infância disse ao The Times: “Este não é nosso Bobby. Algo horrível, horrível, aconteceu com ele.”

Qualquer um de nós ficaria chocado se alguém que admirássemos matasse crianças. Mas hoje em dia é especialmente difícil pensar sobre essas situações por causa da visão de mundo que prevalece em nossa cultura. De acordo com essa visão, a maioria das pessoas é naturalmente boa, porque a natureza é boa. As monstruosidades do mundo são causadas por poucas pessoas (como Hitler ou Idi Amin) que são fundamentalmente distorcidas e más. Essa visão de mundo nos proporciona uma consciência fácil, porque não temos que contemplar o mal em nós mesmos. Mas, quando alguém que parece bom na maior parte do tempo faz algo completamente horrível, nós ficamos mudos ou confusos.

Mas é claro que isso acontece o tempo todo. Isso acontece porque até as pessoas que contêm reservatórios de compaixão e boa vizinhança também possuem um potencial latente para cometer um assassinato.

David Buss, da Universidade do Texas, perguntou a seus alunos se eles já haviam pensado seriamente em matar alguém e, caso a resposta fosse afirmativa, pediu que escrevessem suas fantasias homicidas em um ensaio. Ele ficou surpreso ao descobrir que 91% dos homens e 84% das mulheres tinham fantasias homicidas detalhadas e vívidas. Ele ficou ainda mais espantado ao descobrir quantos passos alguns desses alunos já haviam dado para realizá-las.

Uma mulher convidou um ex-namorado abusivo para jantar pensando em esfaqueá-lo no peito. Um jovem, num rompante de raiva na estrada, puxou um taco de beisebol de seu porta-malas e teria surrado seu oponente se este não tivesse fugido. Outro jovem planejou toda a progressão de um assassinato --esmigalhando os dedos de um antigo amigo, perfurando seus pulmões e depois matando-o.

Esses pensamentos não são fruto de jogar videogames violentos, argumenta Buss. Eles ocorrem porque nós descendemos de criaturas que matavam para prosperar e sobreviver. Somos assassinos por natureza e a verdadeira questão não é o que faz as pessoas matarem, mas o que evita que elas façam isso.

As pessoas que matam costumam viver em situações que enfraquecem a simpatia pelos outros e as restrições. Pessoas que cometem massacres, por exemplo, costumam viver com o que os pesquisadores chamam de “forward panic” [algo como “pânico antecipado”]. Depois de ter passado por um longo período de medo, elas encontram seus inimigos em um momento de vulnerabilidade. Seus medos se transformam em raiva, e, como escreve Steven Pinker em “Os Melhores Anjos da Nossa Natureza”, eles “explodem num frenesi brutal”.

Serial killers costumam ser charmosos, mas têm uma ótima opinião sobre si mesmos que não é compartilhada pelo resto do mundo. Eles costumam ter uma consciência de classe e status muito aguçada e desenvolvem sentimentos venenosos em relação às pessoas que não os respeitam o suficiente.

Nos séculos passados, a maioria das pessoas ficaria menos chocada com as erupções homicidas de homens que antes eram bons. Isso porque as pessoas desses séculos cresceram com uma visão de mundo que colocava o pecado no centro da personalidade humana. João Calvino acreditava que os bebês nasciam corrompidos (ele estava um tanto certo; o estágio mais violento da vida é aos dois anos). G.K. Chesterton escreveu que a doutrina do pecado original é a única parte da teologia cristã que pode ser provada.

Essa visão de mundo sustentava que as pessoas são um problema para si mesmas. O mundo interno é um campo de batalha entre luz e sombra, e a vida é uma luta contra as forças destrutivas dentro do ser humano. A pior coisa que uma pessoa pode fazer, num arroubo de orgulho, é imaginar que sua insegurança vem de fora e tentar resolvê-la com as próprias mãos. Se você tentar “consertar” as outras pessoas que você acredita serem responsáveis por seu tumulto interior, acabará tentando matá-las --ou talvez raças inteiras de pessoas. Essa visão de mundo era ao mesmo tempo mais sombria e mais lúcida do que a que prevalece hoje. Ela sustentava, como colocou C.S. Lewis, que não existe uma pessoa normal. Cada pessoa de quem você se senta ao lado no ônibus é capaz de horrores e heroísmo extraordinários.

De acordo com essa visão de mundo mais antiga, Robert Bales, como todos nós, é uma mistura de virtude e depravação. Seu trabalho é lutar diariamente para fortalecer o lado bom e resistir ao mal, policiando as pequenas transgressões para prevenir as maiores. Se ele não fizer isso, e for varrido por um tufão, então um homem que antes era bom é capaz de atos monstruosos que chocam a alma e deixam uma marca no cérebro.

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