quinta-feira, 8 de março de 2012

Leste petrolífero da Líbia se divorcia de Trípoli e acusa a capital de marginalizar a região


 Meninas líbias com as bocas tapadas ao lado de combatente armado; eles participam de uma marcha silenciosa, em Tripoli, em apoio às mulheres que foram estupradas durante os recentes combates na Líbia

Quatro meses depois de derrubada a ditadura de Muammar Gaddafi, a frágil coesão da Líbia se rompe. O leste do país, nicho das principais jazidas de petróleo, deu na terça-feira um murro na mesa e proclamou seu autogoverno. O desafio da região da Cirenaica às novas autoridades de Trípoli, às quais acusa de marginalizá-la, se soma ao das milícias armadas que controlam o país e ameaçam pôr em xeque a transição.

Em uma assembleia realizada em Benghazi, capital do leste líbio e berço da rebelião que acabou com Gaddafi há quatro meses, 3.000 chefes de tribos e de milícias constituíram o Conselho da Cirenaica (ou de Barqa, em seu nome árabe), informa a agência Reuters. Esse organismo vai administrar "os assuntos regionais e defender o direito de seus cidadãos".

Não foi um grito de independência: a assembleia cuidou para reiterar sua lealdade ao Conselho Nacional de Transição (CNT), a quem considera um "símbolo da união do país e representante legítimo nos círculos internacionais". Mas foi um duro golpe para as autoridades interinas, e uma advertência para o futuro: o leste quer que a Líbia siga um modelo federal como o que foi implantado depois da independência, com o rei Idris, com três regiões: Cirenaica (leste), Tripolitânia (oeste) e Fezzan (sul).

A resposta do governo interino não demorou. Mustafá Abdelyalil, presidente do CNT --e originário do leste--, disse na terça-feira que tudo era um complô financiado por "países estrangeiros" (que não especificou) e que esse movimento ameaçava "romper a integridade nacional".

O mal-estar vem de longe. A Cirenaica alega uma série de agravos que remonta à ditadura de Gaddafi, que discriminou uma região que nunca lhe escondeu sua rejeição. O regime enriqueceu com o petróleo (70% do cru procedem das jazidas orientais), mas dizem que quase não investiu na região. E às afrontas históricas se sobrepõem as recentes. "O CNT se transferiu para Trípoli e só vem aqui no final do mês. Tudo foi centralizado na capital, e nos marginalizaram. É a mesma rotina de antes", declara a "El País" o empresário Yalal al Gallal, ex-porta-voz do CNT, que também critica os tripolitanos por sua "demora" em levantar-se contra o regime.

O pavio que acabou por acender esta nova rebelião da Cirenaica são as eleições legislativas que se preparam para junho, das quais sairá o Parlamento que promulgará a nova Constituição. A comissão eleitoral criou circunscrições que concedem à região oriental menos assentos do que lhe caberiam por sua população. "As pessoas sofreram muito com o centralismo e querem garantias de que não se repetirá", diz Mohamed Embarak, reitor da Universidade Médica Internacional de Benghazi. A solução, segundo ele, não é um sistema federal, mas "uma ampla descentralização, governos locais eficientes e uma justa distribuição da riqueza".

Fica difícil elucidar que rumo seguirá o novo conselho da Cirenaica. Por enquanto ele põe contra as cordas um governo para o qual é cada vez mais difícil pilotar a transição líbia.

Petróleo à beira da normalidade
Com o petróleo líbio, todos os analistas acertaram, como os especialistas da petrolífera italiana Eni, otimistas, que previram há meses a recuperação da produção do cru em níveis aceitáveis. Ou os mais prudentes informadores do Barclays Capital ou JP Morgan, que advertiram sobre várias dificuldades até a reorganização do país e recomendaram prudência antes de proclamar o estado de normalidade no setor, informa Santiago Carcar, de Madri.

A verdade, mais uma vez, parece se situar na região mediana entre o otimismo e o excesso de prudência: a Líbia pós-Gaddafi recuperou a atividade petrolífera depois do conflito, mas as tensões não desapareceram. A empresa de petróleo espanhola Repsol, que em 2011 sofreu os efeitos da guerra, sabe bem disso. A companhia, com presença na Líbia desde os anos 1970 e interesses em dez blocos ou campos (oito em exploração e dois em desenvolvimento e produção), ganhou no ano passado 2,193 bilhões de euros, 53,3% a menos que em 2010, devido, entre outros motivos, ao conflito líbio e à queda da produção. Agora, indicam na companhia, a situação voltou "praticamente" à normalidade. O "praticamente" equivale a cerca de 40 mil barris de petróleo por dia. Antes do conflito, a Repsol, junto com a estatal NOC e outros sócios como a francesa Total, extraía na Líbia 340 mil barris diários. A cifra atual beira os 300 mil. Praticamente normal.

A estabilidade da produção na Líbia, que em 2010 cobria em torno de 13% das importações espanholas de petróleo, é muito importante quando crescem as tensões em torno de outro grande produtor, o Irã. A Líbia, o terceiro produtor da África, contribui para conter uma escalada desordenada de preços em um mercado muito sensível ao problema iraniano.

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