quarta-feira, 14 de março de 2012
Após visita em clima tenso no Afeganistão, Merkel se vê obrigada a explicar declarações
É raro a chanceler alemã dizer alguma coisa e pouco depois ser forçada a esclarecer o que realmente queria dizer. Na segunda-feira (12), contudo, o assunto em questão era controverso --o emprego das forças armadas alemãs no Afeganistão. Em tempos de tensão na região, um mal-entendido pode rapidamente virar uma bola de neve e se tornar um debate desagradável.
Isso logo ficou claro para Angela Merkel quando fez uma visita de um dia à base alemã do Bundeswehr em Mazar-e-Sharif, sob as mais altas precauções de segurança. Pouco depois de sua chegada, a chanceler expressou suas dúvidas sobre o que acontecerá no país afligido pela crise. Sim, houve progresso, disse ela, mas não o suficiente para que ela pudesse dizer com segurança “teremos sucesso até 2013/2014. Há uma vontade, queremos ter sucesso e estamos trabalhando para isso”.
A data de 2014 foi estabelecida para a retirada das forças de segurança internacionais que estão atualmente no Afeganistão. Mas o que Merkel quis dizer com “há uma vontade”? É só uma vontade? A chanceler está questionando o plano de retirada que foi acordado pela comunidade internacional? Certamente é assim que suas palavras estão sendo interpretadas pelas agências de notícias alemãs e pela mídia internacional. A Associação das Forças Armadas Alemãs, que é independente, exigiu que houvesse uma conversa sobre a possibilidade de mudança na estratégia da Alemanha para o Afeganistão. Até o ministro de defesa alemão, Thomas de Maizière, expressou surpresa quando soube da notícia durante uma viagem ao Uzbequistão.
Merkel rapidamente percebeu a necessidade de esclarecer sua declaração e, antes de embarcar de volta à Alemanha, disse: “A data da retirada é 2014”. E assim será.
É possível que a chanceler não tenha se expressado claramente. Ela pode ter querido dizer que o atual mandato para a missão do Bundeswehr continua como está --que os 4.800 soldados alemães no país devem ser retirados até 2014, desde que a situação de segurança permita. Mas a confusão sobre os comentários de Merkel também demonstra o tamanho das incertezas sobre o Afeganistão --entre o público, as tropas e os círculos políticos. Será possível dar um fim ao menos conciliatório ao emprego de tropas no Afeganistão? Um fim que não seja marcado pelo caos, pela guerra civil e, no pior dos casos, pela volta do Taleban ao poder?
Um “crime hediondo”
No final de semana, houve denúncias de que um soldado norte-americano saiu atirando e matou 16 civis afegãos. O episódio aumentou dramaticamente a incerteza na região. Após o massacre em Najiban, Merkel condenou o “crime hediondo” durante uma chamada telefônica ao presidente afegão, Hamid Karzai, da base alemã. O ministro de defesa, Maizière, descreveu o evento como um caso isolado “terrível, extremamente brutal e chocante”. O presidente norte-americano, Barack Obama, e a Otan prometeram um inquérito completo.
As declarações são uma tentativa de conter os danos --necessária. A situação no Afeganistão está mais tensa do que já foi. Um incidente há apenas duas semanas mostrou como a posição do público pode mudar rapidamente. Mais de 30 afegãos e três soldados americanos morreram durante confrontos e tiroteios após cópias do Alcorão terem sido acidentalmente queimadas em uma base militar norte-americana.
Após o massacre deste final de semana, o conselho da província de Candahar afirmou que “o povo agora está agressivo”. O Parlamento nacional em Cabul também emitiu uma forte advertência às tropas internacionais. “A Wolse Jirga (a Câmara Baixa do Parlamento) condena este ato brutal e desumano de soldados americanos”, disse a declaração. “A tolerância do povo afegão contra a imprudência das tropas estrangeiras esgotou-se”. O Taleban também prometeu se vingar das mortes.
O Ocidente atualmente está lutando para trazer os elementos mais moderados do Taleban à mesa de negociação. Os eventos do final de semana, contudo, podem servir de reforço à facção radical do Taleban que rejeitou conversas com o inimigo. Temores de uma nova onda de violência estão crescendo --assim como a preocupação que a comunidade internacional terá que enfrentar maiores contratempos na estabilização do Afeganistão. “Incidentes ruins como esse são muito danosos e atrasam nossos esforços para a paz e o equilíbrio”, disse Philipp Missfelder, porta-voz de relações exteriores no Parlamento para o partido conservador de Merkel, a União Democrática Cristã. “Levamos meses e meses para reforçar a confiança da população local, e aí algo assim acontece e acaba tudo, literalmente da noite para o dia”, disse ao “New York Times” Seth G. Jones, cientista político da corporação Rand com experiência no Afeganistão.
Temores de um efeito dominó
Os países que participam da força de segurança liderada pela Otan no Afeganistão parecem comprometidos em manter sua retirada planejada em conjunto. Mas, apesar dos políticos do alto escalão, como Obama e Merkel, terem insistido que todas as tropas de combate devem se retirar até 2014, eles fizeram muito pouco para se preparar para esta data. O Bundeswehr, por exemplo, está reduzindo apenas no papel seu contingente de soldados no próximo ano. Além de eliminar as reservas de emergência que quase não foram utilizadas até agora, o Bundeswehr só pretende remover algumas dezenas de soldados.
Ainda não está claro como será a retirada de fato. Há semanas que especialistas e assessores próximos ao ministro de defesa alemão estão advertindo que toda a logística da retirada será uma enorme empreitada e que pode ultrapassar em muito 2014 e ainda exigiria o emprego de centenas de soldados. Por isso Maizière já está falando na possibilidade de um segundo mandato para o Bundeswher no Afeganistão, para lidar com a logística da retirada. Na Alemanha, o emprego de soldados no exterior precisa ser aprovado pelo Parlamento.
Um fator maior, porém, será o que os diplomatas gostam de chamar de “situação em terra”. E é precisamente essa “situação em terra” que todos os participantes, inclusive o governo alemão, temem que pode piorar significativamente nos próximos meses. Apesar de um planejamento considerável e cuidadoso, ainda não está certo como os militares e o governo lidariam com uma escalação possivelmente dramática da situação no Afeganistão. No pior dos cenários, os países individuais que estão envolvidos no Afeganistão podem pressionar pela volta antecipada das tropas, teme Maizière. Isso pode levar a um efeito dominó, no qual todos os países fazem uma retirada rápida e atrapalhada.
É exatamente esse tipo de retirada desordenada que o governo alemão quer impedir de todas as formas. “Entramos juntos, saímos juntos”, dizem tantas vezes em inglês em Berlim atualmente. “Concordamos que temos muito o que fazer até então”, disse Merkel. Provavelmente, essas palavras da chanceler não serão mal entendidas.
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