sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

'Única solução é uma coalizão militar'

Ex-vice-presidente defende ação externa e acusa Assad de incitar guerra sectária
Renata Malkes

Abdul Halim Khaddam

Ele foi um dos únicos políticos sunitas a chegar ao primeiro escalão do regime da Síria, controlado pela minoria alauíta. Mas, hoje, Abdul Halim Khaddam, de 79 anos, passou de pilar do Partido Baath e homem de confiança de Hafez al-Assad a arqui-inimigo do filho dele, Bashar al-Assad. Exilado em Paris, o ex-vice-presidente que renunciou em 2005 disse ao GLOBO, por email, que a solução para a Síria passa pela militarização do conflito.

O senhor criou um órgão político, o Comitê Nacional de Apoio à Revolução, mas não aderiu ao maior bloco opositor, o Conselho Nacional Sírio (CNS). Por quê?
ABDUL HALIM KHADDAM: O CNS é parte da oposição, mas não é a principal oposição. Não aderimos por termos pontos de vista distintos; acreditamos que a única solução para salvar o povo sírio requer a formação de uma coalizão militar internacional, fora do Conselho de Segurança da ONU, pra proteger e salvar os civis sírios e permitir que alcancem seus objetivos. Coalizões assim já foram formadas sob a tutela da Otan na antiga Iugoslávia e na Costa do Marfim! Por enquanto, o CNS rejeita uma intervenção militar externa e insiste numa iniciativa árabe que é incapaz de qualquer progresso pra salvar o povo sírio. O regime sírio não deixou nenhuma chance de articulação aos partidos opositores. Todos foram criados no exílio, em circunstâncias e localidades diversas. Não fomos nós, da oposição, que deflagramos a revolução, mas estamos ajudando e apoiando de várias formas. Temos orientações distintas intelectual, política e ideologicamente. Por isso, a dispersão.


O senhor aposta no Exército Livre da Síria (ELS) como o melhor instrumento para confrontar as Forças Armadas?
KHADDAM: O ELS é formado por um grupo de militares patriotas que se recusaram a matar cidadãos e, portanto, seu papel atual é defender os civis. Para isso, devem receber um apoio considerável, tanto em termos de armas como de recursos financeiros. O ELS será um catalisador importante, determinante, para a libertação da Síria.

Muitos especulam que o presidente Bashar al-Assad esteja querendo deflagrar uma guerra sectária generalizada. O senhor consegue identificar qual a estratégia dele?
KHADDAM: Bashar al-Assad ordenou que unidades do Exército, formadas em sua maioria por oficiais da comunidade dele, a alauíta, matassem cidadãos e usassem os mais ultrajantes meios de assassinato e repressão em vilas e cidades de população sunita. Bashar al-Assad está treinando um grande número de alauítas para operações de combate com apoio da Guarda Revolucionária do Irã, que também tem ajudado o Exército a invadir cidades, matar e prender civis. O objetivo é aumentar a tensão sectária e incitar os alauítas contra a maioria sunita do país, para forçar essa minoria a ficar ao lado do regime, protegendo-o. Em um encontro com um de seus aliados libaneses, Bashar disse que não vai desistir ou fazer concessões. Se pressionado ao extremo, ele vai incitar a guerra sectária e mudar-se para a região costeira da Síria, onde declararia um "Estado alauíta".

Próximo à família Assad, o senhor conhece o presidente há muitos anos. Por que o homem que nunca quis o governo, hoje, resiste tanto a deixá-lo? O oftalmologista se apaixonou pelo poder?
KHADDAM: Eu só conheci Bashar de verdade em 1998. Ele nunca foi realmente apaixonado pela oftalmologia, e gostava, sim, do poder. Seu amor pelo poder o leva a cometer os piores crimes de assassinato e genocídio. Poder, para ele, não se limita à prática da repressão e do confisco das liberdades, mas também de controle sobre a riqueza do país. E ele criou um aparato corrupto para isso.


Com tantas diferenças, a Síria pós-Assad conseguirá ser democrática?
KHADDAM: A democracia é o desejo fundamental do povo sírio, que luta há muitos anos por isso. Os sírios hoje estão sujeitos a repressão e morte por conta de suas ambições de viver em um Estado democrático, onde a Justiça e a igualdade prevaleçam e a liberdade de grupos e indivíduos seja garantida. Após a queda do regime tirânico e assassino, a Síria vai se concentrar no povo, na construção de uma sociedade civil, onde haja direitos iguais independentemente de religião, setor, nacionalidade ou sexo.


E como será a relação dessa nova Síria com o Irã? E com o Hezbollah e Israel?
KHADDAM: Esse problema dependerá da posição do Irã após a queda do regime. Se continuar com essa postura, que visa ao controle da região, teremos relações de inimizade. O mesmo vale para os xiitas do Hezbollah, no Líbano. Quanto a Israel, tudo está atrelado à ocupação israelense das Colinas de Golã e à rejeição dos direitos nacionais dos palestinos. A paz na região vai depender desses fatores.


O senhor pretende voltar para a Síria? Estaria disposto a concorrer numa futura eleição presidencial?
KHADDAM: Não há nada mais valioso para um homem que sua nação. Isso só se aprende quando se vive no exílio devido a circunstâncias que fogem a seu controle. Certamente retornarei à Síria logo após a queda do regime, mas não pretendo me candidatar a presidente ou a cargo algum. Vou servir ao meu país como um cidadão que aspira a ver seu povo livre, em paz e segurança.

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