quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Turquia e Irã rivalizam há séculos


Recep Tayyip Erdoğan (à dir), primiê turco e o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad


Dificilmente passa um dia sem que uma autoridade iraniana não ameace a Turquia. Veja, por exemplo, o recente alerta do general Yahya Rahim Safavi para Ancara: “A Turquia deve repensar radicalmente suas políticas em relação à Síria, ao escudo antimísseis da Otan e à promoção do secularismo muçulmano no mundo árabe, caso contrário terá problemas com seu próprio povo e seus vizinhos”.

Isso não causa surpresa. A rivalidade turco-iraniana remonta séculos, até os sultões otomanos e os xás Safavid. Ela diminuiu brevemente no século 20, quando a Turquia se tornou um país voltado para dentro, deixando um vácuo no Oriente Médio. Na última década, entretanto, o crescimento econômico da Turquia e sua ascensão como gigante regional sob o Partido Justiça e Desenvolvimento, ou AKP, ressuscitou sua posição. Do levante sírio às convulsões sectárias no Iraque e a busca do Irã por poderio nuclear, Ancara é o principal adversário ao desejo de Teerã de dominar a região.

Após a ascensão do AKP ao poder em 2002, os turcos não se mostraram, inicialmente, interessados em concorrer com os iranianos e as relações entre Ancara e Teerã pareciam cordiais. Ambos os países defendiam a causa palestina. Ancara não parecia ameaçada pelo projeto nuclear do Irã. Visitas de alto nível entre os dois governos se tornaram rotina e o comércio prosperou.

Enquanto isso, as objeções compartilhadas à guerra no Iraque pareciam unir turcos e iranianos. O Irã até mesmo parou de proteger os rebeldes do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK, que ele encorajava a atacar a Turquia por causa da posição pró-ocidente de Ancara. Depois da guerra no Iraque, Teerã começou a bombardear os campos do PKK que antes permitia em seu território, conquistando pontos junto aos turcos.

Então ocorreu a Primavera Árabe. O levante na Síria colocou Ancara e Teerã em extremos opostos do espectro regional e político. Dadas suas tradições democráticas, a Turquia apoiou a revolução e ficou ao lado dos manifestantes; o Irã autoritário manteve seu apoio ao regime de Assad e apoiou sua repressão brutal contra os civis.

O levante sírio se tornou um jogo de soma zero: ou Bashar al Assad ganhará, ou os manifestantes triunfarão. Da mesma forma, ela se tornou uma guerra por procuração entre Teerã e Ancara, na qual só haverá um vencedor.

Consequentemente, vale tudo agora entre Ancara e Teerã. Encorajado pelo Irã, Assad ignorou o conselho turco para promover reformas. A Turquia agora está apoiando, abrigando e supostamente armando a oposição síria. A resposta do Irã tem sido atacar novamente a Turquia apoiando o PKK, que lançou dezenas de ataques mortais, matando mais de 150 turcos desde meados de 2011.

A disputa em torno da Síria também mobilizou as divisões no Iraque, onde a Turquia e o Irã apoiam campos opostos. Desde as primeiras eleições democráticas no Iraque em 2005, o Irã tem apoiado o partido Dawa xiita de Nuri Kamal al Maliki, enquanto a Turquia tem apoiado o movimento secular pan-iraquiano de Ayad Allawi. Após meses de disputa depois das eleições de 2010, Maliki formou um governo em Bagdá, obtendo uma vitória para Teerã.

Maliki tem reprimido as facções apoiadas por Ancara, emitindo um mandado de prisão contra Tariq al Hashimi, o vice-presidente do Iraque e líder da comunidade sunita do país. Hashimi se refugiou na região do Iraque controlada pelos curdos. Os curdos, que até recentemente desprezavam os árabes sunitas por sua perseguição aos curdos sob Saddam Hussein, agora estão fazendo as pazes. Eles também estão se alinhando estreitamente com a Turquia para compensar a influência iraniana dentro do Iraque.

A rivalidade turco-iraniana no Crescente Fértil deu início a uma situação complicada: os líderes iranianos atacam o “Islã secular” da Turquia e ameaçam “atacar a Turquia” caso Ancara mantenha seu apoio ao escudo antimísseis da Otan, permitindo a instalação de radares em seu território.

A Turquia, ancorada na Otan e voltada ao Oriente Médio, é uma maior ameaça aos interesses iranianos do que a Turquia meramente pró-Ocidente de uma década atrás. Há uma chance de que o Irã possa se tornar ainda mais agressivo: alguns analistas sugerem que a Força Quds iraniana, a unidade de operações especiais da Guarda Revolucionária Islâmica, pode estar se aliando ao PKK no norte do Iraque para atacar tanto a Turquia quanto os curdos iraquianos.

Ambos os países estão lentamente exibindo suas cartas no mais antigo jogo de poder da região. No Oriente Médio, há espaço para um xá ou um sultão, mas não para ambos.

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