terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Se a Grécia não instituir reformas, não poderá esperar solidariedade, diz presidente do Euro Group


Em  entrevista a “Der Spiegel”, o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, presidente do Euro Group, fala sobre a necessidade de a Grécia dar continuidade às reformas econômicas. De acordo com Juncker, se o país não atender às exigências da Europa, ele terá que declarar falência em março.

 Jean-Claude Juncker
Der Spiegel: Senhor primeiro-ministro, deveria ser permitido o fornecimento de dinheiro a um país corrupto?
Juncker: Não entendi. Estou sendo obrigado a tentar adivinhar o que você está dizendo.

Der Spiegel: Nós estamos nos referindo a algo que você próprio disse. Não faz muito tempo que você chamou a Grécia de “um Estado corrupto”.
Juncker: É verdade que, três anos atrás, eu disse que havia corrupção na Grécia. Mas isso não significa que não deva ser permitido apoiar a Grécia. Ao contrário, é preciso ajudar a Grécia caso o país estiver fazendo esforços sinceros para conter os elementos corruptos que lá foram identificados. E é exatamente isso o que a Grécia está fazendo.

Der Spiegel: Mesmo assim, esses esforços não estão tendo nenhum resultado. A chamada troica – composta por representantes do Banco central Europeu, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional – acaba de concluir que praticamente nada mudou no que diz respeito à situação catastrófica do setor público da Grécia.
Juncker: O próprio governo grego está consciente do fato de que existem elementos de corrupção em todos os níveis da administração pública, e ele ele percebeu o quanto essa questão – que continua a vir à tona – pesa na imagem do país. Os gregos estão atualmente trabalhando arduamente no sentido de conter a corrupção dentro das agências governamentais.


Der Spiegel: Embora o seu otimismo seja admirável, já está claro que o segundo pacote de auxílio econômico à Grécia terá que ser mais uma vez aumentado, já que há um déficit de dezenas de milhões de euros nos planos financeiros. De onde esse dinheiro deveria vir?
Juncker: Para começar, financiadores privados tem que prestar a sua contribuição. Depois disso, nós falaremos com o governo grego a respeito de medidas de austeridade. E, somente quando isso for feito, nós determinaremos se o segundo pacote de auxílio, com os 130 bilhões de euros (US$ 170) que estão atualmente planejados, será suficiente.

Der Spiegel: O Banco Central Europeu deveria participar, por exemplo, abrindo mão de juros sobre os bilhões de euros em títulos soberanos gregos que a instituirão possui?
Juncker: O Banco Central Europeu é independente. Ele tem que decidir por si próprio. Mas é claro que ele também tem alguma responsabilidade pelo futuro da Grécia.


Der Spiegel: A União Europeia está lutando contra a crise da dívida grega há três anos. Mas, em vez de diminuir, o problema continua aumentando. Será que a Grécia é capaz de ser reformada?
Juncker: É verdade que o nosso programa para a Grécia desviou-se da rota pretendida porque os gregos não alcançaram determinadas metas. Entretanto, nós fizemos um progresso substancial juntamente com o governo em Atenas. O déficit orçamentário tem sido reduzido, e foi possível reduzir os custos trabalhistas na Grécia.


Der Spiegel: Você está tentando dar uma conotação positiva à situação. Em termos de reformas estruturais, a Grécia praticamente não fez nenhum progresso.
Juncker: E você está pintando um quadro demasiadamente sombrio. É verdade que as reformas estruturais ainda não são suficientes, mas houve progressos visíveis. A economia do país teve alguma melhoria em termos de competitividade. Fingir que os gregos estão simplesmente se esquivando e que eles não têm feito nada seria uma injustiça para com a atual situação do país.


Der Spiegel: Mas eles não estão fazendo o suficiente. Os gregos deveriam obter 50 bilhões de euros com a privação de ativos estatais. Mas agora Atenas admitiu que essa é simplesmente uma cifra aleatória. Como explicar isso aos cidadãos da União Europeia?
Juncker: Atualmente eu estou engajado na tarefa de explicar aos cidadãos da União Europeia as melhorias que foram alcançadas na Grécia. No entanto, no que diz respeito à questão da privatização, eu prefiro me dirigir ao governo grego porque, quanto a isso, ele está bem aquém daquilo que foi combinado. A Grécia precisa entender que nós não cederemos quanto à questão da privatização.

Der Spiegel: Você tem ideia do que fazer para que eles entendam isso mais claramente?
Juncker: Nós aperfeiçoaremos a nossa assistência administrativa. Existem muitos especialistas na Europa que obtiveram muita experiência durante o processo de privatização nos últimos anos. Especialistas desse tipo fornecerão assistência à Grécia no futuro.

Der Spiegel: Ao considerarmos que você já acredita que especialistas estrangeiros podem ser úteis, por que nós não deveríamos contar com um “comissário de orçamento” que garantiria que Atenas implementasse todas as medidas de austeridade que se comprometesse a adotar, conforme propôs o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble?
Juncker: A Grécia já está sendo rigorosamente monitorada neste momento. Caso o país se desviasse ainda mais da rota planejada, a intensidade desse monitoramento aumentaria. A ideia de um comissário de orçamento não é absurda, contanto que tal indivíduo não fosse nomeado apenas para Grécia, mas também para todos os países endividados que não estão seguindo o rumo para alcançar as suas metas.

Der Spiegel: Mas o que acontece quando nem mesmo medidas de monitoramento mais intensivas têm qualquer resultado?
Juncker: Se a Grécia se desviar substancialmente da rota das reformas por culpa própria, Atenas não poderá mais esperar que outros países demonstrem solidariedade na forma de contribuições financeiras. Se nós concluirmos que tudo está errado com a Grécia, não haverá nenhum novo programa de auxílio, o que significaria que a Grécia teria que declarar falência em março. A Grécia sabe disso, e a simples perspectiva de que algo desse tipo pudesse ocorrer deveria fazer com que ela manifestasse energia onde no momento está exigindo sinais de paralisia.

Der Spiegel: Mas o problema é que os gregos encontram-se em uma situação impossível, mesmo se eles fizerem tais esforços tremendos. Afinal de contas, a dívida da Grécia continua a crescer, e a economia do país está se contraindo.
Juncker: É verdade que a economia grega sofreu uma contração de 12% nos últimos três anos e que o desemprego aumentou drasticamente.

Der Spiegel: Exatamente. A zona do euro concorda com vários pacotes de austeridade seguidos, mas ela não sabe determinar como a Grécia poderia retornar à rota do crescimento econômico.
Juncker: Nós, europeus, nos endividamos tanto com as nossas tentativas de combater a crise financeira a partir de 2008 que não existe mais espaço para programas maciços de estímulo econômico. Consequentemente, é preciso utilizar com cautela os instrumentos disponíveis. Precisamos ter uma discussão sobre como poderemos utilizar de forma mais intensiva os fundos estruturais europeus para combater a crises (nota do editor: os fundos estruturais da União Europeia são utilizados para financiar o desenvolvimento nas regiões mais pobres do bloco).

Der Spiegel: Mas o comissário que fiscaliza os fundos diz que neles praticamente não existe dinheiro que já não esteja alocado.
Juncker: Eu não estão falando sobre fundos não utilizados. Estou me referindo a realocações genuínas. Se nós dissermos que desejamos simultaneamente consolidarmo-nos e crescer, precisaremos simplesmente fazer melhor uso dos meios que estão à nossa disposição. A minha proposta é implementar reduções dos fundos alocados para regiões economicamente saudáveis e direcioná-los para aqueles países que necessitam urgentemente dessas verbas.


Der Spiegel: Mas são necessários anos para que algo desse tipo surta qualquer efeito. Por outro lado, há aqueles que dizem que a situação na Grécia não melhorará a menos que o país obtenha pacotes ainda maiores para o alívio da dívida, e que envolvam financiadores dos setores público e privado. Você não acha que essas pessoas estão certas?
Juncker: É muito cedo para lidar com essa questão. Assim que nós formos capazes de identificar, como parte de um novo programa para a Grécia, o caminho que levará o país a uma recuperação duradoura, seremos também capazes de cogitar novas medidas para o alívio do problema da dívida. Mas, enquanto o programa não for aprovado, considerações desse tipo são prematuras.


Der Spiegel: Até que ponto você acredita que a zona do euro terá ainda os mesmos membros no ano que vem?
Juncker: Tenho 100% de certeza quanto a isso.

Der Spiegel: Nós somos mais céticos quanto a essa questão. A crise está neste momento se alastrando para Portugal, onde os prêmios de risco sobre os títulos soberanos do país estão aumentando drasticamente. Isso não te deixa preocupado?
Juncker: Sim, mas eu vejo esse fato como um acontecimento isolado. Eu estou convencido de que os riscos de um contágio da crise grega sejam menores do que eram há um ou dois anos. Os mercados tomaram nota do fato de que nós estamos na rota certa.

Der Spiegel: A montanha da dívida de Portugal também está crescendo, e a economia portuguesa não está se recuperando. Portugal também não precisaria de uma reestruturação da dívida?
Juncker: Não haverá nenhuma reestruturação da dívida para Portugal. Nós sempre afirmamos que a Grécia se constituía em um caso especial. Na Grécia foi necessária uma certa participação do setor privado no processo de redução da dívida. Mas isso está sem sombra de dúvida descartado no caso de outros países.

Spiegel: A Itália e a Espanha não estão de forma alguma fora da zona de perigo. O fundo de apoio da União Europeia precisa ser fortalecido?
Juncker: Eu não quero falar sobre números, mas sim sobre o princípio. A barreira de proteção precisa ser suficientemente elevada para impedir que o fogo que está queimando a Grécia incendeie outras casas europeias. Nós contamos, é claro, com o fundo de auxílio da Instituição Europeia de Estabilidade Financeira, que ainda possui 250 bilhões de euros em verbas não utilizadas. Eu sou favorável a uma combinação desse fundo com o Mecanismo de Estabilidade Europeia (nota do editor: o fundo permanente de 500 bilhões de euros do Mecanismo de Estabilidade Europeia substituirá a temporária Instituição Europeia de Estabilidade Financeira como órgão de apoio financeiro ao euro em 1º de julho de 2012).

Der Spiegel: O Tratado de Maastricht fará 20 anos de idade nesta semana. A maior falha dele foi o fato de ter criado uma união monetária sem ter estabelecido, ao mesmo tempo, uma união política. O pacto fiscal quanto ao qual os lideres de 25 países membros da União Europeia concordaram na sua recente reunião de cúpula compensará essa deficiência?
Juncker: Houve um debate bastante intenso quando o Tratado de Maastricht foi negociado. Alguns países – incluindo a Alemanha – acreditavam que bastaria concentrar políticas monetárias em um órgão central e deixar que as políticas econômicas ficassem em grande parte a cargo dos países individuais. Outros – incluindo Jacques Delors, o então presidente da Comissão Europeia, o ex-ministro das Finanças francês Pierre Bérégovoy e eu – defenderam a criação de um governo econômico europeu paralelo ao Banco Central Europeu.

Der Spiegel: E o pacto fiscal será o governo econômico que você defendeu naquela época?
Juncker: Um pacto não é capaz de substituir políticas. Um governo econômico não emerge da ratificação de um pacto, mas sim da ação política. Eu entendo o pacto fiscal da seguinte forma: no futuro, toda vez que um país desejar promover reformas econômicas, isso terá que ser discutido primeiro dentro do Euro Group (nota do editor: o Euro Group é composto pelos ministérios das Finanças de 17 países da zona do euro e é atualmente presidido por Juncker). A obrigação de coordenar conjuntamente as ações se aplica ainda mais a países grandes, já que as políticas adotadas por eles têm efeitos enormes sobre as áreas econômicas vizinhas. Não se pode mais permitir que países ajam sozinhos. Porém, eu não sei se todo mundo que assinou o pacto fiscal concorda com a minha interpretação.

Der Spiegel: Isso aparentemente não ocorre. Por exemplo, o presidente francês Nicolas Sarkozy acaba de anunciar um aumento do impostos sobre valor agregado na França.
Juncker: Isso pegou os membros do Euro Group de surpresa, da mesma forma que o anúncio, feito em 2005, pela Grande Coalizão em Berlim (nota do editor: a chamada Grande Coalizão era composta da União Democrata-cristã da chanceler Angela Merkel, da União Social Cristã, e do Partido Social-Democrata, de centro-esquerda), de que ela elevaria a taxa de juros dos impostos sobre valor agregado de 16% para 19%. Você sabia que isso fez com que a inflação em toda a zona do euro subisse 0,3 pontos percentuais nos dois anos seguintes?

Der Spiegel: Você pretende proibir os países integrantes da zona do euro de tomar medidas unilaterais desse tipo?
Juncker: Eu acredito que, no futuro, cada país levantará no seio do Euro Group a questão de uma planejada reforma para que ela seja discutida. Caso contrário, o presidente do Euro Group fará isso. Aliás, nós já decidimos fazer isso uma vez, em uma resolução do Conselho Europeu de dezembro de 1997.


Der Spiegel: Isso só demonstra que você pode decidir o que quiser no papel, sem que no entanto a decisão de fato se materialize – e que o pacto fiscal poderia também se revelar um tigre de papel. O Euro Group deveria simplesmente discutir reformas planejadas, ou os ministros das Finanças deveriam contar também com poder de veto?
Juncker: No fim das contas, um país sempre poderá ter soberania sobre as suas próprias decisões. Mas um governo econômico significaria que ninguém poderia fazer algo sem primeiro ter discutido isso com os seus parceiros e sem ter demonstrado que a iniciativa beneficiaria toda a zona do euro.


Der Spiegel: E se a medida não fosse benéfica a todos, o país seria proibido de implementar a medida em questão?
Juncker: Sim. Eu acredito que essa seja a única conclusão lógica.


Der Spiegel: Mas o problema é que os Estados sempre invocam circunstâncias especiais como uma desculpa para acumular cada vez mais dívidas. Na verdade, essa brecha pode ser encontrada mais uma vez no novo pacto fiscal.
Juncker: Isso não é uma brecha. Na verdade, trata-se de senso comum que precisa ser seguido devido a um contrato. Se não existisse tal tipo de possibilidade, nós não teríamos sido capazes de reagir apropriadamente às crises. Nesse caso, nós seríamos obrigados a impor punições financeiras em meio a uma emergência e a fazer com que as dificuldades orçamentárias enfrentadas pelos países se agravassem ainda mais.


Der Spiegel: Mesmo assim, o pacto fiscal ficou diluído. A Alemanha não insistiu na sua exigência de permitir que a Comissão Europeia levasse ao Tribunal Europeu de Justiça processos por infrações contra países que violassem as regras orçamentárias. Segundo o mais recente acordo, serão os próprios países que assumirão a responsabilidade por essa tarefa. Você acredita realmente que seria possível, por exemplo, que a Alemanha levasse a França ao tribunal?
Juncker: Ainda que isso pareça estranho, esses dois países lutaram tanto pelas medidas para redução das dívidas que a credibilidade deles ficaria em jogo se eles não implementassem isso.

Der Spiegel: Mas o candidato presidencial socialista da França, François Hollande, diz que não apoiará o pacto fiscal.
Juncker: Angela Merkel declarou que ela acha isso inconcebível. E eu também espero que a França implemente as medidas de contenção de dívida. Até mesmo novos presidentes eleitos têm que respeitar os acordos europeus que foram feitos pelos seus predecessores.

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