terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dispara a tensão entre Londres e Buenos Aires por causa das Ilhas Malvinas


Príncipe William


Argentina e Reino Unido parecem envolvidos em uma nova guerra das Malvinas, embora desta vez se trate mais de uma batalha de propaganda do que  um confronto militar como o que protagonizaram há quase 30 anos. Para os argentinos, que lançaram um bloqueio dos portos dos países da região aos navios com pavilhão das Malvinas, a chave desse confronto é o início das explorações petrolíferas em águas do arquipélago. Para os britânicos, o bloqueio é mais um passo no que consideram a política de assédio contra as ilhas, que o governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner realiza há dois anos.

Os argentinos veem como provocação a chegada do príncipe William às ilhas esta semana , segundo na linha de sucessão da coroa britânica, com o "uniforme do conquistador", segundo o definiu um comunicado do Ministério das Relações Exteriores da Argentina. Sobretudo pela proximidade do 30º aniversário da invasão das ilhas por tropas da ditadura argentina em 2 de abril de 1982. A invasão derivou em uma guerra curta, mas cruel, que terminou em dois meses com uma arrasadora vitória britânica que deixou mais de 900 mortos e consolidou Margaret Thatcher como primeira-ministra britânica.

Buenos Aires atribui a escalada de tensão à exploração dos pesqueiros através da concessão de licenças, apesar de o sistema ter sido implantado há 15 anos, e ao início de explorações petrolíferas em 2010. "Depois que a Argentina descumpriu os acordos internacionais ao iniciar a guerra em 1982, foi o Reino Unido quem não os cumpriu ao dar licenças para pescar e explorar petróleo em um território em disputa", opina Rut Diamint, perita em relações internacionais da Universidade Torcuato di Tella, em Buenos Aires.

Enquanto alguns governos democráticos argentinos tentaram seduzir sem êxito os malvinenses, como o de Carlos Menem (1989-99), outros tentam dificultar sua atividade econômica, como o atual de Cristina Fernández de Kirchner, que proibiu o acesso a suas águas e vedou qualquer negócio em seu território às petrolíferas que participam das prospecções.

Os dois países há semanas arrecadam apoio diplomático. Em novembro a Argentina conseguiu que os 11 demais países da União de Nações Sul-americanas (Unasul) bloqueassem o ingresso de navios com bandeira das Malvinas. No mês seguinte, a união aduaneira do Mercosul e seus seis países membros ratificaram aquela decisão.

O Reino Unido reagiu queixando-se de que isso isolaria o território, mas depois anunciou que os barcos malvinenses mudariam sua bandeira pela britânica para entrar nos portos do Uruguai, Chile e Brasil, onde costumam se abastecer. "Antes a Argentina não pedia nada claro a seus vizinhos", destaca Diamint. A especialista considera que o bloqueio aos barcos das Malvinas foi possível porque a América do Sul hoje está mais integrada e com mais autonomia de decisão que no passado.

Na opinião de Sukey Cameron, representante em Londres do governo das ilhas Malvinas, ou Falklands, como são conhecidas em inglês, "o petróleo não é a causa da atual retórica". "É uma desculpa para fazer mais ruído. Se tirássemos o petróleo da equação, se nunca tivéssemos falado em petróleo, continuaria havendo ruído porque o atual governo argentino transformou em prioridade pressionar as ilhas diante do 30º aniversário [da guerra] e dificultar as coisas para as ilhas", afirma.

Cameron negou que a chegada do príncipe William seja uma provocação. "É um militar destacado no Serviço de Busca e Resgate, que só tem duas bases: uma no Reino Unido e outra nas Malvinas. E as tripulações precisam fazer rodízio. Ele está lá como parte de seu treinamento", afirma, sem querer entrar na suspeita coincidência entre a presença do príncipe e o aniversário da guerra. "Se a Argentina não continuasse mantendo suas reclamações de soberania, não teria por que continuar fazendo viagens para lá", explica.

Em dezembro, a nova Comunidade de Estados da América Latina e Caribe (Celac) deu seu apoio à reivindicação argentina da soberania das Malvinas. No mês passado, o ministro das Relações Exteriores argentino, Héctor Timerman, percorreu cinco países centro-americanos para ratificar esse apoio. Ao mesmo tempo, seu homólogo britânico, William Hague, viajou a Granada e conseguiu que os 16 países da Comunidade do Caribe, os mesmos que na Celac haviam estado com a Argentina, se declarassem a favor da autodeterminação dos malvinenses.

O milagre do arquipélago

Paradoxos da vida, as Malvinas devem à Argentina seu despertar econômico: a guerra fez que a metrópole começasse a se preocupar com um dos territórios de ultramar que estavam mais abandonados. "Quando começou a guerra, muitos pensavam que as Malvinas ficassem diante das costas da Escócia", ironiza Sukey Cameron, representante em Londres do governo das Malvinas desde 1990.

"Nos anos 1970 as ilhas ficaram muito deprimidas", explica. "O preço da lã, do qual dependiam então as exportações, havia caído de forma significativa e quase não havia outra fonte de ingressos. Muitas pessoas foram embora para encontrar trabalho", relata. Reino Unido e Nova Zelândia foram o destino de muitos jovens, que nem sequer podiam fazer estudos secundários nas ilhas. A maioria nunca voltou.

"Em 1982, obviamente, as coisas mudaram. Depois da guerra o governo britânico pôs dinheiro para recuperar as ilhas. A consequência mais significativa veio em 1986-87, quando declararam uma zona de pesca ao redor das ilhas que nos permitiu cobrar uma taxa dos barcos que até então pescavam de graça. De um dia para o outro nossas receitas passaram de 4 milhões de libras ao ano para 20 milhões. Isso nos permitiu investir no verdadeiro desenvolvimento das ilhas: em saúde, educação, comunicações, tentar ajudar os agricultores com empréstimos. Isso pôs as bases para a reforma da economia. Desde então não tivemos qualquer ajuda do Reino Unido, exceto na área de defesa. Para o demais, o governo das Malvinas se autofinancia", afirma.

Cameron explica que há planos para ampliar o porto e permitir a chegada de mais cruzeiros para fomentar o turismo. E o petróleo? "Resta muito a fazer, é algo para dez ou 15 anos e pode ser uma oportunidade para que também participem empresas argentinas, se quiserem. Não há impedimento, exceto a posição do próprio governo argentino,  de que se houver envolvimento em algo nas ilhas não poderão operar na Argentina", responde.

Os habitantes das Malvinas não viajam à Argentina, afirma, "mas alguns veteranos de guerra argentinos vieram e também parentes próximos de alguns dos que morreram nas ilhas". "Nunca houve problemas com eles. Damos as boas-vindas a todos os visitantes. Mas ouvi falar que há duas semanas uma senhora estava desembarcando de um cruzeiro com uma bandeira argentina nos ombros e lhe pediram que, por favor, a retirasse, e assim o fez", comenta Cameron.

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