segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Direitos humanos na Alemanha ficam atrás da soberania


Soldados alemães realizam prisões em Roma, em 1944


Um tribunal internacional decidiu na sexta-feira (3) que a Alemanha não pode ser obrigada a pagar indenizações aos descendentes de vítimas de um massacre perpetrado durante a Segunda Guerra Mundial na Itália. O veredicto tem implicações muito além dos crimes de guerra nazistas, e foi apreciado por países em toda parte.

Soa como um paradoxo: a Alemanha leva a Itália à Justiça e ganha –e Roma está secretamente satisfeita com a decisão. Além disso, vários outros governos de todo mundo deram um suspiro de alívio na sexta-feira. Afinal, caso o Tribunal Penal Internacional (TPI) tivesse decidido de modo diferente, pessoas no Afeganistão ou Etiópia, nos Bálcãs ou na Líbia, poderiam levar ao tribunal países cujos soldados cometeram crimes de guerra em seu solo. É uma situação que governos de toda parte queriam evitar.

E agora conseguiram. A decisão do TPI derrubou uma decisão de 2008 do mais alto tribunal de apelação italiano, que buscava forçar a Alemanha a pagar indenizações às famílias das vítimas de crimes de guerra da época da Segunda Guerra Mundial. “A ação nos tribunais italianos negando imunidade alemã... constitui uma violação da obrigação devida pelo Estado italiano à Alemanha”, disse Hisashi Owada, presidente do tribunal da Organização das Nações Unidas.

A organização de direitos humanos Anistia Internacional disse em uma declaração que a decisão foi um “grande passo para trás na proteção dos direitos humanos internacionais”. O grupo disse que o TPI colocou os interesses dos países acima da proteção dos direitos humanos.

O caso se concentrava especificamente no assassinato de 250 civis italianos, em 29 de junho de 1944, na cidade toscana de Civitella e arredores, pelas mãos de tropas alemãs pertencentes à divisão de Herman Göring. Foi um ato de vingança em resposta a um ataque partidário contra soldados alemães poucos dias antes, resultando em três mortes. Mais de quarenta anos depois, familiares das vítimas do massacre de civis processaram a Alemanha em um tribunal italiano, na esperança de receber indenização.

Políticos furiosos em Berlim

Entre os querelantes estava Luigi Ferrini, natural da Toscana. Ele foi levado sob custódia por soldados alemães e transportado para um campo de concentração, onde foi torturado e obrigado a realizar trabalhos forçados. Em 2008, o tribunal de apelação italiano, conhecido como Cassation, decidiu a favor dos querelantes, determinando que os indivíduos cujos direitos humanos foram violados podiam processar por indenizações individuais. Políticos tanto de direita quanto de esquerda em Berlim ficaram furiosos.

Mas esse não era o único caso de indenizações contra a Alemanha tramitando na Justiça. Também na Grécia, os descendentes das vítimas de um ataque vingativo alemão processavam por indenizações. Em 10 de junho de 1944, unidades da SS reuniram 218 mulheres, crianças e idosos em Distomo, um vilarejo não distante de Delfos, e os assassinou. Os gregos buscaram seu caso em várias estâncias da Justiça alemã antes de serem rejeitados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Os países, o tribunal decidiu na época, são “imunes” a processos impetrados por “pessoas naturais”. A decisão era consistente com um princípio há muito mantido de direitos humanos.

Mas os querelantes de Distomo tiveram sucesso na Grécia –ao menos no tribunal. A mais alta corte do país, a Areopag, lhes concedeu 28 milhões de euros em indenizações, mas os alemães simplesmente se recusaram a pagar. Tentativas de confisco e venda de propriedades pertencentes ao Estado alemão na Grécia fracassaram devido a objeções feitas pelo governo em Atenas. Ele temia confrontar abertamente Berlim.

Mas quando os querelantes gregos souberam da decisão de 2008 do Cassation, eles se juntaram ao caso. O tribunal em Roma decidiu que os descendentes das vítimas do massacre de Distomo tinham direito de reivindicar propriedades alemãs na Itália como garantia caso Berlim continuasse a se recusar a pagar. Mas o governo italiano não se mostrou mais disposto que o grego quando os querelantes pediram a Roma que leiloasse uma propriedade alemã no Lago Como. Não demorou para que a chanceler Angela Merkel convencesse seu par italiano, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi, a bloquear a venda. Afinal, tanto os italianos quanto os gregos também contam com seus próprios episódios questionáveis de direitos humanos no passado para quererem evitar o pagamento de indenizações.

De fato, os governos de todo o mundo não ficaram incomodados quando Berlim decidiu contestar a decisão da Justiça italiana no Tribunal Penal Internacional, em 2008. Afinal, mesmo sem o confisco de propriedades alemãs na Grécia e na Itália, os querelantes ainda teriam direito a indenizações.

A posição da Alemanha era clara. Por outro lado, em 1961, o país já tinha feito um pagamento de indenização à Itália de 40 milhões de marcos. Além disso, o país criou a Fundação “Lembrança, Responsabilidade e Futuro” em 2000 para indenizar os trabalhadores forçados do Leste Europeu. A Alemanha concordou com pagamentos adicionais em conferências de paz ou como parte de tratados com outros países. O governo disse que não estava preparado para fazer ainda mais. E nenhum tribunal tem jurisdição para forçar um país estrangeiro a pagar indenizações, independente de qual seja a transgressão. Resumindo, a decisão italiana violava as regras internacionais de imunidade de um Estado estrangeiro em casos de direitos humanos.

A maioria dos juristas concorda. “Se fosse negada imunidade a um Estado estrangeiro neste e em outros casos semelhantes”, escreveu recentemente o professor de direitos humanos Andreas Zimmermann, no jornal alemão “Die Tageszeitung”, “então os tribunais da Geórgia, por exemplo, poderiam julgar o comportamento russo durante o conflito de 2008”. E vice-versa. Esta seria uma situação insustentável, disseram os juristas.

Assim, a decisão do TPI na sexta-feira não foi uma surpresa. O veredicto italiano contra a Alemanha concedendo indenizações às vítimas de crimes da era nazista viola a lei internacional. Reivindicar como garantia propriedades do Estado alemão igualmente não é permitido. De fato, a Itália, decidiu o tribunal, não deveria nem mesmo ter permitido que um caso fosse impetrado contra a Alemanha por um indivíduo natural. Negociações de indenização podem ser realizadas entre países, mas indivíduos não têm direito a impetrar processos.

Em outras palavras, a lei internacional permaneceu inalterada. E no futuro, as famílias das vítimas afegãs, iraquianas ou etíopes de abusos de direitos humanos perpetrados por países estrangeiros não terão mais recurso legais do que os italianos e gregos no caso decidido na sexta-feira, em Haia.

Um comentário:

  1. Enquanto isso a Alemanha continua doando grana para israel como dívida de guerra e israel investindo em armas para assassinar Palestinos, neste caso a Alemanha é cúmplice dessa covardia. Engraçado que naquela época NÃO EXISTIA israel, então a Alemanha paga porque continua OCUPADA ou porque tem medo dos eua/inglaterra/israel. Desculpas esfarrapadas são que não faltam, pois é só falar com a Hillary que sai qualquer coisa. Concluindo TPI/AIEA/ONU ... são criações dos EUA/OTAN/israel criados para obsolvê-los e punir os mais fracos e ainda legitimando as atrocidades cometidas por eles contra os indefesos. Assim caminha a humanidade!

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