quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Paquistanesas lutam parar reencontrar maridos desaparecidos na "guerra ao terror"


Amina Masood Janjua


Os maiores inimigos de Amina Masood Janjua são a desesperança e a dúvida.

“Eu digo para mim mesmo que um dia ainda vou rever o meu marido”, diz ela. “Deus é grande, e ele conhece a minha luta. Ele trará o meu marido de volta.”

Enquanto fala, ela olha para o seu telefone celular e uma fotografia na qual ela e o marido aparecem de pé juntos e sorrindo. “Eu tinha uma vida realmente feliz”, diz ela.

Desde setembro de 2006, Masood, 47, dirige uma organização chamada Defesa dos Direitos Humanos, ajudando famílias de todo o Paquistão que passaram pela mesma experiência que ela.

“O meu marido e milhares de outros são vítimas da guerra contra o terrorismo”, explica Masood, afirmando que os responsáveis pelos desparecimentos são os “serviços de segurança”, e que o governo paquistanês assumiu a liderança de um trabalho repressivo que é na verdade um resultado das pressões das “forças de segurança da Organização do Tratado do Atlântico Norte” (Otan), que participam da guerra contra o terrorismo, e especialmente daquelas dos Estados Unidos”.

As autoridades paquistanesas repelem tais acusações.

Uma autoridade de segurança norte-americana, insistindo que o seu nome não seja divulgado devido à sensibilidade dessa questão, observa que, especialmente nos primeiros anos após os ataques de 11 de setembro de 2001, houve uma cooperação estreita com o Paquistão na luta contra o terrorismo, e que o Paquistão entregou suspeitos de praticarem terrorismo aos Estados Unidos. “Alegações de mulheres como Masood não me surpreendem”, diz ele, enfatizando, no entanto, que não há provas para substanciar tais alegações.

Em um período de pouco mais de cinco anos o grupo de Masood já registrou 1.030 desaparecimentos. “Alguns dos desaparecidos foram levados por policiais ou por homens a paisana para serem questionados e nunca mais voltaram”, diz Masood. “Outros simplesmente desapareceram misteriosamente, como o meu marido. Mais tarde nós descobrimos que eles haviam sido detidos”.

Segundo ela, 99% dos desaparecidos são homens, e até o momento cerca de 400 retornaram para as suas famílias.

Todas as noites Masood recebe chamadas nos seus dois telefones celulares. Famílias de todo o Paquistão telefonam para registrar os seus casos e pedir conselhos. “Não há ninguém mais escutando essas pessoas”, afirma Masood. “Elas frequentemente choram ao telefone. Eu digo a elas que não há problema nenhum em chorar, e choro com eles. Depois disso, nós conversamos”.

Masood, cujo marido era diretor de uma escola de informática em Rawalpindi, diz se recordar nitidamente de cada minuto do dia em que ele sumiu. O dia começou como qualquer outro, diz ela. Eles tomaram o café da manhã juntos, comeram ovos fritos no mesmo prato e tomaram chá, enquanto o marido fazia brincadeiras com ela.

“Mas quando ele me beijou, se despediu dos três filhos e saiu pela porta, eu tive uma sensação ruim, e senti vontade de pedir a ele que não saísse”, conta Masood. Mas ela não falou nada, e Janjua saiu com um amigo para visitar outros amigos em Peshawar.

Aquela foi a última ocasião em que ele viu o marido. E ela só recebeu alguma notícia em 2007, quando um homem que havia sido libertado de um centro de detenção administrado pelos serviços de inteligência entrou em contato com Masood para avisar que havia visto o marido dela no centro.

Masood mora em uma área rodeada por instalações militares. A casa da família continua do mesmo jeito que o marido a deixou. Além de ter passado a administrar a organização, ela também assumiu as tarefas do marido na escola. “Eu tenho que manter isso funcionando. Caso contrário eu não teria como pagar a escola e outras despesas dos meus filhos”, diz ela. Assim como outras mulheres cujos maridos desapareceram, ela não recebe ajuda alguma do governo.

Enquanto nós conversamos, três visitantes chegam. São três mulheres. Cada uma delas tem um familiar desaparecido. Assim como muitos outros paquistaneses, elas criticam a política dos Estados Unidos e responsabilizam o país pelos seus sofrimentos.

“Sequestros, aviões não tripulados de ataque... Tudo isso está sendo feito por um país que diz prezar os direitos humanos e a justiça”, critica Zahida Sharif, 45, que é mãe de cinco filhos. O marido dela, um médico, desapareceu em setembro de 2005 perto de Peshawar. “As nossas vidas não contam?”, pergunta ela.

O filho mais novo dela, Huzaifa, 6, não conheceu o pai. Ela e o marido ficaram sabendo da gravidez dela pouco antes de ele ter desaparecido.

Masood afirma, com tristeza: “Às vezes nós recebemos notícias daqueles que retornaram, e ficamos sabendo sobre aquilo pelo qual eles passaram e também sobre a maneira como eles foram torturados”.

Ouvindo isso, Sharif diz que “não pode ouvir falar e nem pensar em tortura”, e acrescenta que acabou tendo que recorrer a remédios contra a depressão. “Os meus filhos já sofreram demais”, diz ela.

Masood afirma que elas e outras famílias de desaparecidos se animaram quando Barack Obama tornou-se o presidente dos Estados Unidos. Ela conta que chegou a escrever para ele, cumprimentando-o pela sua eleição e pedindo ajuda. “Nós achávamos que ele desejava romper com os erros que o governo norte-americano havia cometido no passado. Mas não houve resposta alguma, nenhuma ajuda. As pessoas ainda desaparecem, e ele está até mandando mais aviões não tripulados armados com bombas para cá”, diz ela.

Em 2008 ela viajou para a Europa para dar palestras e reunir-se com ativistas dos direitos humanos e membros de vários parlamentos. Ela foi também convidada a dar palestras nos Estados Unidos e recebeu um visto de viagem.

Mas Masood conta que, quando se preparava para embarcar em um avião para voar de Genebra para Washington, recebeu um telefonema da Embaixada dos Estados Unidos em Islamabad.

“Eles me pediram que não embarcasse no avião”, conta ela. “A alegação foi que quando eu chegasse aos Estados Unidos o meu visto seria considerado inválido e eu seria deportada para o Paquistão”.

Quando ela perguntou por que o seu visto não seria mais reconhecido, o homem que estava do outro lado da linha lhe disse apenas que havia “motivos de segurança”. Ela acabou não indo aos Estados Unidos, e as tentativas dela e da Anistia Internacional, a instituição organizadora da viagem, de saber o que tinha acontecido não tiveram resultado.

Um pedido de comentários feito à Embaixada dos Estados Unidos por este jornalista ficou sem resposta.

Masood e outras mulheres protestaram várias vezes em frente ao Supremo Tribunal e ao Parlamento do Paquistão, portando fotografias dos desaparecidos e pedindo informações sobre eles.

“Se vocês descobriram alguma coisa contra eles, apresentem as provas e os submetam a julgamento, conforme prevê a lei paquistanesa”, diz Nessim Jan, 39.

O irmão dela, Muhammad Jamil, desapareceu em janeiro de 2011. Ele era encanador e estava seguindo para o trabalho. Mais tarde, dois homens à paisana foram até à casa dos pais dela e lhes disseram que não havia problema algum e que ele voltaria logo.

Mas um ano já se passou, e até hoje ele não retornou. Jan conta que o pai dela teve um ataque cardíaco. Agora, ela está tentando ganhar dinheiro para a família, trabalhando como faxineira.

“Eu tive que dar muita esperança a eles. Eu lhes digo que ele voltará. Às vezes eu sou obrigada a pintar um quadro bonito. Se não tiverem esperança, como é que eles viverão e lutarão?”, questiona Masood.

Masood geralmente usa roupas vermelhas, brancas e pretas, as cores que o seu marido mais gostava que ela vestisse. “Eu quero estar pronta para recebê-lo a qualquer momento”, explica ela, fazendo uma pausa quando os seus olhos se enchem de lágrimas. Ela luta contra as lágrimas durante alguns segundos, e a seguir perde o controle e começa a chorar.

“Eu estou muito triste. Estou desesperada por uma palavra sobre o paradeiro do meu marido, mas não ouço nada”, diz ela, enxugando os olhos. Ela dá um suspiro e pede desculpas. “Eu jamais abrirei mão da minha coragem”.

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