segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Mulheres tentam quebrar o monopólio do poder político masculino na Índia

O atual Parlamento, o 15º da Índia, tem 59 mulheres na câmara baixa, que tem 545 cadeiras, ou 10,8%, e 24 mulheres na câmara alta, de 242 lugares, ou pouco menos de 10%

À medida que a sessão de inverno chegava ao fim na semana passada, ficava claro que o Parlamento Indiano continuaria sendo um ambiente masculino no futuro próximo. A câmara baixa, com quase 90% de homens em sua composição, garantiu que um projeto de lei com a intenção de aumentar o número de mulheres no parlamento não fosse aprovado por pelo menos mais um ano.

Em março de 2010, feministas e organizações pelos direitos das mulheres haviam celebrado a aprovação da Lei de Reserva para Mulheres na câmara superior, depois de um debate acirrado de 13 anos entre os partidos políticos. Parecia que uma batalha significativa havia sido vencida.

A lei emendaria a Constituição para reservar um terço das cadeiras do Parlamento e Assembleias Legislativas para as mulheres. Apesar de procedimentos às vezes caóticos na câmara superior, o voto final era quase unânime, com 191 votos a favor e um contra. Quando foi aprovada, Brinda Karat, membro do Partido Comunista da Índia e há muito tempo defensora dos direitos das mulheres, falou por muitos quando disse: “A lei mudará a cultura do país, porque as mulheres hoje ainda estão numa prisão cultural. Temos que lugar contra estereótipos todos os dias”.

Os números confirmam o que ela diz. O primeiro Parlamento indiano tinha por volta de 4,4% de mulheres na câmara baixa. Os elaboradores da Constituição indiana assumiram que o número de mulheres aumentaria por conta própria, à medida que o país se desenvolvesse. Mas o número de mulheres integrantes do Parlamento continuou baixo nas mais de seis décadas desde a independência da Índia.

O atual Parlamento, o 15º da Índia, tem 59 mulheres na câmara baixa, que tem 545 cadeiras, ou 10,8%, e 24 mulheres na câmara alta, de 242 lugares, ou pouco menos de 10%. De acordo com a União Inter-Parlamentar, a organização internacional de parlamentos, sediada em Genebra, a média de representantes mulheres nos parlamentos nacionais no mundo é de 19,3%, o que coloca a Índia no ponto mais baixo da escala.

Para ter efeito, a emenda proposta precisa ser ratificada pela câmara baixa antes de ser aprovada por pelo menos metade das legislaturas estaduais da Índia e pelo presidente. Mas o que alguns esperavam que fosse apenas uma formalidade na câmara baixa, depois da vitória de 2010, transformou-se em outra rodada exaustiva de batalhas.

A oposição primária à lei parece vir das complexidades da política de castas. Uma objeção frequentemente feita foi sumarizada por Sharad Yadav, membro do Parlamento que, em 2010, declarou que a lei iria “apenas ajudar as mulheres de castas alta a serem eleitas”. O argumento básico, feito por partidos políticos como o Partido Bahujan Samaj, que representa principalmente castas mais baixas, e o próprio partido Janata Dal, ao qual Yadav pertence, é de que as quotas para mulheres virão à custa das menos privilegiadas e da minoria muçulmana.

Muitos analistas, como a acadêmica Zoya Hasan, discordariam. Num artigo publicado em 2004, Hasan, que é professora de ciência política na Universidade Jawaharlal Nehru em Nova Déli, argumentou de forma mais direta: que a resistência às quotas para mulheres foi gerada mais pelos temores dos políticos homens de perderem suas cadeiras. “A oposição incansável contra a Lei de Reserva para Mulheres desde que foi apresentada na Lok Sabha [a câmara baixa] aponta para uma oposição mais substancial e determinada que vai além dos chamados partidos de casta mencionados acima – de fato, ela transcende as castas, classes e fronteiras partidárias”, escreveu ela. “A oposição mais estridente contra as quotas para mulheres veio de políticos que temem que suas carreiras políticas serão colocadas em risco.”

Separar cadeiras para mulheres exigiria que os membros homens do Parlamento abrissem mão de cerca de 180 cadeiras na câmara baixa – um sacrifício substancial de poder numa instituição que já viu primeiras-ministras e oradoras mulheres, mas poucas parlamentares. Diferentemente dos membros da câmara alta, os membros da câmara baixa são eleitos diretamente e portanto têm mais chances de serem controlados por políticas eleitorais e interesses de casta, classe e etnia.

Embora o debate sobre a lei se concentre nos possíveis prejuízos para as castas menos privilegiadas, ele raramente fala se as quotas para mulheres são propriamente desejáveis. Isso pode se dar em parte por causa do sucesso do sistema de quotas no nível dos vilarejos, nas eleições para os conselhos locais conhecidas como “panchayati”. Num estudo influente de 2003, os economistas Esther Duflo e Raghabendra Chattopadhyay examinaram como o experimento havia funcionado.

“Apesar das lacunas que possam ter em termos de educação e experiência anterior, e o preconceito de liderança fraca, as mulheres têm um impacto real nas decisões políticas”, concluíram. As mulheres chefes dos conselhos tendem a dar uma prioridade maior do que os homens para temas como saúde pública e educação, descobriu o estudo.

A diferença que mais mulheres no Parlamento pode causar pode dizer respeito aos temas da agenda, ou a diferenças mais sutis na cultura de trabalho das câmaras. Por enquanto, as 59 mulheres na câmara baixa não estão em posição de fazer uma diferença coletiva. Dado que a Índia nunca teve um Parlamento onde as mulheres têm uma voz igual, não é fácil imaginar como seria uma legislatura mais representativa.

À medida que 2012 começa, até os apoiadores mais ardorosos da lei reconhecem que as mulheres integrantes do Parlamento têm uma batalha nas mãos. Mas alguns se sentiram ofendidos com uma declaração feita pela presidente do partido do Congresso Nacional Indiano, Sonia Gandhi, viúva do ex-primeiro-ministro Rajiv Gandhi.

À medida que a sessão de inverno do Parlamento chegou ao fim com partidos debatendo a proposta, que acabou fracassando, de estabelecer um ombudsman anticorrupção, Gandhi mencionou a Lei de Reserva para Mulheres e prometeu lugar por sua eventual aprovação na câmara baixa.

A primeira presidente do partido do Congresso Nacional Indiano, a poeta-política Sarojini Naidu, teria aprovado. Como jovem líder do movimento pela independência da Índia, Naidu esteve entre um grupo de mulheres que fez campanha pelo direito ao voto. Levou de 1917, quando o partido do Congresso Nacional Indiano apoiou o sufrágio feminino, até 1926, quando as mulheres puderam votar e concorrer a alguns cargos no legislativo estadual, para ver as primeiras mudanças, e muitos anos mais antes que todas as mulheres da Índia tivessem o direito de votar.

“Sou apenas uma mulher”, disse Naidu em tom desarmador, no início de seu discurso de 1917 para a maioria de homens do Congresso Nacional Indiano. Nove anos depois, ela conseguiu o que queria: o direito de as mulheres votarem junto com os homens. Isso levou, como a maioria as vitórias políticas para as mulheres na Índia, muito tempo e paciência.

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