segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Atividade da Al Qaeda lança dúvidas sobre mudança de regime no Iêmen


A situação de segurança no Iêmen é frágil – mas nos últimos dias ficou ainda mais. Os militantes da Al Qaeda tomaram uma cidade próxima à capital, ameaçando os planos de renúncia do presidente Saleh. Embora agora ele tenha deixado o país e os militantes tenham abandonado a cidade, há lutas contínuas e dúvidas sobre o futuro

Vista geral de Radaa, no sul do Iêmen; cidade foi tomada e agora é controlada por militantes do grupo radical islâmico Al Qaeda

Nem foi tanto por causa da bandeira negra da Al Qaeda que tremulava ao vento acima da velha mesquita. Bem mais sinistra foi a facilidade com a qual dezenas de guerrilheiros conseguiram entrar furtivamente na cidade. Mas talvez “furtivamente” seja uma palavra muito forte. “É bem possível que os soldados tenham até os recebido bem”, disse um jornalista local, descrevendo a situação em Radda, uma cidade de 60 mil habitantes que está sob controle da Al Qaeda desde 16 de janeiro.

Radda fica a duas horas de carro a sudeste da capital iemenita, Sanaa. O ministério do turismo promove a cidade como um destino turístico popular, com suas construções de tijolos, a cidadela mais antiga do país e a Mesquita de Amiriya, do século 16, que lembra um palácio.

Em 14 de janeiro, cerca de 20 homens surgiram inesperadamente na mesquita e começaram suas preces da tarde. Aparentemente eles não se importaram com o fato de que a mesquita estava fechada há anos por conta de uma reforma para receber futuros grupos de turistas. Mas o turismo não está na agenda da Al Qaeda.

“Pedimos para que eles não quebrassem nada na mesquita e não quebrassem nenhum galho das árvores. Seu líder, Tariq al-Dahab, prometeu obedecer”, disse Jahiya al-Nusairi, funcionário local encarregado da preservação histórica. Al-Nusairi acrescentou que os militantes da Al Qaeda realizaram uma leitura do Alcorão, hastearam sua bandeira negra e depois se retiraram para a cidadela.

Depois disso, enquanto escritórios do governo, empresas e escolas eram fechados, a prisão foi aberta. De acordo com um morador, a polícia local não ofereceu nenhuma resistência e entregou suas armas, postos e veículos para os rebeldes. Líderes tribais locais negociaram com os militantes armados, enquanto jovens dirigiam pelas ruas nos carros tomados da polícia. Ao mesmo tempo, disse um ativista de direitos humanos à agência de notícias AFP, uma manifestação contra o presidente Ali Abdullah Saleh, que governa o país desde 1978, foi realizada como planejado.

Acusações de cooperação do regime com a Al Qaeda

A tomada pacífica da cidade provincial de Radda, que fica praticamente na entrada da capital do país, pelos militantes da Al Qaeda, não é tanto uma prova da força da rede terrorista. Em vez disso, é uma indicação de como o equilíbrio de poder no Iêmen é complexo.

O líder do grupo militante, Tariq al-Dahab, é cunhado de Anwar al-Awlaki, o líder da Al Qaeda na Península Árabe (AQAP), que foi assassinado durante um ataque de avião teleguiado da CIA no final de setembro. A organização diz que controla várias pequenas cidades nas províncias pouco povoadas de Abyan e Shabwah, no sul do país.

O próprio Al-Dahab foi preso há algum tempo na Síria enquanto tentava cruzar a fronteira para o Iraque. O governo em Damasco o extraditou para o Iêmen recentemente. A oposição vê isso como prova da cooperação secreta entre o regime de Saleh e a Al Qaeda.

“Nós responsabilizamos as forças militares e de segurança por terem facilitado o acesso para os guerrilheiros”, diz Mohammed Nassir, um dos xeiques de Radda. “É um dos truques do regime.”

Os oponentes do regime alegam que a AQAP e seus guerrilheiros estão sendo usados para justificar a manutenção do antigo regime e sustentá-lo no poder pelo maior tempo possível. Esta teoria é compartilhada por Khaled al-Dahab, irmão do comandante da Al Qaeda, que se desculpou pelo ataque em Radaa e disse ao telejornal do canal saudita al-Arabiya que este havia sido “coordenado com funcionários sênior do conselho de segurança nacional, a Guarda Republicana e também o ex-ministro de interior.”

Jogando para ganhar tempo

Em novembro, cedendo à pressão de países do Golfo, o presidente Saleh assinou um acordo com a oposição para transferir o poder para seu vice-presidente, Abed Rabbo Mansour Hadi, e realizar eleições presidenciais em 21 de fevereiro. O único candidato nas eleições seria Hadi, o atual presidente em transição, que deveria então governar o país por dois anos.

Desde a assinatura do acordo, entretanto, Saleh vem jogando para ganhar tempo numa tentativa de manter o domínio sobre os frutos de décadas de governo. No início de janeiro, o gabinete submeteu um projeto de lei ao parlamento estipulando a concessão de imunidade a Saleh e “a todos os que trabalharam com ele nas várias instituições”.

A proposta levou membros do movimento pelos direitos civis em Sanaa para as ruas – e o velho regime imediatamente usou essas ações em seu próprio benefício. O ministro de exterior iemenita Abu Bakr al-Qirbi disse que se a situação de segurança continuasse se deteriorando, poderia ser necessário – “infelizmente”, acrescentou – postergar a eleição.

Mas no domingo (22), Saleh deixou o Iêmen em direção a Omã, e depois foi para os Estados Unidos para receber tratamento médico para queimaduras que sofreu quando seu palácio-mesquita foi bombardeado, no ano passado. Há informações de que os Estados Unidos só concederam o visto a Salhe depois que ele prometeu que não tentaria ficar nos EUA. Saleh disse que planeja retornar ao Iêmen depois de seu tratamento, para liderar seu partido político, embora haja especulações de que ele está procurando um terceiro país onde possa viver em exílio. Antes de partir, Saleh delegou o poder para Hadi, seu vice-presidente.

Uma cidade celebra

Na sexta-feira (20), tropas iemenitas cercaram Radda, mas não atacaram a cidade, supostamente por temerem danificar seus prédios históricos. Os ocupantes prometeram deixar a cidade sob condição de que o código legal islâmico, a Shariah, fosse introduzida lá e que vários militantes detidos, incluindo outro irmão de al-Dahab, fossem libertados.

Na terça-feira (24), al-Dahab e seus homens surpreenderam muitos, abandonando pacificamente a cidade. O líder tribal Ahmed al-Kalz disse à Reuters que os guerrilheiros fizeram isso depois de receberem a promessa de que 15 militantes presos pelo serviço de inteligência seriam libertados e que um novo conselho seria montado na cidade, que passaria a seguir as leis iemenitas. “Os negociadores disseram a Dahab que todas as leis do Iêmen são baseadas na lei islâmica e que não há contradição nisso”, disse al-Kalz.

No dia seguinte, os moradores da cidade celebraram nas ruas a retirada do grupo da Al Qaeda. No mesmo dia, novos confrontos no sul do Iêmen teriam deixado um saldo de seis militantes da Al Qaeda mortos e 10 soldados do governo feridos.

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