sábado, 10 de dezembro de 2011

Reino Unido vai de encontro aos outros 26 países da União Europeia


O primeiro-ministro britânico David Cameron isolou completamente o seu país no cenário europeu – e muita gente no Reino Unido o está aplaudindo por isso. Mas ele terá em breve que provar que Londres ainda tem influência na União Europeia, e que a sua recusa da união fiscal não foi apenas uma forma de agradar os conservadores que rejeitam o euro.

À esquerda o presidente francês, Nicolas Sarkozy e ao seu lado o primeiro-ministro britânico, David Cameron

A decisão do primeiro-ministro britânico David Cameron de bloquear uma mudança de tratado da União Europeia ao fazer uso do poder de veto do seu país gerou um clima festivo entre os eurocéticos no Reino Unido. “Finalmente!”, exclamou Lord Norman Tebbitt, que já foi o mais próximo confidente de Margaret Thatcher, no website do jornal “The Daily Telegraph”. Segundo Tebbitt, Cameron aplicou exatamente aquele veto que o ex-primeiro-ministro John Major deveria ter usado contra o Tratado de Maastricht, que criou o euro. “Nós devemos ser gratos”, acrescentou ele.

O tabloide “The Daily Mail”, o veículo divulgador das ideias do extenso grupo de britânicos contrários à União Europeia, parabenizou Cameron por “uma decisão inegavelmente corajosa”. De acordo com o jornal, “para os eurocéticos há também uma sensação empolgante de que nós estamos dando início a uma mudança muito profunda, que representará uma redefinição, há muito necessária, do nosso sofrido relacionamento com a Europa”. E o artigo do jornal acrescentou: “O Reino Unido tem sido como uma mulher oprimida que se vê presa a um mau casamento, ameaçando constantemente ir embora, mas sem nunca ter coragem para isso. Agora ela finalmente tomou a medida necessária, e isso deverá causar distúrbios”.

No website conservador “ConservativeHome”, Cameron é elogiado como “o homem que diz não à Europa”. O influente blogueiro Tim Montgomerie escreve: “Para a maioria dos eurocéticos conservadores, hoje de manhã Cameron foi Churchilliano”.

Esse é o maior elogio que alguém pode fazer a um primeiro-ministro conservador – especialmente ao se considerar que Cameron prometeu lutar como um “buldogue” na conferência. Na imaginação popular britânica, o buldogue estará para sempre vinculado a Churchill, que liderou o país durante a Segunda Guerra Mundial. No entanto, quando chegou o momento do confronto com a União Europeia, Cameron não foi muito teatral ao expor as suas exigências, preferindo permanecer em silêncio durante a maior parte do tempo.

Mas nem todo o Reino Unido é contrário à Europa. Vários analistas advertiram sobre os perigos resultantes de uma Europa de duas classes, na qual o Reino Unido viraria um expectador externo. Segundo o jornal de centro-esquerda “The Guardian”, o país rompeu com 50 anos de política externa. O Reino Unido há muito tinha a intenção de impedir que a Alemanha e a França dominassem a União Europeia, disse o jornal. Agora, no entanto, Londres não tem mais poder de influência.

Um choque

Políticos de ambos os espectros ideológicos pareceram reconhecer que a ruptura ocorrida na conferência da União Europeia foi um momento de definição para o país. É claro que o Reino Unido há muito desfrutava do seu papel de pária em Bruxelas. Mas o resultado desse encontro, 26 votos a um, no que se refere à questão da união fiscal, pareceu ter sido um choque.

E alguns indivíduos já começaram a criticar Cameron, até mesmo dentro da própria coalizão de governo do primeiro-ministro. “Este é um dia negro para o Reino Unido e a Europa”, afirmou o liberal-democrata Lord Oakeshott. “Nós estamos agora na sala de espera enquanto decisões importantes são tomadas”.

O seu aliado de partido Chris Davies, um membro do Parlamento Europeu, criticou Cameron por “trair” o Reino Unido. O líder liberal-democrata Nick Clegg, o vice de Cameron, procurou defender a atitude tomada pelo primeiro-ministro em Bruxelas.

O Partido Trabalhista, de oposição, criticou fortemente Cameron na sexta-feira (9) e acusou-o de não agir segundo o interesse nacional. “O Reino Unido pulou dentro de um barco a remo que está ao lado de um superpetroleiro”, disse o ex-ministro das Relações Exteriores David Miliband.

Entretanto, o voto contrário do Reino Unido em Bruxelas é a consequência lógica do debate sobre a União Europeia no país; um debate que nos últimos anos se tornou cada vez mais desvinculado da realidade. O próprio Cameron alimentou esse incêndio quando, durante o período em que o seu partido foi oposição, afastou os conservadores britânicos dos conservadores europeus. Aquilo equivaleu a uma declaração afirmando como o Partido Conservador britânico é incompatível com a Europa. A imprensa britânica também retrata há muito tempo Bruxelas como sendo o inimigo. Autoridades da União Europeia reclamam, dizendo que é inútil conversar com os jornalistas britânicos. “Tudo sempre acaba virando um confronto”, criticou uma porta-voz de imprensa.

“Le Snub”

Agora os eurocéticos britânicos esperam que o veto seja o primeiro passo para que o Reino Unido saia da União Europeia. Esse desejo é compartilhado por incontáveis parlamentares europeus, representantes da Comissão Europeia e chefes de Estado e de governo que estão cansados dos bloqueios britânicos. Mas é improvável que isso aconteça. Pelo contrário, o governo britânico já anunciou a sua próxima batalha em Bruxelas. Ele pretende obter garantias de que a nova estrutura paralela da união fiscal não viole a lei da União Europeia.

No cenário doméstico, Cameron terá que provar que ainda tem influência em Bruxelas. A sua equipe de relações públicas garante que as relações dele com a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy continuam “excelentes”. Mesmo assim, haverá uma luta pela aprovação popular. Se a população tiver a impressão de que Cameron isolou o país da União Europeia apenas para agradar aos seus aliados eurocéticos na casa inferior do parlamento, o elogiado “buldogue” poderá rapidamente passar a ser visto como um estadista incompetente.

Por ora os tabloides estão unidos na sua indignação com Sarkozy. O presidente francês não só responsabilizou Cameron pelo fracasso da conferência, mas também, segundo alguns jornais britânicos, recusou-se a apertar a mão dele. Os jornais “The Sun” e “The Daily Mail” publicaram fotos como prova disso em espaços proeminentes dos seus websites. As fotos mostram Cameron com a mão estendida ao se aproximar de Sarkozy, que a seguir vira as costas em vez de estender também a mão, fazendo com que o sorriso na face de Cameron se congele.

Outras imagens, porém, mostram a cena de forma inteiramente diferente. Nelas pode-se ver como Cameron deu um tapinha amigável no ombro de Sarkozy quando os dois se encontraram. Isso, no entanto, não impediu que a televisão britânica distorcesse a cena seguidamente. O tabloide “The Daily Mail” chamou-a de “Le Snub”.

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