segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Memorial nazista embaraça comunidade alemã
Dedicado ao líder nazista Hermann Göring e decorado com suásticas, um sino colocado em um memorial de guerra na comunidade de Tümlauer-Koog, no norte da Alemanha, gerou um escândalo. Mas os moradores locais não estavam se importando com a exposição do sino – até que o governador estadual interveio.
A coroa de flores ainda está bem fresca. Ela foi depositada no memorial de guerra em 13 de novembro, dia nacional de luto na Alemanha pelas vítimas de guerra, para celebrar os mortos da Segunda Guerra Mundial, cujos nomes estão gravados em lápides de pedra. Segundo a história oficial da comunidade, a guerra fez com que a municipalidade pagasse “um preço altíssimo em sangue”.
Mas não são as lápides com os nomes dos soldados mortos que estão atraindo a atenção dos visitantes neste memorial de guerra em Tümlauer-Koog, cidade localizada na Península de Eiderstedt, próximo à fronteira dinamarquesa, no Estado alemão de Scheleswig-Holstein. O foco da polêmica é um sino que domina o memorial – e ele é dedicado ao líder nazista Hermann Göring, o segundo na ordem de comando da hierarquia do Terceiro Reich, após Adolf Hitler.
A pequena localidade de Tümlauer-Koog fica em uma área que foi conquistada do mar (“koog” é uma palavra do norte da Alemanha para pôlder) durante o período nazista, sob a influência da ideologia “sangue e solo” de Hitler, que glorificava a vida rural e que promoveu a ideia de Lebensraum (“espaço vital”). Até 1945, a comunidade era conhecida como Hermann-Göring-Koog. O próprio Göring visitou o pôlder recém-construído em 1935 para inaugurá-lo.
O sino de Göring é parte do memorial de guerra desde 2008, e ele fica próximo a uma placa explicativa e enganosa. Durante três anos ninguém se ofendeu com o monumento, provavelmente porque são poucos os visitantes e ainda menos aqueles que se dão ao trabalho de ler a inscrição na placa explicativa do memorial. Mas isso mudou há alguns dias, quando um turista escreveu a Peter Harry Carstensen, o governador do Estado de Schleswig-Holstein, para informá-lo sobre o sino. Carstensen respondeu por escrito ao prefeito local, exigindo que o sino fosse removido e a inscrição trocada.
"Göring estava vestido todo de branco"
Em Tümlauer-Koog, o sino, que foi doado pela organização nazista Reichsnährstand, que regulamentava a produção de alimentos, fica em um pedestal de tijolos vermelhos, como se fosse um trono. “Os agricultores alemães são a fonte de sangue eterno do povo alemão”, diz a inscrição no metal pintado de prateado, em uma expressão da ideologia “sangue e solo”. A comunidade de colonos, que foi rigorosamente selecionada com base nos ideais nazistas de pureza racial, sem dúvida alguma desejava que Göring, à época governador da Prússia, se sentisse honrado ao visitar o pôlder em 1935 para inaugurá-lo. O nome dele foi inscrito no sino, ao lado de suásticas, runas nórdicas e o símbolo da Águia Imperial. A visita de Göring sem dúvida alguma causou sensação. “Göring estava vestido todo de branco”, escreveu uma garota na época em uma carta, conforme é relatado pela história oficial da comunidade.
Göring não ficou muito tempo no pôlder, mas o sino permaneceu como lembrança da visita dele. Instalado em uma torre de madeira, o sino tinha originalmente o objetivo de alertar a comunidade em casos de inundações e incêndios, mas na prática ele era tocado toda vez que uma criança nascia no pôlder. Nos últimos anos, no entanto, ele não pôde mais ser utilizado, devido a rachaduras no metal. Em 2008, um novo sino foi instalado na torre de madeira, e o sino de Göring foi transferido para a sua localização atual. Na época, os líderes da comunidade acharam que isso foi uma boa ideia.
“O material não é de alta qualidade. Ele foi provavelmente feito com metal de banheiras velhas”, diz o prefeito de Tümlauer-Koog, Christian Marwig, que era vice-prefeito na época em que o sino foi transferido de local. Os líderes da comunidade foram unânimes na conclusão de que o sino deveria ficar em um local público. “Por que é que ele deveria ser leiloado, vendido ou escondido?”, disse o prefeito a “Spiegel Online”. “O sino é parte da história de Tümlauer-Koog e deve ser considerado uma espécie de memorial”.
A comunidade também colocou uma placa explicativa ao lado do sino. Mas o texto não foi muito bem escolhido. A primeira sentença já é suficiente para causar estranheza. “O NSDAP (o partido nazista) governa desde 1933”, diz a inscrição – como se os nazistas ainda estivessem no poder.
O texto prossegue, descrevendo a ideologia nazista como sendo “sangue e solo” e dizendo como o pôlder recém-conquistado do mar deveria representar “um novo lar à beira d'água, conquistado devido à força do agricultores honestos”. Quase 80 anos depois, o texto diz: “Nós não seguimos mais essa ideologia, mas aceitamos que ela faz parte da nossa história”. Conquistar área para um pôlder é “uma grande façanha” que cria terras aráveis e alimentos. “Os excessos ideológicos devem ser entendidos no contexto da adversidades de certa era”, conclui o texto.
Não há nenhuma menção ao Holocausto ou a outros crimes cometidos pelos nazistas. O texto também não menciona Hermann Göring pelo nome, e muito menos o fato de que ele foi o responsável pela criação do primeiro campo de concentração e o autor da ordem para que fosse elaborada a chamada “solução final para a questão judaica”.
Prefeito confuso com toda a agitação
O próprio Marwig acha que a primeira sentença na placa é “infeliz”. Mas ele não acha que seja necessário distanciar-se intensamente da era nacional socialista ou que se deva fazer mais no sentido de classificar historicamente aquela era. “Se assim fosse, teríamos que colocar muitas placas aqui”, diz ele.
Ao mesmo tempo, um pouco de verdade e reconciliação históricas não seria demais nessa parte do norte da Alemanha. A população rural daqui era muito receptiva à ideologia nazista de sangue e solo. Na vizinha Frísia do Norte, o Partido Nacional-Socialista obteve resultados eleitorais acima da média. Hermann Göring-Koog e Adolf-Hitler-Koog (conhecidas atualmente como Diedsander Koog e Distrito de Dithmarschen, respectivamente) eram projetos modelos para os líderes nacionais socialistas.
Mas Marwig argumenta que não se pode simplesmente afirmar que Tümlauer-Koog seja uma espécie de ninho de pessoas que nutrem simpatias pelos nazistas. Ele afirma que a comunidade educou fundamentalmente os moradores a respeito da problemática história da Segunda Guerra Mundial. Marwig diz que fez mais do que a maioria no que se refere a se autoeducar sobre a história local. Segundo ele, nenhum eleitor da área vota no Partido Democrático Nacional, uma legenda de extrema direita.
A questão tornou-se pública depois que um morador de Norderstedt, um subúrbio de Hamburgo, visitou a comunidade. Há algumas semanas, o homem viajou à Frísia do Norte durante as suas férias e estremeceu ao ver o sino. Ele enviou uma carta ao governador Carstensen com fotos do sino e da placa do memorial. “Eu considero este memorial inteiramente inapropriado e espero que você também tenha a mesma opinião”, escreveu o homem, que pediu para não ser identificado.
Carstensen reagiu rapidamente. Ele enviou uma resposta ao turista e também escreveu uma carta para Marwig e teve uma conversa longa pelo telefone com o prefeito. “Na sua concepção atual, o memorial é inaceitável. O texto explicativo se baseia em ideologias nacionais socialistas, sem mencionar o contexto histórico do governo do NSDAP e a sua consequência fatais para a Alemanha e a Europa”, disse o governador na sua carta. A correspondência acrescentou ainda que a placa era, em parte, “historicamente imprecisa e enganosa”. Carstensen pediu que o sino fosse removido.
Marwig diz que não entende por que tanto alvoroço, e acrescenta que ninguém deveria sentir peso na consciência devido ao sino. Mesmo assim, ele diz que não quer que pessoas visitem a comunidade para fotografar a peça.
Porém, ele diz que acatará o desejo do governador. “Nós responderemos ao apelo”, disse ele. Na sexta-feira, Marwig anunciou que o sino havia sido removido do local e colocado em um depósito.
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