quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Após 15 anos como militante de grupos neonazistas, alemão é salvo por turcos

Manuel Bauer já foi um agressivo brutamontes neonazista, mas acabou renunciando

Ele acabou sendo salvo, ironicamente, por dois turcos. Manuel Bauer estava na prisão em Leipzig e deu a entender a seus colegas extremistas de direita que estava pensando em renunciar ao neonazismo. Pouco tempo depois, no pátio da prisão, os detentos de extrema direita atacaram Bauer e começaram a espancá-lo impiedosamente. Foi então que dois prisioneiros turcos correram a ajudá-lo, em um episódio que provocou uma reviravolta na vida de Bauer.

Bauer, que atualmente tem 32 anos de idade, é nativo da vila de Torgau, a leste de Leipzig, e durante cinco anos foi um ardente militante neonazista. Corpulento e de cabeça raspada, ele participou de um ataque com bombas incendiárias contra um quiosque de comida turca e era temido pela força dos seus punhos. Bauer usava frequentemente uma jaqueta militar verde ou uma jaqueta preta Harrington e botas de combate cor de vinho. Ele afirma que era “o cliché andante de um skinhead”.

A carreira de Bauer como skinhead teve início quando ele tinha 11 anos de idade. Ele fez amizade com um grupo de colegas de classe que glorificavam Adolf Hitler e que atacavam estudantes estrangeiro no pátio da escola. Isso foi pouco após a reunificação da Alemanha, quando o extremismo de direita, que havia permanecido preponderantemente na clandestinidade durante o regime comunista, pôde emergir subitamente das sombras. Por toda a Alemanha Oriental, os extremistas começaram a se encontrar --e a criar grupos neonazistas. No início, eles eram desorganizados e informais, o que os tornava praticamente invisível aos olhos das autoridades policiais.

Não demorou muito para que Manuel Bauer passasse a integrar um desses grupos e gradualmente galgasse postos na hierarquia neonazista. Os pais dele, cristãos profundamente religiosos, ficaram indignados.

"Eu achava que era um herói"

Bauer tornou-se o líder de um grupo que se intitulava "Wehrsportgruppe Racheakt" (algo como “Grupo de Treinamento Paramilitar de Vingança”), e criou um segundo grupo com outros neonazistas chamado "Associação de Combatentes Arianos". Cada grupo tinha cerca de 30 membros, muitos deles oriundos de Torgau, mas também da pequena cidade de Loburg, que fica mais ao norte. "Eu achava que era um herói", diz ele atualmente, emitindo um profundo suspiro. "Mas na realidade eu era um tremendo idiota".

O "movimento", conforme Bauer chama o universo da extrema direita, lhe ofereceu um lar. "Eu sentia que era livre e que eles me aceitavam. Os meus camaradas me deram força, que eu a seguir transformei em violência". Estimulado pelo álcool e pelo rock de direita que ressoava a toda altura no equipamento de som do carro, ele e outros dirigiam até o Estado da Saxônia, atacando estrangeiros durante o percurso. Roupas manchadas de sangue eram usadas com orgulho, como se fossem uma espécie de troféu.

Quando ingressou nas forças armadas alemãs em 1997, não demorou muito tempo para que ele conhecesse outros militares que compartilhavam a sua visão de mundo racista --incluindo dois indivíduos que, segundo Bauer, pertenciam a ramificações da célula terrorista de direita de Zwickau, que é acusada de ter assassinado nove imigrantes e uma policial no decorrer de vários anos. Ele se recusa a citar nomes.

Bauer diz que gostou do tempo que passou como membro de uma brigada de infantaria motorizada aquartelada nas montanhas Erzgebirge. "Aquele era um bom ambiente para uma pessoa como eu", diz ele.

Durante o serviço militar, Bauer aprendeu a manejar armas – um conhecimento que ele mais tarde repassou a neonazistas em um campo de treinamento em Ulsti nad Labem, uma cidade no norte da República Tcheca. Durante um ano, ele ensinou militantes de direita a atirar, a construir bombas e a colocar em prática técnicas de sobrevivência. Ele conta que o campo em que trabalhava estava longe de se constituir em uma anomalia – há outros do mesmo tipo na Hungria, na Polônia, na Rússia e na Romênia. Segundo Bauer, eles se inspiram na "Heimattreue Deutsche Jugend" (“Juventude Alemã Patriota”), um grupo de extrema direita que ministrava treinamento militar e ideológico a jovens até ser banido em 2009.

Apoio de patrocinadores

Na época, Bauer vivia quase que exclusivamente do dinheiro estatal do seguro desemprego, mas conseguia “ganhar” um pouco de dinheiro extra com as suas atividades de extrema direita. A extorsão era um dos métodos que ele utilizava. Bauer também envolveu-se com um grupo de extrema direita chamado “Organização de Auxílio aos Prisioneiros Políticos Nacionais e às suas Famílias”, uma das maiores organizações extremista de direita da Alemanha. Ela fornecia assistência aos detentos de extrema direita, tanto durante quanto depois do cumprimento das penas de prisão. Mas esse grupo acabou também sendo banido em setembro deste ano.

Porém, Bauer também diz que a extrema direita conta com o apoio de patrocinadores. Ele afirma que uma cervejaria alemã “ajudou a financiar a luta desses grupos durante anos” e também lhes forneceu grandes quantidades de bebidas alcoólicas. No que se refere a armas, somente aqueles que participam dessas organizações há muito tempo têm acesso a elas. Ele alega que o Partido Nacional Democrata Alemão (em alemão, Nationaldemokratische Partei Deutschlands, ou NPD), uma organização política de extrema direita, os ajudava a obter armas. Segundo Bauer, na época a maioria dessas armas era oriunda da Europa Oriental.

O relacionamento entre grupos paramilitares como aquele com o qual ele estava envolvido e o partido NPD era profundo, diz Bauer. “O NPD é a companhia e os membros paramilitares são os funcionários”, explica ele. Bauer diz que ele próprio jamais foi membro do NPD, mas conta ter conhecido vários grupos vinculados ao partido que tinham grande talento para burlar a vigilância das autoridades alemãs com táticas diversionistas.

"O Estado subestimava o extremismo de direita e concentrava as suas atenções exclusivamente no campo esquerdista e antifascista", afirma Bauer. "Mas a direita é muito mais bem organizada e estruturada do que a esquerda. E ela segue uma estratégia clara. Na tentativa de confundir os investigadores, são criadas identidades fictícias, companhias imaginárias de encomendas pelo correio e outras coisas do gênero – com o único objetivo de ludibriar as autoridades". Ele diz que o Estado provavelmente não sabe quantos grupos paramilitares existem de fato, e tampouco quantos radicais de extrema direita operam na clandestinidade. "Existem vários neonazistas cujos nomes são conhecidos pelas autoridades, mas que há anos não são vistos", diz Bauer. "Esses indivíduos estão com frequência comandando as ações por trás dos bastidores."

"Campanha maluca"

E quanto a ele próprio? Será que alguém consegue passar 15 anos como militante de grupos neonazistas e subitamente mudar de ideologia? Bauer nem sempre tem respostas para perguntas como essa, e ele próprio compreende as dúvidas que podem emergir. "A minha visão de mundo mudou oito anos atrás, mas foi só três anos mais tarde que eu fui capaz de abandonar o neonazismo". Ele diz que atualmente é um "social-democrata convicto", referindo-se ao principal partido alemão de centro-esquerda.

Ele alega que atualmente o seu círculo de amizades inclui muitos daqueles indivíduos que ele costumava perseguir: judeus, lésbicas, imigrantes. "Todas as pessoas que eu combatia naquela época", diz ele. "Hoje em dia eu me sinto feliz e com sorte por ter tais amigos". Ele insiste que todos eles conhecem o seu passado e sabem que, durante um determinado período, havia uma recompensa de 10 mil euros (US$ 13,3 mil) pela cabeça dele nos círculos extremistas de direita. Ele diz que ainda existe uma “campanha maluca” contra ele em fóruns de extrema direita na Internet.

Atualmente, Bauer mora no sul da Alemanha e ajuda neonazistas a abandonar o universo do extremismo de direita, da mesma forma como ele foi ajudado por um grupo de Berlim chamado EXIT, que durante anos procurou auxiliar os indivíduos que desejavam abandonar as organizações extremistas. "Sem tais pessoas, eu não teria sido capaz de sair daquele círculo", diz ele. "Eles me mostraram claramente que, independentemente do que acontecesse, eles não me abandonariam".

"Encontros difíceis"

Bauer conta que cinco neonazistas do leste da Alemanha decidiram imitá-lo e dar as costas ao extremismo de direita. Ele narra isso com orgulho, e é possível perceber sinais do desejo de ser aceito que o atormentou durante tanto tempo.

A ficha policial de Bauer é longa – agressão, espancamento, extorsão, criação de grupos inconstitucionais, vandalismo e destruição de propriedade alheia. Ele foi condenado a dois anos e dez meses de prisão. Depois que foi libertado, ele tentou manter contato com algumas das suas vítimas. Muitas rejeitaram a iniciativa dele, enquanto que outras ouviram as suas desculpas mas tiveram dificuldades em aceitá-las. São muito poucos aqueles que dizem ser capazes de perdoá-lo.

Recentemente, ele se encontrou com um adolescente indiano que era apenas uma criança quando Bauer o atacou brutalmente, dez anos atrás, porque ele não tinha um tipo físico germânico. Bauer também se encontrou com um empresário homossexual que ele extorquiu e ameaçou de morte. "Esses encontros foram muito difíceis", explica Bauer. Todos os dois fizeram uma série de perguntas a ele. Mas Bauer não foi capaz de respondê-las.

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