domingo, 2 de outubro de 2011

Brasil tentou abrir exceções ao banir minas

Telegramas diplomáticos mostram que Itamaraty defendeu o uso de minas terrestres para defender fronteiras

Documentos revelam influência dos EUA e modificação de postura brasileira antes da assinatura do tratado

 Soldado do americano do 636º Batalhão de Inteligência Militar participa de treinamento para aprender a instalar uma mina no campo de batalha; A mina usada é uma mina anti-pessoal da família Claymore

O Brasil procurou abrir "exceções" e criar uma "flexibilização" no texto final do tratado que previa o banimento de minas terrestres antipessoais, segundo revelam telegramas confidenciais do Itamaraty obtidos pela Folha.

Por meio do negociador brasileiro, José Viegas Filho, atual embaixador do Brasil em Roma e ex-ministro da Defesa do governo Lula, o Brasil tentou no primeiro semestre de 1997 permitir o uso dos explosivos em "áreas estratégicas", como regiões de fronteira. Também procurou impedir inspeções "intrusivas" para checagem dos estoques.

A posição brasileira favorecia os EUA, de olho na fronteira minada entre as Coreias, e contrariava o grupo de países que defendia a abolição completa desse tipo de arma.

As minas antipessoais explodem com o contato e matavam cerca de 26 mil pessoas por ano até então. Em abril de 1997, o Itamaraty orientou sua embaixada em Washington a procurar os EUA para oferecer as exceções ao texto do tratado. Um telegrama revela que os EUA passaram a ver o Brasil como "seu aliado nesse processo".

Nas intervenções que fez numa reunião em Bonn, Alemanha, para discutir a verificação dos estoques de minas, Viegas disse que os mecanismos "intrusivos" seriam "supérfluos" e sugeriu "a adoção de uma abordagem moderada a esse respeito".

Ouvido pela Folha, Viegas disse que o Brasil, no começo das negociações, tinha de fato "uma posição relativamente conservadora", mas que acabou abandonada até o final daquele ano.

"As correspondências de abril e maio revelam uma fotografia de um processo dinâmico. Houve uma evolução", disse o embaixador.
Ao longo do ano, o Brasil foi mudando de posição e concordou com o banimento, no final de 1997.

Viegas contou que, na segunda metade de 1997, fez um périplo pela América do Sul para convencer os países vizinhos "da conveniência recíproca e mútua" da proibição das minas.

"Consegui que concordassem que, se a decisão fosse tomada coletivamente, todos a apoiariam."

EVOLUÇÃO
Stephen Goose, diretor da Human Rights Watch e cofundador da Campanha Internacional pelo Banimento das Minas Antipessoais, ONG que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1997, disse à Folha que o Brasil chegou a propor uma emenda com as exceções tratadas nos telegramas, mas que essa posição "evoluiu muito bem" até o fim de 1997.

"A posição brasileira inicialmente foi muito lenta em abraçar o banimento, mas mudou até o final das negociações [...] e desempenhou um papel positivo para garantir a proibição verdadeiramente abrangente", disse.

Gustavo Oliveira, professor de direito no Rio Grande do Sul e representante brasileiro da campanha, se disse surpreso com o teor dos telegramas.

"Não sabíamos que o Brasil queria abrir exceções. É muito contrário ao espírito de todo o processo. Parece haver um pragmatismo amoral nessas negociações."

Goose e Oliveira disseram que os telegramas servem de alerta para outra discussão, o banimento das munições "cluster bombs", ou bombas de fragmentação. O Brasil não aderiu ao tratado de banimento desses explosivos, segundo Goose.

"Queremos saber por que o Brasil se recusa a aderir a esse tratado, em desacordo com a sua posição sobre as minas", afirmou Goose.


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