sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Agindo contra a Síria, Turquia abriga combatentes anti-Assad

Sírio bate com o sapato em cartaz com a imagem do presidente da Síria, Bashar al-Assad, durante protesto na praça Taksim, em Istanbul, na Turquia

Antes uma das maiores aliadas da Síria, a Turquia está abrigando um grupo armado de oposição que trava uma insurreição contra o governo do presidente Bashar Assad, fornecendo refúgio para o comandante e dezenas de membros do grupo, o Exército Sírio Livre, e permitindo que orquestre ataques do outro lado da fronteira a partir de um campo protegido por militares turcos.

O apoio aos insurgentes ocorre em meio a uma campanha maior turca para minar o governo Assad. A Turquia deverá impor em breve sanções contra a Síria e tem aprofundado seu apoio a um grupo de oposição chamado Conselho Nacional Sírio, que anunciou sua formação em Istambul. Mas sua proteção aos líderes do Exército Sírio Livre, uma milícia composta de desertores das forças armadas sírias, pode ser seu maior desafio a Damasco.

Na quarta-feira, o grupo, vivendo em um campo de refugiados fortemente armado na Turquia, assumiu a responsabilidade pela morte de nove soldados sírios, incluindo um oficial uniformizado, em um ataque na turbulenta região central da Síria.

As autoridades turcas descreveram seu relacionamento com o comandante do grupo, o coronel Riad al As’aad, e com os 60 a 70 membros que vivem no “campo do oficial” como sendo puramente humanitário. A principal preocupação da Turquia, disseram as autoridades, é com a segurança física dos desertores. Quando perguntado especificamente sobre a permissão para que o grupo organize operações militares enquanto está sob proteção da Turquia, um funcionário do Ministério das Relações Exteriores disse que sua única preocupação era com a proteção humanitária e que não podia impedi-los de expressarem suas opiniões.

“Quando todas essas pessoas escaparam da Síria, nós não sabíamos quem era quem, não estava escrito na cabeça deles ‘eu sou um soldado’ ou ‘eu sou um membro da oposição’”, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, que falou sob a condição de anonimato, de acordo com o protocolo diplomático. “Nós estamos fornecendo residência temporária para essas pessoas com fins humanitários e isso continuará.”

No momento, o grupo é pequeno demais para representar qualquer desafio real ao governo Assad. Mas o apoio turco ressalta quão inflamável e resistente o levante Sírio provou ser. O país está em um cruzamento de influências na região –com o Irã, o Hizbollah no Líbano, Arábia Saudita e Israel– e o envolvimento da Turquia será cuidadosamente observado pelos amigos e inimigos da Síria.

“Nós combateremos o regime até que ele caia e construiremos um novo período de estabilidade e segurança na Síria”, disse As’aad em uma entrevista organizada pelo Ministério das Relações Exteriores da Turquia e conduzida na presença de um representante do ministério. “Nós somos os líderes do povo sírio e estamos ao lado do povo sírio.”

A entrevista foi concedida no gabinete de uma autoridade do governo local, e As’aad chegou protegido por um contingente de 10 soldados turcos fortemente armados, incluindo um atirador.

O coronel vestia um terno executivo que um funcionário do Ministério das Relações Exteriores turco disse que comprou para ele naquela manhã. No final do encontro, citando preocupações de segurança, o coronel e o representante do ministério orientaram para que todos os futuros contatos com seu grupo fossem encaminhados ao ministério.

A Turquia antes via suas relações calorosas com a Síria como sendo sua maior realização de política externa, mas as relações ruíram ao longo dos oito meses de protestos antigoverno e da repressão brutal que a Organização das Nações Unidas diz que matou mais de 3 mil pessoas.

O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ficou ofendido com o repetido fracasso de Assad de cumprir suas garantias de que promoveria amplas reformas. As autoridades turcas previram que o governo Assad poderá cair nos próximos dois anos.

“Isso pressiona a política turca ainda mais a favor de uma intervenção ativa na Síria”, disse Hugh Pope, um analista do Grupo Internacional de Crises. Ele chamou o aparente relacionamento da Turquia com o Exército Sírio Livre de “um território completamente novo”.

“Está claro que a Turquia se sente sob ameaça diante do que está acontecendo no Oriente Médio, particularmente na Síria”, disse Pope, que notou que em discursos anteriores, Erdogan “falou do que está acontecendo na Síria como se fosse um assunto interno da Turquia”.

As’aad não especificou o número de combatentes, dizendo apenas que são mais de 10 mil, e não estava disposto a revelar o número de batalhões, alegando que o grupo tinha 18 batalhões “anunciados” e um número não especificado de batalhões secretos. Nenhuma dessas alegações pôde ser verificada de modo independente. As autoridades turcas disseram que seu governo não forneceu armas e nem assistência militar ao grupo insurgente, nem o grupo pediu diretamente essa assistência.

Mesmo assim, As’aad, que agradeceu à Turquia pela proteção, deixou claro que está buscando armas melhores, dizendo que seu grupo poderia infligir danos a uma liderança síria que provou ser notavelmente coesa.

“Nós pedimos à comunidade internacional que nos forneça armas para que nós, como um exército, o Exército Sírio Livre, possamos proteger o povo da Síria”, ele disse em uma entrevista. “Nós somos um exército, nós estamos na oposição e estamos preparados para operações militares. Se a comunidade internacional nos fornecer armas, nós podemos derrubar o regime em um prazo bastante curto.”

As palavras pareciam mais vanglória do que uma ameaça, e com os comícios em massa pró-governo e uma repressão que, por ora, conteve o momento das manifestações antigoverno, o governo sírio parece estar em uma posição mais forte do que nos últimos meses. Apesar de profundamente isolado, o governo sírio se sentiu fortalecido pelos vetos da Rússia e da China a uma resolução relativamente dura no Conselho de Segurança. Apesar das previsões contrárias, as forças armadas e os serviços de segurança, em particular, ainda não apresentaram rachas nos oito meses de repressão sangrenta.

As’aad disse que desertou das forças armadas e fugiu para a Turquia depois que protestos tiveram início em sua cidade natal, Ebdeeta, na província de Idlib no norte, atraindo uma repressão do governo que matou vários parentes e que atingiu a casa de sua irmã com fogo de artilharia. Mas ele também fugiu, ele disse, porque “sei que há um maior potencial de liderar operações em um local em que estou livre”.

Ele disse que todos os moradores do campo onde ele se encontra na Turquia são membros do Exército Sírio Livre. O campo inclui um assistente pessoal e um “escritório de imprensa” com meia dúzia de integrantes. Ele disse que os combatentes do grupo são altamente organizados, apesar de armados apenas com armas que levaram quando desertaram ou tomadas dos membros mortos das forças de segurança e pró-governo da Síria.

“Nossa estratégia para o futuro é que enfrentaremos o regime em seus pontos fracos e no próximo período esperamos adquirir armas, para que possamos enfrentar o regime mais fortemente”, disse As’aad.

Apesar de muitos analistas argumentarem que os ataques dos desertores na Síria parecem não coordenados e locais, As’aad alegou estar em pleno controle operacional. Ele disse estar encarregado do planejamento de “operações militares completas”, deixando os confrontos menores e as decisões do dia a dia para os comandantes em campo. Todavia, ele está em contato diariamente com os comandantes de cada batalhão, ele disse, passando horas por dia checando e-mail em um laptop conectado a um de seus quatro telefones –incluindo um por satélite– fornecidos a ele por sírios que vivem nos Estados Unidos, Europa e no Golfo Pérsico.

Andrew Tabler, um membro do Instituto Washigton de Políticas para o Oriente Próximo, disse que o surgimento do grupo é crucial para a questão mais ampla de se a oposição continuará realizando protestos pacíficos, como tem feito em grande parte, ou se “tomará outro caminho e contra-atacará”.

“Eles estão organizados e estão falando com pessoas de fora”, disse Tabler. “Mas a questão é até que grau eles estão recebendo apoio financeiro de pessoas de fora, como indivíduos na Turquia e na Arábia Saudita.”

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