sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Vazamento de informações revela operações de espionagem norte-americana contra Israel

Novo quartel general da CIA, em McLean, Virginia
Quando Shamai K. Leibowitz, um tradutor do Departamento Federal de Investigações (FBI), foi condenado a 20 meses de prisão no ano passado pelo vazamento de informações sigilosas para um blogueiro, os promotores revelaram poucos detalhes sobre o caso. Eles identificaram o blogueiro nos documentos do tribunal apenas como “Destinatário A.”. Depois que Leibowitz declarou-se culpado, até mesmo o juiz afirmou não saber exatamente o que ele havia revelado.

“Tudo que sei é que o caso é grave”, disse na sessão do veredicto, em maio de 2010, o juiz Alexander Williams Jr, do Distrito Judicial Federal de Maryland. “ Eu não sei o que foi divulgado além de alguns documentos, nem como isso gerou problemas. Não faço a menor ideia”.
Mas agora o motivo para o sigilo extraordinário em torno do primeiro processo judicial do governo Obama pelo vazamento de informações à mídia parece claro: Leibowitz, um tradutor de hebraico contratado, vazou transcrições sigilosas de conversas registradas em grampos telefônicos feitos pelo FBI contra a Embaixada de Israel em Washington. Entre os indivíduos que tiveram conversas gravadas pelos grampos estão norte-americanos que apoiam Israel e pelo menos um membro do congresso, segundo o blogueiro, Richard Silverstein.
Na sua primeira entrevista sobre o caso, Silverstein proporcionou um raro retrato de uma operação de espionagem dos Estados Unidos contra um aliado próximo.
Silverstein disse que queimou os documentos secretos no seu quintal em Seattle depois que Leibowitz passou a ser alvo de investigações em meados de 2009, mas ele se recorda de que havia cerca de 200 páginas de transcrições literais de telefonemas e daquilo que pareciam ser conversas na embaixada. Silverstein contou que, em uma das transcrições, autoridades israelenses manifestaram o temor de que as suas conversas pudessem ser monitoradas.
Segundo Silverstein, Leibowitz, que recusou-se a fazer comentários para esta matéria, vazou os documentos devido às suas preocupações quanto aos esforços agressivos de Israel para influenciar o congresso dos Estados Unidos e a opinião pública norte-americana, e ao temor de que Israel pudesse atacar instalações nucleares no Irã, uma ação que ele acredita que seria potencialmente desastrosa.
Embora o governo norte-americano grampeie rotineiramente algumas embaixadas localizadas nos Estados Unidos, a coleta de inteligência tendo como alvo países aliados é sempre uma operação politicamente delicada, especialmente em se tratando de um aliado próximo como Israel.
O FBI faz escutas de embaixadas e autoridades de outros países nos Estados Unidos, principalmente para rastrear espiões estrangeiros, embora qualquer informação obtida sobre outros assuntos seja repassada para a Agência Central de Inteligência (CIA) e outras agências. As interceptações são feitas pela Divisão de Tecnologia Operacional do FBI, cujas instalações ficam em Quantico, no Estado de Virgínia, segundo Mathew M. Aid, um escritor especializado na área de inteligência que descreve as operações de monitoramento do departamento em um livro “Intel Wars” (“Guerras de Inteligência”), que deverá ser lançado em janeiro próximo. Tradutores como Leibowitz trabalham no escritório do FBI em Calverton, no Estado de Maryland.
Ex-oficiais de contrainteligência descrevem as operações de inteligência israelenses nos Estados Unidos como sendo bastante amplas, ficando apenas um pouco abaixo daquelas conduzidas pela China e pela Rússia. Segundo esses especialistas, os agentes de contrainteligência do FBI há muito tempo monitoram a espionagem israelense.
Para a maior parte das operações de escuta contra embaixadas localizadas em Washington, a legislação federal exige que o FBI obtenha uma autorização do Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira, que se reúne em sigilo no Departamento de Justiça. Se um norte-americano que estiver visitando ou telefonando para uma embaixada tiver a sua conversa registrada em uma gravação, o FBI é obrigado pela lei a remover o nome dele dos relatórios de inteligência, substituindo o nome pelas palavras “U.S. Person” (“pessoa dos Estados Unidos”). Mas transcrições primárias originais não passam necessariamente por esse processo de edição, que é chamado de “minimização”.
Pode até ser que o relato de Silverstein não venha a ser corroborado, mas ele se coaduna com fatos publicamente conhecidos sobre o caso. Porta-vozes do FBI, do Departamento de Justiça e da Embaixada de Israel se recusaram a fazer comentários sobre a operação de escuta contra a embaixada e o crime de Leibowitz. Ele admitiu ter revelado “informações sigilosas a respeito de atividades de inteligência de comunicação dos Estados Unidos”, uma expressão não oficial para designar a interceptação de telefonemas, e-mails e outras mensagens pelo FBI e pela Agência de Segurança Nacional (NSA), que geralmente se concentra em comunicações internacionais.
Leibowitz, que se encontra agora no Departamento Federal de Prisões em Maryland, está proibido pelo seu acordo de redução de pena de falar sobre qualquer coisa da qual tenha tomado conhecimento no FBI. Dois advogados que representaram Leibowitz, Cary M. Feldman e Robert C. Bonsib, também não quiseram fazer comentários.
Silverstein, 59, escreve um blogue chamado Tikum Olam, cujo nome é derivado de uma frase em hebraico que segundo ele significa “consertando o mundo”. O blogue apresenta um ponto de vista liberal quanto a Israel e às relações entre Israel e os Estados Unidos. Ele disse que decidiu se pronunciar para deixar claro que Leibowitz, embora condenado pela Lei de Espionagem, agiu movido por motivos nobres. A Lei de Espionagem foi utilizada pelo Departamento de Justiça em quase todos os casos de processos movidos contra funcionários públicos federais devido ao vazamento de informações sigilosas à mídia, incluindo um recorde de cinco casos ocorridos durante o governo do presidente Barack Obama.
Silverstein disse que conheceu Leibowitz, um advogado que tem uma história de ativismo político, após perceber que ele também tinha um blogue de tendência liberal, chamado Pursuing Justice (Buscando Justiça). Os dois se mostravam preocupados com as consequências de um possível ataque aéreo israelense contra as instalações nucleares do Irã.
Devido ao seu trabalho feito para o FBI de janeiro a agosto de 2009, Leibowitz acreditava também que os esforços dos diplomatas israelenses no sentido de influenciar o congresso e modelar a opinião pública dos Estados Unidos eram excessivos e impróprios, disse Silverstein.
“Eu o vejo como um patriota norte-americano e um divulgador de fatos que interessam ao país, e eu gostaria que os atos dele fossem vistos nesse contexto”, disse Silverstein. “Na época, o que realmente preocupou Shamai foi a possibilidade de um ataque israelense contra o Irã, que ele acreditava que seria prejudicial tanto a Israel quanto aos Estados Unidos”.
Silverstein tirou do ar as mensagem de blogue que ele havia escrito com base no material divulgado por Leibowitz, após a investigação criminal, há dois anos. Mas ele conseguiu recuperar três mensagens de abril de 2009 do seu computador e as forneceu ao “New York Times”.
As mensagens não fazem referência aos grampos, mas descrevem informações de “uma fonte confidencial”, uma expressão que, segundo Silverstein, foi utilizada para tentar ocultar a origem do material.
Um dos textos diz que a Embaixada de Israel forneceu a Obama “relatórios escritos regulares” sobre a guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza nas primeiras semanas após a eleição e a posse do presidente. Um outro descreve telefonemas entre autoridades israelenses em Jerusalém, Chicago e Washington para discutir a visão de membros do congresso em relação a Israel. Um terceiro descreve um telefonema entre um ativista judeu não identificado de Minnesota e a Embaixada de Israel no qual se fala sobre uma reunião entre uma autoridade da embaixada e o deputado Keith Ellison, democrata pelo Estado de Minnesota, que estava pretendendo fazer uma viagem oficial à Faixa de Gaza.
Silverstein disse se recordar de que autoridades da embaixada falaram em redigir artigos de opinião que seriam publicados sob os nomes de norte-americanos que apoiam Israel. Ele disse que as transcrições incluíam também uma conversa a três entre um congressista do Texas, um apoiador norte-americano do congressista e um funcionário da embaixada. Silverstein disse que não consegue se lembrar dos nomes.
Ao ser condenado, Leibowitz descreveu aquilo que fez como “um erro único que ocorreu quando eu trabalhava para o FBI e vi coisas que eu considerei violações da lei, e sobre as quais eu achei que deveria falar com um repórter”.
Segundo Silverstein, isso foi uma referência à tentativa dos diplomatas israelenses de influenciar o congresso dos Estados Unidos, embora nada do que Leibowitz tenha descrito a ele pareça ter ultrapassado os limites da atividade comum de lobby.
Leibowitz, 40, que à época da condenação era pai de gêmeos de seis anos de idade, dá a impressão de ser uma má escolha para um trabalho de tradução no FBI. Ele nasceu em Israel, em uma família que é proeminente nos círculos acadêmicos. Leibowitz praticou direito em Israel durante vários anos, tendo representado diversos clientes polêmicos, incluindo Marwan Barghouti, um líder palestino acusado de ter dirigido ataques diretos contra israelenses, e que Leibowitz disse certa vez que o fazia lembrar Moisés.
Em 2004, Leibowitz mudou-se para Silver Spring, em Maryland, na periferia de Washington, onde ele era um dos líderes da sua sinagoga. Silverstein disse que Leibowitz possui cidadania dupla estadunidense e israelense.
No tribunal, Leibowitz manifestou angústia devido ao impacto do caso sobre o seu casamento e a sua família, que ele disse que encontrava-se “destituída”. Ele manifestou especial tristeza por deixar os filhos. “Nos período de formação da vida deles, quando eles têm seis anos de idade e estão terminando o primeiro ano, eu estarei ausente das suas vidas, e este é o fato mais terrível referente a este caso”, disse ele.
Embora seja tratado como altamente confidencial pelo FBI, o fato de os Estados Unidos espionarem Israel não é nenhuma novidade para os especialistas em inteligência. “Nós começamos a espionar Israel antes mesmo de o Estado de Israel ter sido formalmente criado em 1948, e Israel também sempre nos espionou”, diz Aid, o escritor. “As interceptações de comunicações israelenses sempre foram uma das categorias mais sensíveis de espionagem”, designadas com o código Gamma, para indicar a sua elevada classificação de sigilo, explica ele.
Douglas M. Bloomfield, um colunista norte-americano que escreve para diversas publicações judaicas, diz que quando trabalhou na década de oitenta para o Comitê de Relações Públicas Israel-Estados Unidos (Aipac, um grupo de lobby pró-israelense nos Estados Unidos), ele assumia que as comunicações com a Embaixada de Israel eram interceptadas.
“Eu não estou nem um pouco surpreso em saber que o FBI estava escutando os israelenses”, diz ele. “Mas eu não acredito que esse seja um uso inteligente de recursos, já que não acredito que Israel seja uma ameaça à segurança norte-americana”.

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