terça-feira, 6 de setembro de 2011

O fim de Gaddafi e a não proliferação nuclear

A queda do regime faz supor que a aquisição de armas nucleares se tornará atraente para países que se sentem ameaçados pelo Ocidente

Coronel Khaddafi
Considerar que as armas nucleares são desenvolvidas com o intuito de ameaçar é um erro recorrente nas práticas do regime internacional de não proliferação nuclear, que põe em perigo sua própria continuidade. A história mostra que a proliferação é muito mais resposta a uma ameaça percebida do que preparação para uma agressão.

Em que pesem todos os aspectos positivos inerentes à queda de uma ditadura brutal como a de Muammar Gaddafi na Líbia, os fatos a que estamos assistindo representam um duro golpe contra a não proliferação nuclear.

Em dezembro de 2003, após difíceis negociações, a Líbia concordou em abandonar seu programa de armas nucleares. Por mais de uma década, o país se envolveu no desenvolvimento da capacidade de enriquecimento, com base em importações ilícitas de urânio natural, centrífugas e equipamentos de conversão, e chegou a iniciar a construção de instalações em escala piloto.

O programa de enriquecimento da Líbia estava ainda numa fase inicial; não chegou a produzir urânio enriquecido. O Paquistão, que também abasteceu o Irã, foi fonte dessas tecnologias e materiais na década de 1990. Há mais de cinco meses, a Otan impôs uma zona de exclusão aérea em apoio a rebeldes que lutam contra o regime líbio, após a queda das ditaduras da Tunísia e do Egito -para as quais não se lançou mão da intervenção militar. Uma difícil questão se coloca: essa campanha de bombardeios ocorreria se o imprevisível sr. Gaddafi tivesse avançado com seu programa de armas nucleares? Tudo indica que a resposta seja negativa.

A queda do regime líbio permite supor que a aquisição de armas nucleares se tornará ainda mais atraente e justificável para os regimes que se sentem de alguma forma ameaçados pelas potências ocidentais. Por sua vez, isso irá corroer ainda mais o espírito do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).

A meta de eliminação total de armas nucleares proposta pelo TNP tem sido sustentada pela expectativa de que ter armas nucleares por razões de segurança seria uma estratégia obsoleta com o fim do mundo bipolar da Guerra Fria. Infelizmente, a realidade contradiz essa lógica: as razões pelas quais os países possuem ou buscam possuir armas nucleares parecem permanecer tão vivas quanto eram na Guerra Fria, visto o contínuo aperfeiçoamento dos arsenais existentes e as reais e supostas tentativas de criação de novos.

Para avançar na direção da meta do TNP, o total desarmamento nuclear do planeta, é preciso encarar a realidade de que o medo é o fator determinante da proliferação nuclear. Esses temores deveriam, portanto, ser abordados pela comunidade internacional de forma a reduzi-los, e não amplificá-los.

A ameaça ou a realidade de intervenções militares de Estados que possuem armas nucleares contra Estados destituídos delas, algumas vezes sob o propósito de dissuadi-los a adquiri-las, somadas à complacência com países que as obtiveram à revelia do TNP, pode tornar-se uma profecia autorrealizável.

Esforços de diálogo, cooperação em segurança e um renovado compromisso com o desarmamento de todos, inclusive os já armados, compõem o longo caminho a percorrer para reviver o princípio fundador da não proliferação. Caso contrário, o regime em vigor vai se tornar obsoleto e poderá arrastar o mundo para uma nova corrida às armas nucleares, como na Guerra Fria, porém de forma mais generalizada e, portanto, volátil. Essa ameaça à humanidade talvez seja mais próxima e mais grave do que as mudanças climáticas. É urgente, portanto, ressuscitar o movimento pacifista.

LEONAM DOS SANTOS GUIMARÃES, doutor em engenharia naval e mestre em engenharia nuclear, é assistente da presidência da Eletrobras Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

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