terça-feira, 13 de setembro de 2011

"Fizemos exatamente o que a Al Qaeda queria que fizéssemos", diz ex-agente do FBI

Ali Soufan (a esquerda) no Afeganistão
O ex-agente do FBI Ali Soufan interrogou terroristas capturados após 11 de Setembro sem recorrer a técnicas “avançadas” e obteve sucesso. Em entrevista ao “Spiegel”, ele revelou como fazia os jihadistas falarem usando chá e revistas de automóveis e explicou como 11 de Setembro poderia ter sido impedido.

Spiegel: Como o senhor descreveria o estado dos EUA, 10 anos após 11 de Setembro, quatro meses após a morte de Bin Laden? Este é o início do fim da história?
Soufan:
É o início de uma nova era. Acho que hoje, a Al Qaeda está definitivamente, significativamente prejudicada. A Al Qaeda que nos atacou no dia 11 de setembro não existe mais. Seu comando central está muito, muito fraco. Nesses 10 anos, por causa dos erros, a fama dos EUA foi seriamente danificada. Mas ao mesmo tempo, trabalhamos para reverter esses danos: todas as prisões secretas foram fechadas. As técnicas de interrogatório avançadas foram canceladas. Memorandos foram revelados, então tudo foi declarado e encarado de frente. Isso é muito raro em qualquer país no mundo.

O senhor começou a investigar Osama Bin Laden e a Al Qaeda anos antes de 11 de setembro. O senhor se lembra de quando ouviu o nome de Bin Laden pela primeira vez?
A primeira vez que ouvi falar dele foi em uma revista árabe. Eles fizeram uma entrevista com ele no Sudão, e eu fiquei me perguntando quem era aquele cara. Depois, comecei a ler sobre ele nos jornais e fiquei um pouco preocupado com o nível da retórica dele. Como eu fui criado no Líbano, compreendia esse tipo de retórica. Então, fiquei acompanhando as declarações de Bin Laden até entrar para o FBI, em 1997. Ou seja, não foi tipo “Ai meu Deus, temos que prestar atenção nesse cara”. Não aconteceu da noite para o dia. Foi um processo. Mas então, o grande “fatwa” de Bin Laden em fevereiro de 1998 despertou um novo nível de interesse. Aí já eu estava 100% convencido que algo ia acontecer.

Seu chefe no FBI, John O’Neill – que deixou o serviço para se tornar chefe de segurança do World Trade Center e que morreu nos ataques de 11 de setembro –, também tinha consciência do perigo potencial da Al Qaeda.
John definitivamente compreendeu a ameaça, e eu nunca encontrei ninguém que soubesse pensar e trabalhar em um caso de terrorismo e entendê-lo melhor do que John. Aprendi muito com ele. Acho que ele era um fenômeno. Ele viu a ameaça de Bin Laden logo no início e continuou a batalhar. Ele viu o que estava vindo, com o atentado contra a embaixada no Leste da África, com o U.S.S. Cole. Ele lutou até o dia que partiu e sabia que o grande ataque estava por vir. Infelizmente, ninguém prestou atenção.

O senhor explica em seu livro que 11 de Setembro poderia ter sido impedido, se não houvesse uma “muralha da China” entre a CIA e o FBI.
Sempre trabalhamos juntos. Trabalhamos juntos durante o atentado à embaixada no Leste da África. Tínhamos um ótimo relacionamento. Mas subitamente, esse muro surgiu, devido a novas diretrizes organizando o relacionamento da inteligência com as forças de policiamento. Infelizmente, isso contribuiu diretamente para a falta de conhecimento sobre 11 de setembro. Tínhamos dados de inteligência confiáveis que transferimos para a CIA, mas não houve continuidade no tratamento dos dados.

Que tipo de informação era?
Estávamos investigando o incidente com o Cole, no Iêmen. E uma pessoa que participou da explosão do navio – que matou 17 marinheiros e feriu 39 – nos disse que entregou dinheiro para um importante membro da Al Qaeda. Depois, as pessoas envolvidas no incidente do Cole entregaram dinheiro para dois homens que jogaram um avião contra o Pentágono. Agentes em nosso governo sabiam que esses dois estavam nos EUA, em San Diego. Então, quando você está fazendo uma investigação e quase um ano antes você sabe sobre as pessoas levando dinheiro e participando de reuniões, acho que você tem que entender que há alguns limites ao muro. Tínhamos a pista, a CIA conhecia a identidade dos dois em San Diego, mas eles não os colocaram em uma lista de proibição de embarque ou comunicaram seus nomes ao Departamento de Estado para que o visto deles não fosse renovado.

Eles jamais pediram desculpas por isso?
Sim, no dia 12 de setembro de 2001, eles nos disseram: “Lembra daqueles dois sujeitos que entregaram o dinheiro... bem eles de fato se encontraram com dois outros que conhecemos e não contamos para vocês. Desculpa”. Por que eles não checaram seus computadores antes e disseram: “Minha nossa, veja o que está acontecendo aqui”. Para mim, vai além da incompetência.

Em seu livro, o senhor também critica o fato de os EUA nunca terem de fato compreendido seu inimigo, a Al Qaeda.
Acho que definitivamente subestimamos as motivações ideológicas desses grupos: o que faz as pessoas se explodirem, o significado religioso da Al Qaeda. Não é política. O estrategista militar chinês Sun Tzu disse há muito tempo: “Se você conhecer seu inimigo e se conhecer, você vencerá cem vezes cem batalhas”. Infelizmente, na guerra contra o terrorismo, esquecemos quem nós éramos e tampouco conhecíamos nosso inimigo. Veja a Al Qaeda. Logo antes de 11 de setembro, eles tinham cerca de 400 agentes e eles nos envolveram em uma guerra mais longa do que a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Não porque sejam tão inteligentes, mas porque não compreendemos nosso inimigo. Em vez disso, aplicamos técnicas de interrogatório avançadas e afogamento. Fizemos exatamente o que a Al Qaeda queria que fizéssemos. Quando você faz isso, o que você prova? Você prova que tudo o que aquele combatente pensa sobre você está certo. Mas se você chega com uma xícara de chá, ele não sabe como reagir.

Foi essa sua estratégia como interrogador, oferecer uma xícara de chá?
Todo interrogatório é diferente. Você tem que tirá-los de sua zona de conforto. Mesmo que as condições sejam duras, ainda pode haver uma zona de conforto, porque você se comporta como eles esperam que o inimigo se comporte. Você tem que confundi-los. Eu interroguei o motorista de Bin Laden, Salim Hamdan, em Guantánamo. Outro americano antes de mim tinha prometido a ele que poderia fazer um telefonema à esposa. Mas nunca deixaram. Quando chegamos, ele disse para nós: “Vocês americanos, vocês mentem”. E descobrimos que de fato eles não haviam cumprido a promessa que fizeram. Eu disse a ele: “Está bem, erramos. Desculpe-nos, peço perdão”. E dei a ele o telefone.

E funcionou?
Ele não conseguia acreditar. Mas após fazer o telefonema e ouvir a voz da mulher, ele se ajoelhou e começou a chorar e agradecer a Deus. Nós o levamos de volta, demos água, chá. Por quase 20 minutos, ele não falou uma palavra. Depois começou a me perguntar sobre o Iêmen e disse: “Está bem, o que você quer saber?”

Na época, o senhor era um dos poucos agentes que falava árabe fluente e podia citar o Alcorão nos interrogatórios.
Certo que isso ajudou. Muitas vezes, eu me deitava no chão ao lado do prisioneiro, como se estivéssemos tirando uma soneca. Nós trazíamos sanduíche de peixe do McDonald’s para Hamdan e revistas de carros e caminhonetes americanas da loja local em Guantánamo. Ele lia tudo.

Revistas de caminhonetes no lugar do afogamento – era essa sua receita para o sucesso?
Você não precisa ser durão. Por quê? De qualquer forma, ele está sob a sua custódia. Ele sabe que você é quem manda. Você não precisa se fazer de durão.

Parece bom, mas e os dados que você obteve de Hamdan?
Ele pode ter sido uma testemunha vital nos julgamentos. Ele conhece todo mundo, pois era guarda costas de Bin Laden, motorista dele, a pessoa que sempre estava com Bin Laden, o mais próximo a ele. Ele estava dirigindo o carro quando Bin Laden e Ayman Al-Zawahiri conversaram sobre o quarto avião. Ele estava presente quando Khalid Sheikh Mohammed (nota do editor: a pessoa que planejou 11 de setembro) explicou aos líderes da Al Qaeda o projeto de 11 de setembro. Ele nos disse que estava disposto a falar. É outro exemplo de onde acho que não agimos bem.

O senhor pediu a ele que fosse testemunha nos julgamentos, talvez até com algum acordo de sentença?
Sim, mas aí, subitamente eles o declararam “combatente inimigo”, sem nem coordenarem isso conosco. Então, quando você o declara combatente inimigo, você dá a ele um advogado. E a pessoa que estava falando não pode mais falar, mesmo que estivesse cooperando.

Quem tomou essa decisão?
A Casa Branca, baseada nas recomendações do Pentágono, sob muita pressão para processar as pessoas. Então eles disseram: “Vamos declará-los combatentes inimigos”, sem pensar sobre o efeito de longo prazo. Hamdan era uma testemunha histórica, ele poderia ter sido muito útil para outros casos e julgamentos. Hoje, é um homem livre. Ele foi condenado a cinco anos, que já tinha passado em Guantánamo. Ele partiu logo após o julgamento. Agora, está perdido para nós.

O senhor também interrogou outro importante terrorista, Abu Zubaydah. O presidente Bush celebrou sua captura em março de 2002 no Paquistão como grande vitória. O governo norte-americano o considerava erroneamente o número três da Al Qaeda. Depois, ele foi o primeiro preso a ser sujeitado ao afogamento. Qual era o estado dele quando senhor o viu pela primeira vez?

Ele estava muito mal de saúde quando o vimos após sua captura. Ele estava gravemente ferido, porque houve um tiroteio, e isso era uma grande preocupação para nós. Mas uma das coisas que aconteceu foi que, imediatamente após sua captura, ele passou a cooperar conosco e, por causa da cooperação e como ele estava dando alguns dados confiáveis, Washington disse: a morte não é uma opção. Precisamos fazer todo o possível para mantê-lo vivo, porque ele tem muitas informações boas.

Então vocês trataram os ferimentos dele e estabeleceram um relacionamento com ele?
Sim, e quando a condição dele ficou realmente crítica, nos avisaram que ele poderia morrer e que tínhamos que correr com nosso questionamento. Nós o levamos para um hospital onde sofreu uma cirurgia. No hospital, continuamos a interrogá-lo. Nesse período, ele nos contou sobre a última vez que falou com Bin Laden, as pessoas que lá estavam e o que Bin Laden pretendia com a operação. E ele nos deu um local. Eu perguntei: “Então, quem era o responsável pela operação?” Ele disse “tal e tal, da gangue de Bin Laden”. E sabíamos quem eram. Tínhamos os retratos, estavam nos cartazes dos 22 “mais procurados”.

Ou seja, novamente seu método obteve sucesso?
De fato, foi por acaso. Eu disse ao meu parceiro: “Me dá a foto daquele cara”. E ele pegou no cartaz dos 22 mais preocupados na Palm dele, pois não tínhamos o livro de fotos do FBI conosco. Nós dois tínhamos o mesmo suspeito em mente. Aí ele me passou a Palm, sabe, dessas antigas, com a tela pequena. Clicamos na foto errada sem perceber. E ele disse: “Não”. E eu realmente fiquei irritado, porque tínhamos liberado o cara, o mantivemos vivo, e achamos que tínhamos alguma coisa e agora ele estava mentindo para nós. E eu disse: “Ah, sim, e quem é esse?” E ele olhou para mim e disse: “Não brinque comigo, irmão. Esse é Mukhtar. Esse é o cara que fez o 11 de setembro”. Eu vinha ouvindo falar desse sujeito, Mukhtar, sabia que era importante, então olhei para a foto e era Khalid Sheikh Mohammed. Na época, não sabíamos que o KSM, como o chamávamos, era membro da Al Qaeda. Então Zubaydah nos deu os detalhes do que aconteceu no 11 de setembro. Não foi afogamento. Não foi tortura. Foi um acidente e muita sorte e o tipo de relacionamento que tínhamos com ele.

O presidente Bush confirmou viera de Zubaydah a importante revelação que KSM tinha sido o principal planejador de 11 de Setembro, mas disse que foi um dos resultados das “técnicas de interrogatório avançadas”.
Conheço essa versão. Bush apresentou-a como sucesso das técnicas avançadas. Não foi. Os terceirizados da CIA que depois usaram técnicas de interrogação avançada em , em uma prisão secreta, em uma localização que eu não posso revelar, nem estavam presentes na época. Foi Zubaydah em seu leito de hospital que nos contou como Khalid Sheikh Mohammed tinha levado essa ideia a ele. KSM estava tentando encontrar um patrocinador para a operação, e Zubaydah disse a ele: “Vai falar com Bin Laden. Ele vai patrociná-lo”. Ele nos contou, não à CIA.

O senhor conhece algum caso de um dado de inteligência realmente decisivo que foi obtido por meio de tortura ou de técnicas de interrogatório especiais?

Nada que eu me lembre. Se você me dissesse que salvamos vidas por causa disso, aí talvez eu calasse minha boca. Mas a motivação da maior parte das pessoas que foram para o Iraque para lutar contra nós no Iraque foram as fotos de Abu Ghraib. Então, basicamente, custou vidas. E eu simplesmente não acredito nesses métodos. Após 183 sessões de afogamento, Khalid Sheikh Mohammed, que planejou 11 de setembro, ainda mentiu sobre o kuaitiano, Abu Ahmed Al-Kuwaiti, o correio que finalmente nos levou a Bin Laden em maio deste ano. KSM alegou que era um membro de baixo escalão e que não era importante. Agora sabemos que não era verdade.

A CIA censurou pesadamente seu livro “The Black Banners” (em tradução livre: as bandeiras pretas) e apagou várias partes, especialmente sobre as técnicas de interrogatório avançadas. O senhor esperava esse tipo de reação?
Como ex-agente do FBI, tive que submeter o livro à minha agência, que eu deixei em 2006 porque não conseguia mais continuar ali. Queria começar algo novo. Fiquei muito surpreso com a reação da CIA. Eles até cortaram quando eu dizia “eu”, ou “mim”, ou “nosso”. Eles cortaram coisas que eu disse em uma audiência pública no Senado. Quer dizer, já estava tudo declarado. Eles censuraram coisas que já eram de domínio público. Isso é absurdo, um absurdo total. Planejo forçar a revelação das informações censuradas por meios legais, agora.

Senhor Soufan, muito obrigado por esta entrevista.

Sobre Ali Soufan:
Ali Soufan, 40 anos, é americano de ascendência líbia. Ex-agente do FBI, fez com que membros capturados da Al Qaeda falassem sobre 11 de setembro Sem recorrer a técnicas de interrogatório “avançadas”. Em seu livro, “The Black Banners”, publicado na Alemanha na segunda-feira (12/9), ele descreve pela primeira vez como testemunhou tortura em uma prisão secreta.

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