terça-feira, 6 de setembro de 2011

Cheney continua escondido no "bunker"

Dick Cheney
Dick Cheney não esperou que a história o redimisse. Decidiu fazê-lo ele mesmo, por meio de uma autobiografia que publicou nos EUA em 30 de agosto. Fiel a seu estilo, não decepcionou seus críticos, ostentando a indolência que o tornou famoso como vice-presidente. O mundo, segundo seu livro, é um lugar onde uma grande rede de terroristas levou Washington a declarar uma guerra justa e necessária, que continuará sendo travada durante décadas. Para ganhá-la, foi necessário derrotar os talebans, espionar cidadãos americanos sem pedir permissão à justiça, torturar supostos membros da Al Qaeda, abrir Guantánamo e sobretudo foi inevitável invadir o Iraque.

As memórias se intitulam "Em Meu Tempo", mas bem que o ex-vice-presidente poderia ter usado uma frase que emprega profusamente no livro, e que retrata melhor o tom das memórias: "Eu tinha razão". Cheney recorre a essa expressão ao lembrar como, no discurso sobre o Estado da União de 2003, Bush disse que os serviços de inteligência britânicos lhe haviam afirmado que Saddam Hussein tinha procurado urânio na África. Essa afirmação resultou falsa, e Condoleezza Rice, então assessora de Segurança Nacional, disse à imprensa que havia sido um erro fazê-la.

Cheney, contra todas as evidências, continua afirmando que Saddam procurou urânio no Níger - algo que, na época, foi um de seus grandes argumentos para invadir o Iraque - e critica duramente quem ele chama em seu livro, familiarmente, de "Condi": "Ela percebeu tempo depois que havia cometido um grande erro ao dar uma desculpa. Veio ao meu gabinete, sentou-se na frente da minha mesa, e com lágrimas nos olhos admitiu que eu tinha razão". Rice discorda. Em uma entrevista à Reuters, desmentiu essa anedota: "Em oito anos, nunca fui com lágrimas nos olhos ver o vice-presidente".

Os fatos não são obstáculos para as opiniões de Cheney. Esta é a definição que dá sobre a penitenciária de Guantánamo: "É uma instalação modelo - segura, inatacável, digna - onde os detidos têm acesso a televisão, livros, jornais, filmes, esportes e exercícios a sua escolha, ao Corão, a comida saudável de acordo com seus preceitos religiosos e cuidados médicos". E os interrogatórios da CIA, equiparáveis à tortura? "Seguros, legais e eficazes." Por via das dúvidas, acrescenta que a captura e morte de Osama Bin Laden "foi feita com informação que os interrogadores obtiveram com essas técnicas".

Cheney cai ocasionalmente no erro de usar a primeira pessoa do plural para falar de fatos que na realidade são atribuíveis ao atual presidente americano, Barack Obama. Do governo anterior, é o único que manteve um nível constante e inalterado de crítica às decisões de Obama: por proibir a tortura por decreto; por ter querido fechar Guantánamo e por tirar as tropas do Iraque e Afeganistão com precipitação.

Em sua opinião, em seus oito anos como vice-presidente Cheney não fez política. Deixou isso para seu chefe. Ele se limitou a defender a nação. Em 11 de setembro de 2001, Bush estava na Flórida. Cheney foi escondido no "bunker" da Casa Branca. Em um momento, ele diz, temeu que a sede do governo "estivesse sendo invadida". Chegavam informes errôneos sobre dezenas de aviões sequestrados. Ordenou sem titubear que o exército abatesse qualquer voo de passageiros que não respondesse às ordens militares.

Nesse momento, Cheney sentiu que pousava sobre ele "a neblina da guerra". Desde esse momento essa foi a constante de sua vida: guerra, guerra e mais guerra. Horas depois dos ataques já tinha certeza de que era preciso invadir o Afeganistão. Mas Cheney precisava de mais inimigos. Já em 15 de setembro de 2001 afirmou em uma reunião do Conselho de Segurança que era "importante enfrentar a ameaça que representa o Iraque".

Desde então, Cheney se transformou na face menos amável e mais agressiva do Executivo. Admite, de fato, que se sente à vontade nesse papel de sujeito duro e sem consideração. Também passou a se refugiar permanentemente em misteriosos lugares secretos. Quando os jornalistas recebiam as agendas diárias da Casa Branca, era habitual receberem a seguinte mensagem: "O vice-presidente se encontra em local secreto". Agora se sabe que esse local costumava ser Camp David ou sua fazenda em Wyoming. "Se os terroristas atacavam para decapitar nosso governo, queríamos ter certeza de que não alcançariam o presidente nem a mim", escreve.

Seus detratores, depois da publicação do livro, o censuraram porque sua autocrítica ficou naqueles "locais secretos". Quando escreve a palavra "erro" é normalmente para atribuí-lo a outros: o ex-secretário de Estado Colin Powell, o ex-diretor da CIA George Tenet ou à própria Rice. Aí está também sua interpretação do que aconteceu no Iraque depois da invasão de 2003: "Minhas advertências haviam sido totalmente acertadas, ali nos deram boas-vindas como libertadores, quando resgatamos a cidadania iraquiana". Assim é o mundo segundo Cheney. E todos os outros estão equivocados.

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