Tudo em Riyad al-Maliki é cinzento –seu terno, seu cabelo, seu bigode e até sua pele. “Dá para ver como eu estou cansado só de olhar para mim”, diz Maliki. Ele é ministro de relações exteriores da Autoridade Autônoma Palestina há quatro anos, durante os quais viajou quase constantemente para defender a Palestina. Com 56 anos, ele deu a volta no globo muitas vezes, cobrindo milhares ou talvez até milhões de quilômetros. Ele desistiu de contar há muitos quilômetros. Mais recentemente, ele esteve em Juba, capital do Sudão do Sul, o 193º membro da ONU. A viagem tinha a intenção de lembrar ao mundo que há outro território que merece independência.
“Desde quando submeteram seu pedido para ONU até serem aceitos levou seis dias”, diz ele. “Seis dias! E quanto tempo mais temos que esperar?” O Sudão do Sul, o Timor Leste e a Macedônia –os Estados mais jovens na comunidade internacional –são atualmente pontos de referência de Maliki. “E nós?”, pergunta. “Nós cumprimos todos os requerimentos. Nós temos as instituições, agências de governo e uma sociedade civil. Está tudo aí.”
O que eles não têm é um Estado. Os palestinos vêm negociando com Israel há 20 anos, mas o impasse mútuo parece insuperável. A última tentativa de alcançar um acordo de paz fracassou em outubro de 2010. Mas antes disso, o presidente dos EUA, Barack Obama, disse: “Quando voltarmos aqui no ano que vem, poderemos ter um acordo que produzirá um novo membro da ONU –um Estado Palestino independente e soberano”. Um ano se passou, e agora os palestinos querem ver essa promessa cumprida.
Na ausência de negociações com Israel, eles decidiram levar seu conflito para o palco internacional e pleitear o ingresso na ONU. Os próprios palestinos declararam independência em 1988, e dezenas de países reconheceram o Estado Palestino. Mas só se tornaria uma nação plenamente reconhecida se for membro da ONU, o que os intitularia a apoio da ONU se seus direitos fossem violados –pela ocupação israelense, por exemplo.
Relacionamentos pelo mundo todo
São 9h da manhã de domingo, e Maliki está sentado no lobby de um hotel de Istambul, para onde ele convidou todos os 95 embaixadores palestinos para participar de uma reunião de estratégia. O ministro está distraído, mas ele consegue sorrir e explicar a iniciativa, que começou há quatro anos e, espera, vai terminar com um Estado palestino independente em setembro.
Nos últimos quatro anos, Maliki viajou ao Brasil nove vezes e reuniu-se com o ministro de relações exteriores brasileiro 15 vezes. “Nós desenvolvemos relacionamentos pessoais no mundo todo”, diz Maliki. O Brasil reconheceu o Estado da Palestina em dezembro último, e oito outros países latino-americanos se seguiram. “Por um longo tempo, os israelenses não compreenderam o que estávamos fazendo”, diz Maliki. “Então, subitamente, acordaram”.
Ele se orgulha de cada vitória, até das pequenas, como quando Malawi e Lesotho recentemente reconheceram sua terra natal como nação independente. A ideia por trás de sua estratégia é que, quanto mais países reconhecerem o Estado palestino, mais difícil será para Israel manter a ocupação. Os palestinos tendem a continuar aplicando este princípio em dois níveis dentro da ONU: no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral.
A participação plena na ONU é uma expectativa irrealista nesta altura. Um único veto no Conselho de Segurança pode impedir o processo, e os norte-americanos já deixaram claro que é precisamente isso o que farão. Ainda assim, o ministro de relações exteriores está se atendo ao plano por enquanto, ao menos oficialmente. “Nós definitivamente vamos ao Conselho de Segurança”, diz ele. “E em nossa petição, vamos usar o tipo de linguagem que os EUA e a Europa usam, inclusive citações do discurso do Oriente Médio de Obama. Se os americanos votarem contra a petição, estarão votando contra sua própria posição”. Internamente, contudo, um número crescente de palestinos acha melhor não submeter sua petição ao Conselho de Segurança para evitar o provável confronto.
A segunda opção é apelar à Assembleia Geral de 193 países, onde a maioria simples é suficiente para alcançar o status de “Estado observador não membro”. Os palestinos já podem contar com essa maioria. Até agora, 122 países reconheceram bilateralmente o Estado da Palestina e, de acordo com Maliki, haverá 140. Mais votos significa mais pressão para Israel concordar com negociações de paz, mais pressão sobre o mundo para que se encontre uma solução e novas regras básicas para as negociações. No final, nada vai acontecer sem negociações. Até Maliki sabe disso. “Ainda preferimos negociações”, diz ele. “Se Israel fizer uma boa oferta, suspendemos nossa campanha.”
Israel reage
Uma disputa diplomática foi iniciada quando os palestinos anunciaram sua intenção de pedir sua independência. O ministro de relações exteriores israelense pediu aos seus embaixadores que cancelassem suas férias de verão e enviassem telegramas secretos a todas suas embaixadas e consulados. Um dos documentos, que foi publicado pelo jornal israelense “Ha’aretz”, reage: “O objetivo que estabelecemos é ter o máximo de países se opondo ao processo de reconhecimento de um Estado palestino pela ONU. O esforço palestino precisa ser visto como um processo que erode a legitimidade do Estado de Israel...”
A reação nervosa de Israel é compreensível. “O status de observador poderia fornecer aos palestinos acesso às instituições da ONU. Isso poderia causar problemas”, diz um homem que está envolvido na contra-ofensiva diplomática mas prefere não ser identificado. Ele completa: “Temos que reagir contra ele”.
Ele pinta um cenário sombrio que a maior parte dos israelenses agora usa como argumento para advertir contra a iniciativa da ONU: que o governo em Jerusalém pode se ver forçado a tomar contra-medidas que iam atrapalhar a atual calma. Israel suspendeu muitos pontos de policiamento na Cisjordânia, mas pode rapidamente voltar a usá-los. E se Israel e os EUA parassem de fazer pagamentos à Autoridade Palestina, como ameaçaram, esta logo colapsaria. A liderança palestina está pedindo que a população faça protestos pacíficos, mas estes podem fugir ao controle. As forças de segurança israelenses, de qualquer forma, já estão reforçando seus suprimentos de gás lacrimogêneo, canhões de água e armas de choque.
Como os palestinos já asseguraram o apoio de mais países da ONU do que Israel conseguirá, o novo objetivo de Jerusalém é conseguir o que o vice-ministro de relações exteriores Danny Ayalon chama de “maioria moral”. Acima de tudo, Israel quer conquistar o apoio da Europa, Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos. De acordo com a lógica de Ayalon, se as grandes democracias estiverem do lado de Israel, isso privará o voto da Assembleia Geral de seu “significado moral”. Em breve, ele vai visitar Portugal, Espanha e Hungria para conquistar esses países também. O ministro de relações exteriores já esteve na Croácia, Albânia, Áustria e Macedônia pela mesma razão.
União Europeia dividida sobre a iniciativa
Até agora, somente um país europeu, a Alemanha, falou publicamente contra a iniciativa dos palestinos na ONU. “Sob nenhuma circunstância, os reconhecimentos unilaterais” contribuem para criar uma solução de dois Estados, disse a chanceler Angela Merkel em abril. Outros países europeus, como a França, assinalaram sua aprovação.
Novamente, a União Europeia parece estar dividida em uma importante questão de relações exteriores –justo agora quando os europeus estão tendo um papel mais importante. Os EUA estão praticamente fora de cena como intermediários. Com a eleição presidencial próxima, Obama não estará disposto a arriscar um confronto com Israel. “Os americanos não podem fazer isso sozinhos. Precisamos também dos europeus”, disse o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu à Catherine Ashton, representante da UE para relações exteriores.
Ashton está trabalhando em duas frentes para evitar um conflito na ONU. A primeira é uma declaração conjunta do quarteto do Oriente Médio, que consiste dos EUA, UE, Rússia e ONU, que pode servir como ponto de partida para as negociações. Ela cita astutamente a resolução 181 da ONU, de 1947, que pede a criação de um Estado judeu e outro árabe. Se os palestinos concordarem, este poderia ser o reconhecimento de Israel como Estado judeu, o que eliminaria um obstáculo importante no caminho das negociações.
Contudo, se a acrobacia linguística não for eficaz, uma resolução da UE pode deter a petição palestina no último minuto. Em vez de reconhecimento explícito, essa resolução certificaria que os palestinos cumpriram todos os requerimentos para formar um Estado independente. Este é o tipo de linguagem ao qual Riyad Mansour presta muita atenção.
Golpe de relações públicas ou vitória diplomática?
Mansour é um dos líderes da iniciativa palestina na ONU. Ninguém é tão versado nas complicadas regras da ONU quanto ele. Aos 64 anos, ele representou os palestinos na ONU por quase duas décadas. Ele conhece todos os precedentes e gosta de se referir a eles. Por exemplo, ele cita uma resolução da Assembleia Geral de 1972 confirmando que Bangladesh tinha todas as características de um Estado. Dois anos depois, o Conselho de Segurança aceitou Bangladesh como membro. Por que a mesma abordagem não pode funcionar para os palestinos? “Naturalmente, é apenas um exemplo”, diz Mansour com um sorriso. Ele acha interessante que, pela primeira vez, os palestinos estão um passo à frente. “Estamos jogando nossas cartas com cuidado”, diz ele.
O reconhecimento pela Assembleia Geral teria suas vantagens. Os palestinos então seriam membros de todas as organizações da ONU. Isso significaria mais poder para levar as acusações de crimes de guerra de Israel diante de uma Corte Criminal Internacional. No pior caso, o voto meramente seria um golpe de relações públicas; no melhor, seria uma vitória diplomática, cujas consequências só se tornariam evidentes mais tarde. De 17 países que tiveram status de observadores, todos com a exceção do Vaticano se tornaram membros.
O exemplo histórico que Mansour estudou mais foi o de Israel. “Quando a Assembleia Geral adotou a resolução 181 em 1947, nada aconteceu no dia seguinte. E nada aconteceu na outra semana. Mas meio ano depois, Israel declarou sua independência. Será que teria sido capaz disso sem a resolução? A resposta é não.” Ele sorri, inspira fundo e diz: “Será exatamente igual com a Palestina”.
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