Por THOMAS HEGGHAMMER
O manifesto de 1.500 páginas de Anders Behring Breivik, o homem acusado pelos ataques terroristas em Oslo, pode parecer um tratado ideológico bastante comum da ultradireita. Em "2083 - Uma Declaração Europeia de Independência", que Breivik colocou na internet em 22 de julho horas antes dos atentados, ele evoca temas do movimento e cita muitos ideólogos de direita.
Mas a visão de mundo de Breivik não se enquadra nas categorias da ideologia direitista, como a supremacia branca, o ultranacionalismo e o fundamentalismo cristão. Em vez disso, ela revela uma nova doutrina de guerra entre civilizações, o que existe de mais parecido até agora com uma versão cristã da Al Qaeda.
Por exemplo, embora Breivik diga temer "a extinção dos genótipos nórdicos", a higiene racial não é sua prioridade. Ele quer expulsar, não matar, os muçulmanos da Europa, e não se importa com judeus ou asiáticos não muçulmanos. Da mesma forma, ainda que se diga "extremamente orgulhoso" da sua "herança odínica/nórdica", ele não é um nacionalista -a sua "declaração de independência" se aplica a toda a Europa. E, embora cristão, ele admite: "Não vou fingir que sou uma pessoa muito religiosa".Em vez disso, seu objetivo é reverter o que ele vê como o "imperialismo islâmico" na Europa Ocidental.
Na sua opinião, os muçulmanos estão colonizando a Europa, ajudados por altas taxas de natalidade e pela doutrina multiculturalista defendida pela elite europeia. O islã, para ele, representa uma ameaça existencial à civilização europeia. A melhor maneira de enfrentá-la, argumenta, é com uma guerra contra os "marxistas culturais" -rótulo dado por ele à elite política e intelectual do continente- que permitem tal colonização.
Embora a violência de Breivik seja excepcional, suas opiniões não são. Grande parte do seu manifesto se inspira numa corrente intelectual direitista relativamente nova, às vezes chamada de "contra-jihad", que surgiu na década de 1980, mas só ganhou impulso após o 11 de Setembro. Seu lar principal é a internet, onde blogs como o "Jihad Watch", o "Atlas Shrugs" e o "Gates of Vienna" publicam ensaios de autores como Robert Spencer, Pamela Geller, Bat Ye'or e Fjordman, pseudônimo de um blogueiro norueguês. O manifesto de Breivik cita muitos desses autores.
Ao defender o assassinato em massa de políticos, Breivik vai muito mais longe do que qualquer ideólogo da contra-jihad, e seu manifesto contém ideias sem precedentes. Por exemplo, ele dá conselhos minuciosos sobre como fabricar bombas e planejar atentados. Os principais autores da contra-jihad jamais defenderam a violência, e vários condenaram as ações de Breivik.
Ele também afirma ser um membro da Ordem Militar e Tribunal Penal Europeu, que descreve como sendo uma reencarnação da Ordem dos Templários, e que teria sido fundada em 2002 em Londres por ativistas de oito países da Europa.
Na verdade, a parte mais beligerante da ideologia de Breivik tem menos em comum com a contra-jihad do que com a sua arqui-inimiga, a Al Qaeda. Tanto Breivik quanto a Al Qaeda se consideram envolvidos em uma guerra de civilizações que remonta às Cruzadas, opondo o islã ao Ocidente. Ambos lutam em nome de entidades transnacionais: a "umma" -ou "comunidade" de todos os muçulmanos- no caso da Al Qaeda e, no caso de Breivik, a Europa. Ambos enquadram sua luta como guerras defensivas pela sobrevivência. Ambos odeiam seus respectivos governos devido à colaboração com o inimigo externo. Ambos usam a linguagem do martírio (Breivik chamou seu ataque de "operação de martírio"). Ambos se dizem cavaleiros e defendem os ideais medievais da cavalaria. Ambos lamentam a erosão do patriarcado e a emancipação feminina.
Essas semelhanças não significam que Breivik se inspira na Al Qaeda ou a emula. O que elas sugerem é que ele e a Al Qaeda são manifestações do mesmo fenômeno ideológico: o "macronacionalismo", uma variante do nacionalismo aplicada a grupos de Estados-nações unidos por uma noção de identidade comum, como o "Ocidente" ou a "umma".
No mundo muçulmano, o pan-islamismo tem uma longa história e inspira a militância pelo menos desde a década de 1980, quando árabes foram ao Afeganistão para lutar ao lado de outros muçulmanos contra a ocupação soviética. O Ocidente, por muito tempo, não teve movimentos semelhantes, mas a ascensão da contra-jihad na década de 2000 e a publicação do manifesto de Breivik sugerem que isso pode estar mudando.
Se um movimento anti-islâmico violento surgir no Ocidente, podemos esperar que ele se divida quanto aos seus alvos. Alguns vão preferir punir a elite europeia pela sua "traição", como fez Breivik. Outros vão atacar os muçulmanos, como fez o franco-atirador que matou vários imigrantes na Suécia no ano passado.
Combater os extremistas macronacionalistas é difícil, pois suas causas gozam de certo apoio popular, mesmo que a solução proposta -o assassinato em massa- seja quase unanimemente rejeitada. Assim como a Al Qaeda explora a generalizada oposição muçulmana às políticas americanas no Oriente Médio, Breivik se aproveita do sentimento anti-islâmico na Europa.
Podemos apenas torcer para que suas ações sejam consideradas tão terríveis a ponto de solaparem sua causa. Uma Al Qaeda já é mais do que suficiente.
Thomas Hegghammer é pesquisador no Instituto Norueguês de Pesquisa da Defesa e coautor de "Al-Qaida in Its Own Words" (a Al Qaeda em suas próprias palavras). O autor confesso dos ataques em Oslo, na Noruega, diz ser um cruzado contra o que chama de "imperialismo islâmico"
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