Com julgamento de Mubarak, Oriente Médio entra em nova era

TV do Egito grava Mubarak de maca em julgamento

Na quarta-feira (03), o Egito entrou em uma nova era ao tornar-se o primeiro país árabe a levar a julgamento o seu ex-governante sem nenhuma intervenção estrangeira. A imagem de Hosni Mubarak deitado em um leito de hospital dentro de uma cela no tribunal deverá servir como aviso a outros déspotas.Às 11h58, horário local, o espírito de luta de Hosni Mubarak pareceu ressurgir. “Eu nego totalmente todas essas acusações”, afirmou ele, com voz firme, falando em um microfone. Por um momento, o ex-presidente egípcio de 83 anos de idade pareceu revitalizado pela ira. Ele ergueu-se ligeiramente no leito de hospital no qual foi levado até à sala de julgamento e levantou o dedo indicador. Foi um gesto ameaçador de uma era passada em que Mubarak ditava a lei do país.

O julgamento de Mubarak é um acontecimento histórico que deverá servir como advertência aos governantes autocráticos dos países vizinhos do Egito. Mubarak é o primeiro líder árabe a ser julgado pessoalmente desde que as rebeliões populares começaram a varrer o Oriente Médio no início deste ano.

Uma nova era teve início no Oriente Médio. Aqueles que cometeram abusos no governo, praticaram a corrupção ou ordenaram o assassinato de oponentes terão que se preparar para no futuro terminar as suas carreiras no banco dos réus, e não em um exílio luxuoso. A antiga prática padrão segundo a qual os ditadores derrubados eram recebidos por governantes aliados de outros países, como aconteceu com o ex-ditador tunisiano Zine El Abidine Ben Ali, ou eram rapidamente executados, não parece mais se aplicar.

A cela de Mubarak em um canto da sala da sala do tribunal foi compartilhada pelos seus dois filhos, pelo ex-ministro do Interior, Habib al-Adly e por seis ex-comandantes policiais. Eles estavam cercados por guardas à paisana, o que fazia com que fosse difícil ver o ex-ditador.

Milhões de egípcios viram ao vivo na televisão a forma como o debilitado ex-déspota ficou deitado no seu leito e ouviu a acusação de que foi cúmplice no assassinato de mais de 800 manifestantes durante a rebelião.

Debaixo de um lençol puxado até o queixo

Para enfatizar a natureza pública do julgamento do “faraó”, uma tela de vídeo em tamanho de cinema foi instalada em frente à academia de polícia na periferia do Cairo, onde ele está sendo julgado, a fim de permitir que as multidões lá fora pudessem acompanhar todo o processo.

A rede de televisão por satélite Al-Jazeera transmitiu as imagens para todo o Oriente Médio. Nenhum julgamento recebeu tanta atenção desde o processo contra Saddam Hussein. Mas o ditador iraquiano só foi colocado no banco dos réus após uma invasão do seu país por tropas estrangeiras.

Os egípcios provavelmente vão se lembrar durante muito tempo dos acontecimentos deste dia. Às 11h, funcionários do tribunal empurraram a cama de hospital através de uma entrada lateral para dentro da cela dos réus. O homem que governou o Egito com punho de ferro durante quase 30 anos jazia no leito hospitalar debaixo de um lençol puxado até o queixo.

Centenas de pessoas em frente ao prédio do tribunal aplaudiram a imagem. Mubarak foi tratado como qualquer outra pessoa submetida a julgamento. Ele foi obrigado a encarar os juízes, apesar dos seus problemas cardíacos e de um suposto câncer. As imagens de um Mubarak fraco e nervoso romperam o a sensação de controle que ele manteve sobre o seu povo durante décadas.

Não se sabe por quanto tempo os oficiais militares do governo de transição submeterão o seu ex-comandante a essa humilhação pública. O fato de eles terem feito isso demonstra a importância desse julgamento.

Antes que as acusações fossem lidas, foram ouvidos gritos das 600 pessoas reunidas na sala do tribunal, incluindo alguns parentes das vítimas. As pessoas ficaram de pé para tentar ver o ex-líder.

Uma limpeza ritual

“Sentem-se!”, ordenou o juiz Ahhmed Refaat, que a seguir ameaçou os indivíduos presentes com sentenças de prisão de 24 horas por desrespeito ao tribunal. Os advogados de defesa pediram que o julgamento fosse adiado.

Mas Refaat já havia deixado claro antes do julgamento que não permitiria que esse processo se arrastasse durante meses. Um observador afirmou que o julgamento poderá durar quatro semanas e que a sentença poderá ser anunciada em dois meses.

Pouca gente espera que Mubarak seja condenado à morte caso seja considerado culpado. O julgamento não tem como objetivo satisfazer desejos de vingança, mas sim de simbolizar uma ruptura com o passado. Esse é um processo de limpeza ritual com o qual os líderes militares do governo de transição desejam absolver-se de qualquer culpa.

A população espera que, assim que o julgamento terminar, o Egito volte a enfrentar os seus problemas urgentes. A maior prioridade é reativar a economia. Para os revolucionários da Praça Tahrir, a revolução não terá tido sucesso se ela não for capaz de melhorar a condição de vida de milhões de egípcios que se encontram em estado de pobreza.