quinta-feira, 25 de agosto de 2011

"Chegou a hora de dar um passo para o reconhecimento do Estado palestino", diz ministra espanhola

Trinidad Jiménez
No próximo dia 2 de setembro os ministros das Relações Exteriores da União Europeia se reunirão em Sopot, na Polônia. A mesa abordará, entre outros assuntos, a crise da Síria e a guerra da Líbia. Mas o ponto mais delicado será o reconhecimento do Estado palestino, que será votado em setembro no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). O tema ainda não é unanimidade entre os 27 países.


Diante das divergências, a ministra espanhola das Relações Exteriores e Cooperação, Trinidad Jiménez (nascida em Málaga), defende que pelo menos a maioria dos países da UE apoie "um avanço no reconhecimento do Estado palestino". Do contrário, adverte que "poderá gerar uma grande frustração na população palestina".

El País: O futuro da Síria passa pela demissão de El Assad?
Trinidad Jiménez: A posição que Bashar el Assad mantém é absolutamente intolerável. A repressão sistemática de cidadãos que clamam pacificamente por liberdade, a entrada dos tanques nas cidades, as detenções maciças... embora a comunidade internacional tenha se modulado para lhe dar alguma opção.

El País: A Espanha foi um dos países mais avessos a uma condenação dura?
Jiménez: Não. Sempre estivemos no consenso básico da UE e fomos um dos países que inclinou a balança a favor da condenação. Tentamos convencê-lo a iniciar um processo de reformas e a parar com a repressão, mas chegou um momento em que é normal que a comunidade internacional diga: "Até aqui chegamos. Não há mais o que dialogar". Quando a pressão diplomática não surte efeito, é preciso ir além. Assad foi tão longe que já não tem qualquer saída. Perdeu toda a credibilidade.

El País: E como forçá-lo a deixar o poder, excluindo uma intervenção militar?
Jiménez: O pedido de demissão já é uma forma de pressão. Além disso, a UE está aplicando sanções que são incrementadas de forma gradual, desde que não afetem a população síria. O próprio Conselho de Segurança aprovou uma declaração de condenação que, embora não seja bastante contundente, foi um passo adiante. Diante da evidência de que Assad não está disposto a parar a repressão, espero que a comunidade internacional atue agora com maior firmeza. Sobretudo quando a ONU nos alerta de que o regime sírio poderia ser acusado de crimes contra a humanidade.

El País: Deverão ser investigados os crimes do regime sírio?
Jiménez: Certamente.

El País: No Tribunal Penal Internacional?
Jiménez: Creio que seria preciso utilizar os instrumentos de investigação das próprias organizações humanitárias da ONU.

El País: A Espanha está na Comissão de Direitos Humanos?
Jiménez: Efetivamente. Estamos trabalhando com nossos parceiros nessa direção. Precisamos saber o que aconteceu, porque não temos informação em campo, não há jornalistas nem ONGs.

El País: A Espanha estaria disposta a dar asilo à família Assad?
Jiménez: É algo que não discutimos ainda. O que me importa é que acabe a repressão e se inicie um diálogo nacional na Síria que garanta a livre convivência em paz.

El País: A Itália retirou seu embaixador em Damasco, o mesmo fizeram Arábia Saudita e outros países do Golfo, mas não a Espanha. Por quê?
Jiménez: Nossos embaixadores têm de continuar informando, fazendo pressão e protegendo nossos cidadãos. Há mais de mil espanhóis na Síria. Enquanto forem úteis, somos partidários em mantê-los por lá, mas estamos abertos a que essa opção seja debatida na UE.

El País: A Espanha recomendou a seus cidadãos que abandonassem a Síria. Pretendem evacuar o país?
Jiménez: Sempre que ocorre uma situação de conflito, se vemos que [os espanhóis] não têm possibilidade de regressar pela via habitual e que existe algum risco para suas vidas, estudamos facilitar meios para que possam fazê-lo.

El País: A intervenção militar na Líbia começou em março com previsão de durar um mês. Há, no entanto, mais de cinco meses que Gaddafi não cede o poder?
Jiménez: A situação era complexa para que pudesse se resolver em um mês. Creio que se trabalhou bem e houve avanços. É questão de tempo que Gaddafi caia e creio que será logo.

El País: O Reino Unido expulsou todos os diplomatas de Gaddafi e pediu ao governo rebelde, o Conselho Nacional de Transição, que nomeie o novo embaixador em Londres. Quando a Espanha dará esse passo?
Jiménez: Praticamente todas as pessoas que estavam na embaixada da Líbia [em Madri] acreditadas pelo governo de Gaddafi já saíram. Agora aguardamos que o CNT nos diga se entre os que ficaram há alguém que possa exercer funções de representação ou qualquer outro que eles designarem.

El País: A Espanha reconhece ao CNT a faculdade de indicar o embaixador da Líbia em Madri?
Jiménez: Sem dúvida. Na última reunião do grupo de contato [em Istambul] reconhecemos o CNT como autoridade governamental e, sendo coerentes, devemos lhe outorgar essa capacidade.

El País: Financiará o CNT com fundos congelados de Gaddafi?
Jiménez: Iniciamos os trâmites com o Ministério da Economia e Fazenda para ver qual seria a melhor fórmula, mas o governo tem toda a disposição para fazê-lo, dentro da legalidade.

El País: A Assembleia da ONU discutirá em setembro o reconhecimento do Estado palestino. A senhora defendeu que a UE adote uma posição consensual. O que vai propor a seus parceiros?
Jiménez: Trabalhamos com a ideia de que o voto seja maioria na União Europeia para que haja um avanço no reconhecimento do Estado palestino, que é um objetivo compartilhado por todos os países dentro da solução para o conflito do Oriente Médio. Inclusive Israel aceita a existência de dois Estados. Esse é o objetivo que estamos buscando há anos e creio que neste momento há um grau de maturidade para dar um passo nessa direção. É verdade que se não houver negociações entre Israel e Palestina é difícil que um reconhecimento formal tenha consequências práticas; portanto, ao mesmo tempo chamamos ao diálogo todas as partes envolvidas para discutir as consequências desse reconhecimento: a capital, os refugiados, as fronteiras, etc...

Existe a sensação de que este é o momento de fazer algo, de dar aos palestinos a esperança de que seu Estado pode ser uma realidade. Sabemos que é um conflito muito prolongado e é muito difícil solucioná-lo em poucos meses, mas este é um momento crucial. Temos de lançar algum sinal, porque caso contrário poderá gerar uma grande frustração para a população palestina. Eles também querem fazer parte dessa expectativa de democracia e liberdade que vive o mundo árabe.

El País: É possível convencer Israel de que o reconhecimento do Estado palestino não é um ato hostil, tampouco o enfraquecerá?
Jiménez: Recorrer à ONU não pode ser um ato de hostilidade contra ninguém. É a organização que de maneira mais ampla e legítima representa a todos. É muito melhor utilizar os instrumentos legais internacionais do que qualquer outra alternativa. Sinceramente, creio que quando a Autoridade Nacional Palestina (ANP) recorre a essa via é pensando no que é melhor para a paz. Assim explicamos muitas vezes às autoridades israelenses e espero que possamos continuar a fazê-lo.

El País: A Espanha tem uma tradição de compromisso com a causa palestina. Será coerente seu voto na ONU com essa política ou se subordinará ao que a UE disser?
Jiménez: O consenso na UE é desejável. Uma posição majoritária na UE seria inclusive mais útil para a própria ANP. Mas temos de conhecer o conteúdo da resolução que será submetida à votação e discuti-la. Isto é algo que a própria ANP compreende.

El País: Seria desejável que a maioria dos países da UE apoiasse na ONU o reconhecimento do Estado palestino?
Jiménez: Há três elementos que todos os parceiros da UE compartilhamos. Um é o reconhecimento dos dois Estados. Outro é a necessidade de dar garantias de segurança a Israel. E um terceiro, a volta às negociações. Tudo o que votarmos terá de reunir essas três condições.

El País: O Fórum Tripartite sobre Gibraltar está suspenso ou definitivamente defunto?
Jiménez: O fórum é um bom instrumento para o que foi criado: abordar questões práticas que afetam a vida cotidiana dos cidadãos da área. Mas o ministro principal de Gibraltar [Peter Caruana] quis levar ao fórum determinadas questões como a soberania e a jurisdição das águas que cercam o Peñón. Para o governo está claro que esses assuntos só são tratados bilateralmente entre o Reino Unido e a Espanha, e portanto decidimos não convocá-lo.

El País: Enquanto Caruana insistir em abordar a soberania das águas...
Jiménez: Não se reunirá o Fórum Tripartite.

El País: A Espanha recebeu o papa como um chefe de Estado estrangeiro ou como um líder religioso?
Jiménez: Recebemos um líder religioso que tem categoria de chefe de Estado, e lhe demos as honras que lhe correspondem.

El País: O governo cedeu em leis que incomodavam a Igreja, como a da liberdade religiosa ou a da morte digna?
Jiménez: Em matéria de liberdades públicas não houve um avanço na história da Espanha mais importante do que o realizado por Zapatero. As leis foram sendo aprovadas na medida em que tivemos o consenso necessário, porque o governo não dispõe de maioria absoluta e deve pactuar com outros grupos. Mesmo assim, o balanço desta etapa é extraordinariamente positivo.

El País: A Igreja também nunca recebeu tanto financiamento.
Jiménez: A Igreja Católica tem na Espanha um papel relevante que nenhum governo deve desconhecer. As relações foram de respeito e diálogo, mas também de estrita separação entre os âmbitos civil e religioso.

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