quarta-feira, 13 de julho de 2011

Venda de tanques para Arábia Saudita põe em xeque política externa alemã

Leopard 2A7+
Um plano secreto para vender tanques para a Arábia Saudita causou um furor dentro da coalizão governante da Alemanha, cujos membros estão exigindo uma explicação. O acordo, que viola a tradição de evitar vendas de armas para áreas de conflito, assinala uma mudança fundamental no comércio de armas alemão. Será que a política externa da chanceler Angela Merkel ainda é confiável?

Guido Westerwelle está acostumado com adversidades. Por anos, o ministro de relações exteriores alemão teve baixo índice de aprovação pública, suas políticas geravam suspeita mesmo entre seus colegas de partido. Westerwelle teve que lutar para ficar no cargo pelo resto deste período legislativo, mas, desde a última terça-feira (12/7), as chances de isso acontecer diminuíram.

Naquele dia, Westerwelle, membro do Partido Democrático Livre (FDP), fez uma visita a seu grupo de trabalho de política externa no parlamento. Deveria ser um encontro entre amigos, mas o ambiente era tudo menos amigável. Os membros do Bundestag, o parlamento alemão, tinham descoberto que o Conselho de Segurança Federal havia aprovado a venda de mais de 200 tanques de modelo 2A7+ para a Arábia Saudita.

Os políticos do FDP queriam respostas. Rainer Stinner, porta-voz do partido para política externa no parlamento, dirigiu-se diretamente a Westerwelle. O Conselho de Segurança deve ter tido razões muito boas para vender tanques para um país como a Arábia Saudita, disse Stinner, e ele gostaria de conhecê-las.

O ministro de relações exteriores, contudo, recusou-se a revelar qualquer informação. As reuniões do Conselho de Segurança Federal são confidenciais, objetou Westerwelle. O ministro de relações exteriores então ofereceu uma breve apresentação de sua posição sobre a situação política no Oriente Médio e voltou a assumir um silêncio bastante revelador.

Não confirmar nem negar nada e esperar que a coisa toda se resolva – foi essa a abordagem do governo alemão ao tentar ignorar a reportagem do “Spiegel” que chocou o país na última segunda-feira. Há dias, Berlim vem discutindo o controverso acordo saudita de bilhões de euros, mas na última segunda-feira a chancelaria emitiu apenas uma orientação para a liderança parlamentar da União Cristã Democrática (CDU) e seu parceiro de coalizão, o FDP: “Desarmar a situação.”

Mudança radical
Esta será uma meta difícil a atingir. O desastre de comunicação sobre a venda dos tanques gerou uma raiva crescente de dentro da coalizão CDU-FDP dirigida aos próprios líderes do partido. Alguns membros do partido reclamam que o governo não consegue manter em segredo nem mesmo os acordos mais confidenciais, enquanto outros estão revoltados com a forma insensível que o gabinete da chanceler da Angela Merkel desrespeitou suas próprias orientações para limitar a proliferação de armas e apoiar o movimento democrático no mundo árabe. “Esse acordo de armas deve ser detido”, declarou o ex-ministro da defesa Volker Rühe, do CDU.

Isso não representa apenas um novo e embaraçoso erro por parte do governo, mas também uma mudança fundamental na política de armamentos da Alemanha. Como as forças armadas do país vão precisar de menos armas, agora que estão mudando de um exército conscrito para uma força integralmente voluntária, o governo está fazendo um esforço concentrado para estimular as exportações de armas. O gabinete alemão está virando um corretor de vendas.

Quando Merkel viaja para a Índia, ela transmite uma imagem de diretora de marketing da Companhia Europeia de Defesa Aeronáutica (Eads). O Conselho de Segurança Federal também assinou uma série de acordos de armas questionáveis.

Há duas semanas, por exemplo, enquanto os ministros davam seu selo de aprovação ao contrato de venda de tanques para a Arábia Saudita, eles aprovaram um segundo contrato, não menos duvidoso, de fornecimento ao regime autoritário da Argélia de fragatas, veículos blindados para transporte de pessoal e sistemas de segurança de fronteira no valor de 10 bilhões de euros (em torno de R$ 21 bilhões).

Em seu desejo de apoiar a indústria de defesa, Merkel está rompendo com uma doutrina tradicional de política externa alemã. O princípio fundamental costumava ser que as armas produzidas na Alemanha não podiam ser entregues a países engajados em conflitos. Agora, o governo está justificando seus acordos com argumentos estratégicos, dizendo que Riad é necessária como força estabilizadora no Oriente Médio.

Contratos similares
O problema, contudo, é que o governo alemão falhou em não informar ao público ou mesmo aos seus próprios membros sobre esta mudança na política de exportação de armamentos. Os membros do CDU e do FDP no parlamento ainda se lembram das palavras dramáticas de Merkel em maio sobre as revoluções árabes: “A Europa tem a obrigação histórica de apoiar as pessoas que estão tomando as ruas no Norte da África e no mundo árabe em nome da liberdade e autodeterminação”, disse a chanceler então.

Os políticos da oposição não são os únicos se perguntando como a venda de tanques se encaixa com essa declaração. Esses modernos tanques “Leopardo” são equipados para combater insurgentes, com pá dianteira e “armas não letais”, como descreve o fabricante. Afinal, nem sempre é necessário matar os manifestantes.

Semanas atrás, o governo saudita ajudou os vizinhos no Bahrein a suprimirem os protestos violentamente. Diante este cenário, Erika Steinbach, porta-voz de direitos humanos do CDU no parlamento, diz que tem grandes dúvidas sobre se seria correto entregar os tanques.

O ex-ministro de defesa Rühe também é da opinião que a Arábia Saudita deveria ser estabilizada “não com tanques alemães, mas somente por meio de reformas drásticas”. A Alemanha “deve tomar cuidado para não se ver novamente do lado errado da história”, acrescenta.

A atual coalizão CDU-FDP não é o primeiro governo alemão a enviar armas para a Arábia Saudita. A coalizão de sociais democratas (SPD) e verdes sob o chanceler Gerhard Schröder aprovou a exportação de 260 milhões de euros em armas para Riad. Contratos de armamentos executados pelo governo subsequente, a coalizão do CDU com o SPD, chegaram a 440 milhões de euros. Em outras palavras, a atual indignação da oposição com este negócio em particular é bastante hipócrita.

Manter a indústria de defesa
Ainda assim, esta mais recente venda supera tudo o que veio antes. Nenhum outro governo assumiu tão declaradamente o papel de representante de vendas para a indústria de defesa alemã. Está muito claro que é do interesse da Alemanha “oferecer aos funcionários da indústria de defesa perspectivas de longo prazo”, diz o especialista em economia Joachim Pfeiffer, o homem que o CDU despachou, em uma medida reveladora, como principal porta-voz no debate parlamentar sobre o contrato dos tanques.

Nem todos os membros da coalizão concordam. Afinal, as diretrizes para exportações de armamentos ainda valem para o atual governo. “Isso não se conforma com as regras”, disse Ruprecht Polenz, diretor do comitê de relações exteriores do Bundestag. “Não podemos entregar armas para áreas de conflito ou países que desrespeitam os direitos humanos”. Os dois fatores, disse Polenz, são “definitivamente” verdadeiros no caso da Arábia Saudita.

Polenz teve o apoio do presidente do Bundestag, Norbert Lammert, e de outros parlamentares do CDU. “Não é certo para nós, como partido democrático cristão, armarmos um país com um governo injusto que está trabalhando contra movimentos de liberdade em países árabes”, disse Erich Fritz, que se especializa em relações exteriores.

Líderes do governo veem a questão de outra forma. É claro que a Arábia Saudita é um parceiro altamente problemático, mas o governo saudita tem um importante papel na mediação do conflito palestino-israelense e é um aliado crucial na luta contra o terrorismo, alegam.

De acordo com o argumento, o mais importante é que o país será necessário no conflito com o Irã. Assim que Teerã tiver uma bomba atômica, terá o poder necessário para atacar estados árabes vizinhos, diz um alto membro do governo alemão, e talvez até Israel, usando as forças armadas convencionais. Os líderes alemães dizem que por isso Tel Aviv não fez objeções ao acordo.

De acordo com esta lógica, a Alemanha está armando pesadamente um lado de uma guerra que se aproxima. Não é de espantar que muitos membros do parlamento estejam preocupados. A Arábia Saudita certamente é uma parceira importante na região, dizem políticos do CDU e FDP, mas isso não explica por que é necessário prover este parceiro com mais de 200 tanques de batalha particularmente desenhados para combater insurgentes.

Promessas vazias
Muitos no CDU e no FDP também veem uma contradição. Eles querem maior abertura e querem saber os argumentos do governo em favor da venda dos tanques. “Não tenho ideia do que devo dizer quando as pessoas em meu distrito eleitoral fizerem perguntas”, diz um parlamentar do FDP.

Merkel e seus ministros, porém, estão reagindo como se eles mesmos estivessem abrigados em tanques, caçando o traidor em suas fileiras que revelou o segredo e escondendo-se por trás da máxima que as reuniões do Conselho de Segurança Federal são confidenciais. Este ponto é verdade, mas não há nada que impeça a chanceler de suspender a política de confidencialidade.

Reforma do conselho
De acordo com Joachim Wieland, professor de direito constitucional na cidade de Speyer, “as decisões do conselho de Segurança e até as discussões por trás delas não são sujeitas ao segredo das deliberações”. O mesmo princípio aplicado aos veredictos da justiça é utilizado, diz Wieland: somente as deliberações e os votos individuais são sujeitos à confidencialidade. “Só é protegido o processo de formação da opinião”, diz ele.

Isso explica por que o governo está sendo atacado por sua estratégia de se manter em silêncio. Hans-Christian Ströbele, membro do Partido Verde do parlamento, pode levar a questão à Corte Constitucional Federal para forçar o governo a divulgar as informações. Wieland acredita Ströbele pode ter sucesso. “A Corte Constitucional Federal determinou nos anos 80 que, em princípio, não há confidencialidade no que concerne o parlamento”, explica o advogado.

A ex-ministra de desenvolvimento Heidemarie Wieczorek-Zeul está contando com isso. Wieczorek-Zeul, do partido de centro-esquerda Social Democrata (SPD), passou 11 anos no Conselho de Segurança Federal e muitas vezes votou contra contratos de exportação. Nesta primavera, introduziu uma moção no Bundestag pedindo que os processos de autorização fossem modificados. “As exportações de armas precisam ser discutidas no parlamento, não por trás de portas fechadas”, diz ela.

Durante seu mandato, o chanceler Gerhard Schröder demonstrou que era possível fazer essas coisas sem ameaçar os interesses alemães. Quando ocorreram os ataques de 11 de setembro de 2001, o Conselho de Segurança Federal reuniu-se na mesma noite. Na manhã seguinte, o chanceler informou ao parlamento que o conselho tinha “adotado medidas adicionais” para proteger o público e que elas envolviam “a segurança do espaço aéreo”, assim como a “proteção de instituições norte-americanas e outras”.

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