quarta-feira, 20 de julho de 2011

Geração da Internet se levanta contra o último ditador da Europa

O fim da era do ditador bielo-russo Alexander Lukashenko parece estar se aproximando, enquanto milhares de pessoas tomam as ruas em Minsk para protestar contra a crise econômica do país. Os manifestantes internautas estão encontrando formas cada vez mais criativas de expressar seu descontentamento, mas Lukashenko está respondendo com violência

Alexander Lukashenko
Três mulheres estão sentadas ao lado de uma casa de câmbio em uma grande loja de departamentos em Minsk, capital da Belarus. Elas estão fazendo palavras cruzadas, esperando que eventualmente surjam dólares ou euros.

“Estamos em uma lista de espera”, diz uma das mulheres. “Há 310 pessoas nela e todas querem trocar seus rublos. Eu entrei na lista em abril. Agora estamos em julho, e devia ser a minha vez. Mas estou sentada aqui há dias, e ninguém aparece para vender dólares.”

Belarus desvalorizou sua moeda em 36% em maio. No mercado negro, onde o rublo não vale muito faz um longo tempo, um euro custa 9.000 rublos –mais do que o dobro do início do ano. As pessoas estão buscando refúgio em moeda –quando conseguem.

Uma crise dramática atingiu o bizarro reino do ditador Alexander Lukashenko. As exportações despencaram, a dívida externa foi às alturas e os preços estão explodindo. Desde a semana passada, falta gasolina nos postos.

As mulheres sentadas ao lado da loja de câmbio em Minsk parecem confirmar todos os preconceitos comuns sobre os 9 milhões de habitantes de Belarus, ou seja, que são plácidos, mesmo quando duramente testados pelo destino, passivos, subservientes à autoridade e completamente apolíticos.

Mas esta imagem está deixando de ser verdade. Até os bielo-russos agora estão experimentando a desobediência civil.

Protestos divertidos
Há semanas, milhares de pessoas vêm tomando as ruas para manifestar sua insatisfação com o regime de Lukashenko, mas o fazem de forma divertida e quase alegre. Elas se reúnem nas praças públicas, quase espontaneamente, andam em grupos pelos parques e subitamente começam a aplaudir e organizar carreatas pacíficas. É a versão bielo-russa das “manifestações relâmpago”.

Lukashenko governou sem ser questionado por 17 anos, durante os quais eliminou a oposição política e a imprensa livre. Aparentemente, contudo, está perdendo a cabeça diante dos protestos das últimas semanas. De fato, ele está tão irado que enche vários ônibus com manifestantes presos quase todos os dias, sem qualquer justificação legal.

Quando as pessoas em Belarus “não estiverem sendo presas às centenas e sim aos milhares, um processo irreversível terá começado”, diz o cientista político ucraniano Vladimir Gorbach. Da mesma forma, o jornal moscovita “Nezavisimaya Gazeta” escreve que “o fim da era Lukashenko” está se aproximando. Após as revoluções na Tunísia, no Egito e na Líbia, estaremos testemunhando o entardecer de um regime que persistiu por tantos anos, espremido entre as democracias do Oeste da Europa e a nova Rússia?

Lukashenko, 56, que foi comissário político de uma fábrica de tanques durante a era soviética e depois diretor de uma fazenda coletiva, foi reeleito presidente em dezembro, mas as eleições aparentemente foram descaradamente fraudadas. Com a ajuda da polícia e de unidades de segurança, ele conseguiu suprimir brutalmente a oposição, que incitou seus partidários a tomarem as ruas depois do fechamento das urnas. Sua tarefa foi facilitada pelo fato de os opositores do regime, que são organizados em grupos muito pequenos e incluem ex-autoridades do governo, estarem internamente divididos e terem pouco apoio da população.

O presidente comprou a aprovação de muitos bielo-russos com generosos aumentos de salário e pensões. O acordo tácito era que as pessoas poderiam apreciar segurança econômica enquanto ficassem de fora da política. Após as eleições, Lukashenko prontamente se vingou dos adversários, sem encontrar resistência do público, ao menos a princípio. Eles foram presos sob a acusação de terem incitado “revolta das massas”. Vários candidatos à presidência da oposição hoje estão presos.

Levante
Na primavera, contudo, ocorreu uma crise econômica. A economia da Belarus, já sofrendo com a alta dos preços de petróleo e gás natural da Rússia, ficou sem dinheiro, e o aumento salarial irresponsável de Lukashenko somente piorou a situação. Como o país importa muito mais do que exporta, sua balança comercial também desmoronou.

O que não aconteceu após as eleições de dezembro está acontecendo agora, meio ano depois: a população está se revoltando. O Instituto Independente de Estudos Políticos e Socioeconômicos, que hoje opera na capital da Lituânia de Vilnius, após ter sido expulso da Belarus, documentou a mudança radical no humor da população com uma pesquisa de opinião detalhada.

A pesquisa conclui que o número de pessoas insatisfeitas com sua situação material triplicou desde março deste ano. Aproximadamente 73% dos bielo-russos reclamam que sua qualidade de vida piorou dramaticamente e quase um em cada dois culpam o presidente por isso. O índice de aprovação de Lukashenko caiu de 55% em dezembro, mês da eleição, para apenas 33% em junho. Quase dois terços de todos os entrevistados disseram que “não é bom para o país” que Lukashenko detenha poder absoluto.

A mudança radical na opinião pública é tão notável porque mostra que a crítica ao ditador atingiu a classe média, que inclui os pequenos e médios empresários. Eles acham o socialismo estatal de Lukashenko desastroso.

Do zero
Este seria um momento ideal para qualquer movimento clássico de oposição. Mas os antigos oponentes do regime ficaram paralisados desde as represálias que ocorreram após as eleições de 19 de dezembro. Agora, um grupo completamente novo tomou seu lugar. Chamado Revolução pelas Redes Sociais, o grupo está constantemente gerando novas ideias e usa a Internet para organizar protestos contra o governo. O grupo conseguiu criar uma espécie de sociedade civil bielo-russa em poucas semanas.

Foi este movimento que estragou para Lukashenko o dia 3 de julho, Dia da Independência. O presidente estava assistindo a parada militar no centro de Minsk, após ter advertido em um discurso que o país poderia cair em “caos e se tornar ingovernável”, quando centenas de manifestantes marcharam pelas ruas em desafio, batendo palmas, após uma convocação pela Internet.

Para permitir que as forças de segurança localizassem rapidamente os ativistas problemáticos, Lukashenko tinha proibido aplausos durante seu discurso, o que tornou a cerimônia oficial um evento estranhamente silencioso.

“Ao menos seja temente a Deus”
Os capangas do presidente ficaram ocupados o dia todo. Um blogueiro chamado “nattuzi_lu” escreveu que foi despertado às 8h30 por alguém batendo forte em sua porta. “Três policiais me mandaram fechar todas as janelas e a porta para a varanda e para não tirar fotos de nada que ocorresse na rua”, disse ele.

Cerca de 400 pessoas foram multadas ou detidas naquele dia, sob a acusação de tomarem parte em “ações de massa não anunciadas”.

Os cenários absurdos se repetiram na quarta-feira (6) da semana passada. Desta vez, os ativistas da Internet tinham pedido aos manifestantes que andassem casualmente de vários bairros de Minsk para o centro da cidade. Horas antes, a polícia e outros membros da segurança já haviam posicionado carros de patrulha atrás dos prédios e isolado as saídas de metrô. Novamente, centenas de manifestantes foram presos, inclusive jornalistas da televisão russa e até cidadãos comuns que caminhavam pelo Parque da Amizade dos Povos. As autoridades tinham isolado preventivamente todas as praças nas cidades das províncias como Gomel, Grodno e Pinsk.

No seu site, o grupo social pediu ao presidente que parasse de dar “ordens criminosas” às suas forças de segurança. “Não apelamos à sua consciência, porque isso você não tem”, escreveram. “Mas ao menos você deveria temer a Deus”.

Na quarta-feira desta semana, a polícia em Minsk voltou a agredir e prender dezenas de manifestantes após outro comício da Revolução pelas Redes Sociais, segundo a Associated Press. O mais recente comício apresentou uma nova técnica dos manifestantes –centenas de pessoas programaram os alarmes dos telefones celulares para tocarem às 20h, “acordando” simbolicamente os bielo-russos para a resistência.

Presidente paranoico
O presidente paranoico acredita que os manifestantes fazem parte de uma “guerra de informação” contra ele e que de fato estão sendo pagos pelo Ocidente. “Eles são o inimigo do povo, a quinta coluna”, disse ele em um discurso na última quinta-feira, antes de virar e fazer uma piada sobre as pessoas que tinham sido presas. “Se a União Europeia quiser levá-los, sem problemas, podemos enviá-los amanhã”, disse ele, acrescentando que os enviaria em um “trem ou até a bordo de um avião –isso seria mais rápido”. Ele disse que também enviaria “aqueles que livremente andam pelas ruas, provocando e vaiando”.

O ex-líder da Alemanha Oriental Erich Honecker disse coisas similares, apesar de talvez não tão cruamente, nos últimos dias da Alemanha Oriental. Os jornais de Minsk hoje lembram os artigos nos jornais de Berlim Oriental no outono de 1989, pouco antes da queda do Muro de Berlim. O aterrador diário oficial de Lukashenko, “Soviet Belarus”, imprime quase diariamente tiradas contra o “Ocidente desumano” e seu modelo democrático fracassado, enquanto ao mesmo tempo pede pela “autossuficiência” e estimula os trabalhadores a aumentarem seus esforços.

Será que Lukashenko conseguirá deter o declínio de sua economia com empréstimos estrangeiros? Seu destino depende da resposta a essa pergunta. A Comunidade Econômica da Eurásia (uma organização composta por Belarus, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Rússia) e a Rússia prometeram fundos, mas a grande vizinha de Belarus ao oriente agora está perdendo a paciência com Lukashenko. Moscou está pedindo grandes concessões em troca de fundos a Minsk. Na semana passada, o diretor da Gazprom, Alexei Miller, ligou para Lukashenko para informar-lhe que pretendia adquirir as ações que restavam da operadora do duto bielo-russo de Beltransgas.

O último ditador da Europa foi popular por um longo tempo, dizem os especialistas russos em Belarus, e ele poderia ter usado esta popularidade para investir em reformas econômicas. Mas agora ele perdeu irrevogavelmente sua oportunidade de transformar seu sistema de forma legítima.

Lukashenko, o menino de aldeia que cresceu sem pai ou mãe e que mais tarde tornou-se totalmente apaixonado pelo poder, está ficando cada vez mais dissociado da realidade, diz seu biógrafo em Moscou Valery Karbalevich. “Ele não sabe mais o que está acontecendo em seu país. E a ignorância produz medo.”

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