sexta-feira, 8 de julho de 2011

Bósnio que pediu condenação da Holanda convive com assassino da mãe dele

Sobreviver a um genocídio costuma acarretar uma obrigação vital: manter viva a lembrança das vítimas e levar os culpados à justiça. O bósnio muçulmano Hasan Nuhanovic, 43 anos, que em 1995 era tradutor dos capacetes azuis holandeses destacados em Srebrenica, dedicou sua maturidade a esse trabalho. Perdeu seu pai e seu irmão menor na cidade bósnia atacada pelas tropas sérvio-bósnias do general Ratko Mladic, e acaba de ganhar sua primeira batalha legal.

Depois de 16 anos órfão e cinco apresentando demandas diante dos tribunais, a Holanda foi declarada responsável pela morte de seus parentes. Suas tropas, embora sob o comando da ONU, os entregaram ao invasor (sua mãe foi assassinada fora da base militar). Hasan conseguiu abrir o caminho, que outras vítimas poderão trilhar, para as indenizações pelo ocorrido.

Em sua terra, a Bósnia, também luta para julgar o assassino de sua mãe. Mas a investigação do assunto não termina em Sarajevo, e ele chegou a uma dolorosa conclusão. Quase duas décadas depois do genocídio, a reconciliação entre sérvios e bósnios ainda parece uma ponte distante demais.


Muçulmanas choram entre urnas fúnebres durante o enterro de 775 vítimas do massacre de Srebrenica recentemente identificadas
El País: Há cinco anos o senhor apresentou na Holanda o caso pela morte de seu pai e seu irmão, que acaba de ganhar. Os assassinos atuaram à luz do dia em Srebrenica. Mas sua mãe foi morta em outra cidade. Como soube quem fez isso?

Hasan Nuhanovic:
Alguns vizinhos sérvios me contaram que viram o culpado cometendo o crime. Todo mundo o conhecia. Era o chefe de polícia sérvio do meu povoado. Hoje trabalha no mesmo edifício onde tenho meu escritório, em Sarajevo. Nos cruzamos diariamente e ninguém faz nada. Indaguei por minha conta, reconstruí os fatos e enviei os dados aos tribunais. Mas só me disseram que estão investigando. Estão assim desde 2006.

El País: O senhor atribui isso a um atraso injustificável, ou é porque as tensões entre as comunidades sérvia e bósnia impedem que os tribunais locais funcionem com normalidade?

Nuhanovic:
Os problemas entre a Bósnia e a República Sprska (entidade sérvia do país balcânico) continuam os mesmos. Não há mais guerra, mas só isso. A parte sérvia da Bósnia nega o genocídio. Os criminosos de guerra continuam impunes e há dezenas de milhares que deveriam ser julgados. Inclusive se os juízes de Sarajevo trabalhassem sem parar levariam anos para resolver os casos. Enquanto não houver vontade política não haverá solução. Veja, os políticos dos diversos grupos étnicos estão envenenando as pessoas. Já vimos isso antes, que o povo se deixa envenenar. Pense na relação dos sérvios quando detiveram Mladic. Para a maioria, ele continuava parecendo um herói.

El País: Visto assim, o que lhe parece o fato de que a comunidade internacional reduza sua presença militar e policial na Bósnia?

Nuhanovic:
Querem partir totalmente. O problema da Bósnia está aberto há muitos anos e parece ter cansado os círculos diplomáticos e de poder. Mas não podemos ficar sós. Teremos problemas. Inclusive poderia haver outra guerra.

El País: E a reconciliação entre sérvios e bósnios, que tanto enfatiza o Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia, entre outros? Ou a entrega por parte da Sérvia de Ratko Mladic para que seja julgado?

Nuhanovic:
A justiça deveria compor um pacote no qual coubesse o castigo do culpado, a indenização às vítimas, o reconhecimento público do que ocorreu e a aceitação de sofrimento. Do Tribunal para a Iugoslávia se recebe uma parte de justiça. Há reconhecimento, mas não compensação. Falta o mais importante: a aceitação. Porque os sérvios negam o que aconteceu.

El País: O senhor trabalha para o Memorial das Vítimas de Srebrenica. Que relação tem com a associação de mães dos 8 mil homens muçulmanos mortos?

Nuhanovic:
O importante é que eram bósnios. Isto é, de uma etnia diferente dos sérvios. As Mães de Srebrenica e eu sofremos a mesma coisa, embora nossa situação seja diferente. Eu me casei e tenho uma filha. Tenho um futuro. Elas perderam tudo. Por isso continuarão indo ao cemitério em Potocari todo 11 de julho. É sua vida e a única coisa que lhes resta.

El País: O senhor chegou a entender por que os capacetes azuis holandeses entregaram os refugiados civis a Mladic?

Nuhanovic:
Não se pode racionalizar o crime. Os soldados holandeses queriam ir para casa e não lhes importava o que acontecesse. Eu levo isto por toda a minha vida, até meus amigos me dizem que pareço Dom Quixote, lutando contra moinhos de vento.

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