terça-feira, 28 de junho de 2011

Uma visita ao laboratório nuclear do Irã

Trabalhador fica na entrada do reator da usina nuclear de Bushehr, na cidade de Bushehr, no Irã; usina foi infectada pelo vírus Stuxnet
Um relatório recente da Organização das Nações Unidas reforça as suspeitas de que o programa nuclear do Irã pode atender a objetivos militares – e de que ele esteja sendo infiltrado e atacado por vírus de computador. Durante uma recente visita de jornalistas de “Der Spiegel” ao polêmico laboratório nuclear de Teerã, os cientistas se recusaram a tecer comentários sobre o progresso que vem sendo feito, mas ficou claro o quanto esta questão é sensível no Irã.

Amir Reza Jalilian, 39, é aquele tipo de indivíduo que todo mundo gostaria de ter como vizinho, colega de trabalho ou guia de uma excursão. Ele é um homem jovial de voz aveludada, que faz piadas e mexe com frequência na sua barba bem cuidada. Ele tem família, adora uma boa comida e tem dificuldade para resistir a doces, um problema que está começando a se fazer sentir nos seus quadris. Todos os que trabalham com ele dizem que Jalilian é sempre solícito e que ele seria incapaz de machucar uma mosca. Sem dúvida a impressão que se tem é que ele não é nenhum Doutor Strangelove, um homem que sentiria prazer em ver o mundo ser destruído por armas nucleares, ou que poderia até mesmo aniquilar a população do planeta ele próprio.

Existe, entretanto, algo de desconcertante que o cientista iraniano real tem em comum com o monstro fictício que o ator Peter Sellers retratou no filme de 1964, "Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb" (lançado com o nome de “Doutor Fantástico” no Brasil), um personagem famoso que passou a ser o símbolo de uma propensão lunática a destruir a humanidade. Jalilian é um dos principais especialistas em uso medicinal de isótopos. Ele trabalha com os elementos químicos que são enriquecidos para a fabricação de combustível para usinas nucleares, mas que também podem ser utilizados como matéria prima de armamentos nucleares.

O centro nervoso do programa nuclear iraniano
Jalilian é de fato aquele tipo de indivíduo que todo mundo gostaria de ter como vizinho, colega de trabalho ou guia de uma excursão, contanto que ele não tenha uma vida dupla, que a sua natureza amigável não seja apenas uma fachada e que não existia nada de dissimulado ou afetado em relação a ele. Jalilian se ofereceu para ser o guia em uma visita da equipe de “Der Spiegel” ao centro nervoso do programa nuclear iraniano, naquele que é um dos locais de trabalho mais bem protegidos em Teerã, e que se encontra cuidadosamente protegidos de olhos curiosos.

Jalilian trabalha na parte norte da cidade, entre duas autoestradas, onde as montanhas são visíveis e o ar é mais puro do que na base repleta de poluição, onde fica a cidade. Nos bairros densamente habitados da capital iraniana, uma cidade de 13 milhões de habitantes, prédios residenciais se alternam com supermercados, restaurantes e creches. O complexo nuclear nas montanhas, que tem o tamanho de quatro estádios de futebol, é provavelmente tão grande quanto o Parque Lale, que, assim como o distrito governamental, fica a apenas alguns minutos de carro dali.

Não há sinais que revelem que é aqui que fica a sede da Organização de Energia Atômica do Irã, que, pelo menos oficialmente, é o cerne de todas as atividades nucleares do país. O complexo é cercado de altas muralhas e arame farpado, e há câmeras de vigilância eletrônica operando nos cantos mais ocultos. Membros da Guarda Revolucionária que são particularmente leais ao regime protegem o local. Todos os visitantes são obrigados a passar por várias barreiras de segurança, incluindo algumas dotadas de contadores Geiger.

Um mundo isolado
Este é um mundo pequeno e isolado, com a sua própria mesquita, restaurantes, lanchonetes e prédios administrativos. E, caso deva-se dar crédito a fontes que se opõem ao regime, o local abriga também laboratórios altamente perigosos. Uma das instalações de pesquisa mais polêmicas do mundo, o reator de pesquisas de Teerã, o reino de Jalilian, fica dentro de uma estrutura que pouco se destaca, encimada por uma cúpula feita de concreto cinzento.

Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) e agências de inteligência estrangeiras acreditam que cientistas iranianos como Jalilian poderiam estar trabalhando na construção do armamento supremo para a liderança política desta teocracia. Vários dos colegas de Jalilian já foram assassinados. Em janeiro de 2010, uma bomba detonada por controle remoto matou o físico nuclear Massoud Ali Mohammadi. Poucos meses depois, os cientistas nucleares Majid Shahriari e Fereidoun Abbasi Davani foram alvos de um ataque duplo, realizados quase que simultaneamente. É quase certo que equipes de assassinos israelenses tenham perpetrado os ataques.

Esse é o aspecto visível do conflito. Mas existe também um aspecto invisível, aquele que envolve ataques contra os equipamentos: a ciberguerra, o ataque por meio de vírus aniquiladores que sabotam as instalações nucleares iranianas. Ambos os ataques são desfechados paralelamente. Ambos estão disseminando medo e assombro nos círculos de poder de Teerã. E ambos estão representando um golpe decisivo contra um possível programa iraniano de armamentos, mas eles podem também ajudar a prevenir uma guerra convencional que provocaria milhares e milhares de mortes.

Oficialmente, todas as três vítimas eram professores. Mohammadi lecionava na Universidade de Teerã. Shahriari, um especialista em transporte de nêutrons, dava aulas na Universidade Shahid Behesthti. Abbasi Davani, o único sobrevivente dos ataques, era um especialista em separação de isótopos. Embora Jalilian não faça parte da lista da ONU de cientistas iranianos impedidos de viajar ao exterior – como por exemplo Mohsen Fakhrizadeh, professor e membro da Guarda Revolucionária, que é suspeito de ser o principal organizador de um programa de armamentos –, o nome dele poderia estar em uma “lista da morte” secreta do Mossad, a agência de espionagem israelense.

Salvando vidas
Quando lhe perguntam se ele tem medo de ser alvo de assassinos, Jalilian responde: “É claro que não”, balançando a cabeça em sinal de negação, enquanto fornece jalecos de laboratório brancos e sapatos de plástico e leva os seus visitantes até um armário pessoal. “Por que é que eu deveria me sentir ameaçado?”, pergunta ele. “Eu só lido com materiais nucleares utilizados na terapia contra o câncer. O objetivo do meu trabalho é salvar vidas, e não destruí-las.”

Conforme ele nos conta durante a visita ao prédio do reator, Jalilian estudou em Teerã, na cidade alemã ocidental de Aachen e nos Estados Unidos. Ele diz que quase um milhão de iranianos em 135 centros de tratamento por radiação em todo o país dependem dos “kits nucleares” - recipientes com isótopos de molibdênio 99 – que são produzidos aqui. Mas este é apenas um dos usos possíveis para esses materiais. O outro é como matéria prima inicial de armas nucleares.

A base que sustenta o reator parece uma piscina de um filme de terror. Raios de luz azuis e sinistros brotam da água escura, produzidos por um fenômeno chamado de radiação Cherenkov, que ocorre quando partículas subatômicas eletricamente carregadas passam pela água à sua volta em alta velocidade. Tubos prateados estão encostados na parede. Um retrato do líder revolucionário iraniano aiatolá Khomeini está pendurado na parede sobre uma mesa de interpretação de testes. O retrato está fora de prumo e empoeirado, como se houvesse coisas mais importantes a fazer do que alinhá-lo e desempoeirá-lo.


Medida para “criar confiança”
De acordo com Jalilian, só “muito raramente” estrangeiros com conhecimento técnico nesta área recebem permissão para entrar nestas instalações. Aparentemente, a liderança política abriu uma exceção em janeiro deste ano, quando o presidente Mahmoud Ahmadinejad, em uma iniciativa que foi classificada de uma “medida para criar confiança”, convidou embaixadores selecionados e reconhecidos pela Agência Internacional de Energia Atômica para visitar a instalação.

Mas o evento, que deveria ser um golpe de relações públicas, acabou se transformando em um embaraço para o regime. Os representantes da Alemanha, da França e de Reino Unido, que são particularmente suspeitosos em relação às ambições nucleares do Irã, não foram convidados – e muito menos qualquer indivíduo dos Estados Unidos.

Ironicamente, se os norte-americanos tivessem sido convidados, eles poderiam ter trazido consigo os velhos projetos do reator. Foram os Estados Unidos que construíram este reator de pesquisas de cinco megawatts, de água leve, concluído em 1967, e os norte-americanos chegaram até mesmo a fornecer ao regime do xá urânio enriquecido a um grau compatível com a produção de armas nucleares.

Em Washington, o fato de que o xá do Irã desejava construir a bomba atômica era um segredo de Polichinelo que não parecia incomodar os políticos norte-americanos da época. Os Estados Unidos viam o monarca Pahlevi como um aliado confiável e não podiam imaginar que a situação algum dia mudaria. Os norte-americanos pararam de enviar varetas de combustível nuclear após a revolução de 1979. A Argentina forneceu esse material a Teerã durante algum tempo, mas quando as sanções da ONU foram impostas devido às táticas de encobertamento utilizadas pelo Irã, Buenos Aires também interrompeu toda a cooperação com os iranianos.

“Tudo é cuidadosamente monitorado aqui no nosso reator”, afirma Jalilian, apontando para câmeras que registram todos os movimentos na área. Detectores também estão instalados por toda parte. Ele acrescenta que a cada três meses os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica visitam estas instalações para conduzir inspeções adicionais. No entanto, o Irã jamais ratificou o protocolo suplementar que permitiria que os inspetores nucleares da ONU fizessem inspeções sem aviso prévio. Além disso, os iranianos foram obrigados a admitir que fizeram experiências com polônio 210, o elemento usado para desencadear uma reação nuclear em uma bomba nuclear.

Os líderes de Teerã também provocaram a comunidade mundial de outras maneiras. Eles passaram bastante tempo negociando um acordo de permuta, segundo o qual grande parte do seu urânio enriquecido seria enviado ao exterior em troca do fornecimento de varetas de combustível nuclear para o reator de Teerã. Mas no final, eles acabaram rejeitando o acordo. O Irã continua a enriquecer urânio, em violação a todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU relativas a este caso. E agora eles não estão mais enriquecendo urânio a um grau de pureza de 3,5% para a produção de varetas de combustível, mas sim a um grau de pureza de quase 20%, um grande passo rumo à produção de material compatível com uma bomba. No entanto, Jalilian insiste que ele e os seus colegas só estão interessados em produzir o material do qual necessitam para reabastecer o seu reator com combustível.

Dificilmente alguém poderia descrever o poder curativo do átomo de forma tão tocante e conveniente quanto Ali Asghar Soltanieh, 60, o embaixador iraniano na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena, durante os últimos seis anos. Soltanieh, que é físico nuclear, está bastante familiarizado com o reator de pesquisas porque foi nele que ele iniciou a sua carreira. Mas o seu problema é que, não importa o quão suave seja a sua abordagem, atualmente ele só consegue apoio de países africanos e asiáticos, bem como dos velhos revolucionários de Cuba e da Venezuela. O grupo conhecido como “cinco mais um” que negocia questões fundamentais com Soltanieh – Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China, mais a Alemanha – está reagindo com crescente irritação às declarações de Soltanieh.

E, desde que o diplomata japonês Yukiya Amano, 63, substituiu o mais conciliador Mohamed El Baradei, 68, de nacionalidade egípcia, como diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica no final de 2009, o tom vem se tornando cada vez mais ríspido. O mais recente relatório da Agência Internacional de Energia Atômica afirma de forma inequívoca que o Irã se recusa a responder a perguntas importantes sobre as “possíveis dimensões militares” do seu programa nuclear.

Amano está exigindo uma maior cooperação de Teerã, que “não está cumprindo diversas obrigações”. Enquanto que as agências de inteligência dos Estados Unidos se tornaram mais cautelosas no que se refere às intenções iranianas, chegando a mencionar uma “falta de evidências de um programa para a construção de uma bomba atômica”, a Agência Internacional de Energia Atômica tem adotado um tom cada vez mais alarmado nos últimos dias. No início de junho, os seus inspetores nucleares relataram que Teerã estaria construindo uma ogiva nuclear.

Ciberataques contra o Irã
Porém, os esforços iranianos encontram-se estagnados em áreas cruciais. Por exemplo, Teerã não tem sido capaz de aumentar significativamente o número das suas centrífugas em operação nem a quantidade de urânio enriquecido que possui. O vírus de computador Stuxnet e a ciberguerra podem muito bem ser as causas desses problemas. David Albright, diretor do respeitado Instituto para Ciência e Segurança Internacional, em Washington, acredita que os autores do ataque “plantaram” os vírus nos sistemas iranianos e, ao fazerem isso, destruíram cerca de mil das 9.000 centrífugas já instaladas. Outros especialistas chegam a especular que o programa eletrônico malicioso tenha destruído um terço das centrífugas iranianas. Acredita-se que israelenses e norte-americanos sejam os responsáveis pelo ataque.

Meïr Dagan, que foi diretor do Mossad durante vários anos, chegou a declarar que o Irã revelou “vulnerabilidades técnicas substanciais” e provavelmente não seria capaz de produzir uma bomba atômica até 2015. Na verdade, todos sabem que a comunidade de inteligência israelenses testou o efeito do Stuxnet em centrífugas de verdade no Deserto de Negev. As centrífugas eram idênticas àquelas utilizadas no reator iraniano de Natanz e que em breve serão instaladas no reator de Qom.

Saeed Jalili, o poderoso secretário do Conselho de Segurança Nacional do Irã e um aliado próximo de Ahmadinejad, admitiu a “Der Spiegel” em meados de janeiro último que o vírus de computador havia infectado as instalações nucleares do Irã, mas ele alegou também que o ataque havia sido “repelido”. Em uma entrevista a um jornalista israelense em meados de abril, o diretor da defesa civil iraniana parecia menos eufórico. Ele mencionou “danos potencialmente grandes” e acusou não só os norte-americanos e os israelenses, mas também a Siemens, a gigante alemã do setor de engenharia, alegando que a companhia sabia que um novo vírus de computador conhecido como “Stars” fora infiltrado no Irã. O vírus teria sido introduzido em várias redes de informática por meio de documentos oficiais e teria provocado inicialmente apenas “danos limitados”.


Vizinhos nervosos
Não se sabe se um ciberataque foi o fator responsável pelos adiamentos seguidos da inauguração do reator nuclear de Bushehr. As autoridades iranianas disseram que os adiamentos foram provocados por bombas mecânicas defeituosas. Os vizinhos do Irã, no entanto, não escondem o fato de que a usina nuclear iraniana os deixa nervosos – não necessariamente devido ao seu alegado uso militar, mas sim por causa da sua localização. Bushehr fica no meio de uma zona conhecida de terremotos, no sudoeste do Irã, e um acidente como aquele ocorrido na usina de Fukushima, no Japão, poderia provocar uma catástrofe que se estenderia para muito além das fronteiras iranianas.

É claro que os cientistas do complexo nuclear ao norte de Teerã estão também familiarizados com os problemas do programa nuclear iraniano, com os ciberataques e com todos os empecilhos. No entanto, nenhum deles se dispõe a tecer comentários sobre o assunto, que é aparentemente muito sensível. Esses cientistas dizem que, nas suas instalações, eles estão lidando com problemas completamente diferentes e mais urgentes. Os pacientes iranianos necessitam de “suprimentos medicinais”, afirma Jalilian, com o seu sorriso persistente. Ele insiste que não é uma pessoa que adora a bomba que mata seres humanos, mas sim um indivíduo que ama a radiação que destrói metástases.

Será que o mundo deveria ser mais magnânimo e ignorar o risco de que parte do material radioativo produzido para fins medicinais no reator de pesquisas do Irã pudesse ser desviado para a produção de um perigoso material com grau de pureza necessário para a fabricação de armamentos nucleares? Deveriam os líderes de Teerã, que, devido às suas políticas nucleares rígidas, já são responsabilizados pelo fato de a ONU ter imposto quatro rodadas de sanções contra o seu povo, concordar com um acordo sobre o urânio enriquecido, até mesmo por razões humanitárias? Seria possível que pacientes com câncer estivessem sendo usados como peões políticos por todas as partes envolvidas neste conflito?

Jalilian não faz comentários sobre tais questões. Mas ele ouviu falar sobre os “absurdos” planos israelenses no sentido de um dia bombardear as instalações nucleares em Natanz, perto de Isfahan e nas imediações de Qom. O reator de pesquisas de Teerã já estaria no topo da lista de alvos potenciais para ataques com mísseis. Durante o almoço no restaurante da usina, Jalilian, que geralmente tem a fala suave, faz uma advertência e sugere que os seus convidados a transmitam ao resto do mundo: “Um ataque militar contra as nossas instalações contaminaria com radiação toda a parte norte de Teerã – todos os edifícios residenciais, lojas e playgrounds. Isso seria um assassinato em massa.”

Um comentário:

  1. o cientista iraniano diz que um ataque as instalacoes nucleares iranianas contaminaria boa parte do territorio iraniano e chama isso de "assassinato em massa",mas nao diz que as retaliacoes do ira tambem iriam destruir instalacoes nucleares dos seus inimigos(e atacantes) e que tambem matariam milhares de pessoas(a maioria soldados dos seus inimigos,eua e israel a frente),seriam capazes de eliminar toda a frota dos eua na regiao,enfim,tambem provocariam muitas mortes e a regiao viraria um inferno para todos.

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