quinta-feira, 12 de maio de 2011

Paquistão cria centros para "desradicalizar" guerrilheiros talebans

Membros do Tehreek-i-Taliban Pakistan (TTP), um movimento paquistanês ligado ao Talibã
Por dois anos, o Taleban aterrorizou o belo Vale de Swat, no norte do Paquistão. Agora que Islamabad retomou o controle, o país está tentando ressocializar aqueles que apoiaram os radicais islâmicos. Nos cursos de “desradicalização”, eles aprendem como podem ser bons muçulmanos, sem matar os não-fiéis.

A mão de Faiz Ali Khan treme ao puxar seu livro de exercícios. O livro está cheio de poemas que o homem de 40 anos compôs e ele lê um em voz alta. É um poema sobre a luz do sol da primavera, liberdade e paz.

Khan é um prisioneiro no “centro de desradicalização” para membros do Taleban, no Vale de Swat do Paquistão. Um homem com barba levemente grisalha, ele usa chapéu pashtun, parte de seu uniforme de prisioneiro. Khan não é particularmente assustador, uma figura longe de imponente, com corpo magro e fraco. Suas pernas doem, diz Khan, e ele não tem caminhado o suficiente nos últimos dias.

Ele está atualmente tendo aulas de computador, onde os presos aprendem a compor um texto, então salvá-lo e imprimi-lo. Isso não é novidade para Khan, que trabalhava como jornalista para um jornal local antes de ser preso, e que também tem diploma de Direito. “Ele é um homem educado”, diz o major Waqas Akbar, que dirige o programa de desradicalização aqui em Gulibagh, no meio do Vale de Swat. O centro é chamado “Rastoon”, que significa “Lugar do Caminho Certo”. Há outros centros aqui no Vale do Swat –outro para homens, um para mulheres e um para adolescentes.

“Remover os pensamentos radicais”
Vários outros presos estão debruçados diante dos computadores na mesma sala, muitos achando a tarefa mais difícil do que Khan, apesar de serem consideravelmente mais jovens –a maioria tem idade entre 20 e 30 anos. Um homem digita vagarosamente no teclado, usando apenas seu dedo indicador, por vários minutos. “Eu amo você, Hassan” é o resultado final na sua tela de computador. Os homens sentados ao lado dele riem quando leem a sentença.

Na sala ao lado, um sargento está explicando o que é um circuito elétrico para um grupo de homens. É um esforço para eles entendê-lo, já que a língua nativa deles é o pashtu, enquanto o exército usa o urdu.

Juntamente com psicólogos, os oficiais aqui passaram meses pesquisando se e como os ajudantes e simpatizantes do Taleban poderiam ser desradicalizados. Eles analisaram programas na Arábia Saudita e no Iêmen, aprenderam sobre a reintegração de radicais de direita na Dinamarca e no Reino Unido e estudaram como aqueles que ajudaram os nazistas durante o Terceiro Reich se tornaram democratas na República Federal da Alemanha.

O resultado é um curso de desradicalização de três meses que está funcionando há um ano. A meta, diz Waqas, é “remover os pensamentos radicais”.

“Nós realizamos intensas entrevistas individuais, um total de seis vezes ao longo de 12 semanas, toda vez por cinco a seis horas”, explica o psicólogo do Exército, Farrukh Akhtar, um homem pequeno e de aspecto simpático. Akhtar também tenta descobrir até onde os prisioneiros foram perpetradores ou vítimas. Akhtar acabou de sair de uma reunião com dois homens presos porque tiveram contato com um terrorista procurado. Um deles até mesmo frequentou um campo de treinamento do Taleban.

“O que você fez lá?” lhe pergunta Akhtar. Enquanto conversa com os homens, ele folheia arquivos contendo tudo o que o exército sabe sobre os prisioneiros. Akhtar opta deliberadamente por não vestir uniforme, não querendo intimidar ainda mais os homens que entrevista, que já estão perturbados.

“Eles me disseram que eu devia ajudar a construir estradas, doutor.”

“Você não sabia que iria cavar trincheiras?”

“Não.”

“Há algo que possa nos dizer que você achou bom durante sua estadia no campo?”

O homem considera a pergunta: “Sim, nós sempre tínhamos algo para comer.”

Uma parte importante do processo de “destalebanização” é o ensino religioso. “Em qualquer religião, há várias formas de interpretar algo. Nós queremos esclarecer algumas coisas aí”, explica o major Waqas. Uma “jihad”, ou “guerra santa”, por exemplo, também pode ser travada com papel e caneta em vez de armas, ele diz.

Mais de 50 homens barbados estão sentados em um salão, ouvindo seu professor, um clérigo. Ele está explicando, demoradamente e gesticulando, o que significa ser um bom muçulmano.

“Um muçulmano devoto respeita os demais seres humanos”, diz o professor.

Os homens concordam com a cabeça.

“Um muçulmano devoto não usa indevidamente a religião para exercer o poder.”

Os homens concordam de novo. O clérigo fala para eles em pashtu, já que é imperativo que eles o entendam.

Projeto vitrine
“Nossos prisioneiros aqui em Gulibagh não são terroristas radicais”, enfatiza o major Waqas. Khan, o poeta, por exemplo, era apenas um bajulador, um peixe pequeno. Ele foi apenas uma das pessoas que se deixaram ser pressionadas pelos extremistas que chegaram ao vale no final de 2007, o ocupando e tomando o poder. Esses extremistas fecharam as escolas para meninas, as lojas de música e os salões de cabeleireiras, instituindo a lei Sharia como o único sistema legal válido.

“Eles foram de casa em casa exigindo obediência”, lembra Khan. Qualquer um que não obedecesse era morto. As pessoas no Vale de Swat ainda mostram vídeos em seus celulares de pessoas enforcadas e execuções sangrentas. “Não havia mais nada a fazer a não ser fazer o que nos obrigavam”, diz Khan em tom acusatório.

Quando o exército iniciou uma operação militar em maio de 2009 para libertar o Vale de Swat, antes um paraíso de férias, mais de 2 milhões de pessoas fugiram da violência. Nem meio ano depois, a região foi considerada libertada. Muitos milhares de pessoas no vale foram presas desde então por suas ligações com o Taleban. “Quase todas elas quiseram participar do programa de desradicalização voluntariamente, já que a liberdade se encontra no outro lado dele”, diz o major Waqas. Aqueles que são soltos recebem visitas dos soldados a cada duas semanas, para checar o andamento de sua ressocialização.

O programa de desradicalização é um projeto vitrine oferecido por um exército que sente que sua luta contra o terrorismo não recebe reconhecimento internacional suficiente. O repertório de todo oficial paquistanês inclui a declaração de que as forças armadas do Paquistão perderam mais soldados na guerra contra o terror desde o 11 de setembro de 2001 do que todos os países aliados somados no Afeganistão.

Três meses de desradicalização
Mesmo assim, o sucesso do exército aqui no Vale de Swat foi manchado pelas acusações de violações de direitos humanos na região. Segundo relatos de alguns moradores locais, os militares agiram brutalmente não apenas contra os terroristas, mas também contra seus familiares – mulheres e crianças – em muitos casos os matando e destruindo suas casas.

Vídeos de soldados espancando pessoas indefesas surgiam regularmente. A Comissão de Direitos Humanos do Paquistão, uma organização independente, relatou execuções extrajudiciais, prisões ilegais, tortura e expulsão. O Human Rights Watch relatou no ano passado que havia “enorme evidência” de que o exército matou mais de 200 simpatizantes do Taleban nos oito meses anteriores.

Os militares refutam essas acusações. “Nenhum exército é inteiramente livre de violações das regras”, diz o coronel Tarique Qadir, da divisão do exército responsável pelo Vale de Swat. “Mas nós investigamos as queixas das pessoas seriamente e disciplinamos os soldados rigorosamente quando necessário.” A palavra do quartel-general do exército em Rawalpindi é que execuções e tortura “não estão entre os instrumentos que empregamos no Vale de Swat”.

Tendo acabado de iniciar seu curso, Faiz Ali Khan tem dois meses e meio de desradicalização à sua frente. Quando for solto, ele precisará caminhar apenas poucas quadras para chegar até sua casa. Khan espera poder trabalhar de novo como jornalista do jornal local – e talvez até mesmo publicar seus poemas, de seu tempo na prisão.

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