terça-feira, 31 de maio de 2011

Mladic é o frio rosto da limpeza étnica

O general que ordenou os piores crimes de guerra cometidos na Europa depois da Segunda Guerra Mundial contou com a proteção da Sérvia e de seus leais

Ratko Mladic
No auge de sua carreira como militar na guerra dos Bálcãs, o general sérvio-bósnio Ratko Mladic supostamente cometeu genocídio. Foi em 1995, e suas vítimas, cerca de 8 mil homens muçulmanos refugiados na localidade bósnia de Srebrenica, caíram atingidos por tiros nas costas.

Em sua segunda vida como fugitivo da justiça internacional, os EUA chegaram a oferecer US$ 5 milhões em 2002 pela pista que levasse a seu esconderijo. Uma trajetória tortuosa para o filho de um líder militar dos sérvios da Bósnia assassinado em 1945. Mas, se a vocação de Mladic estava de certo modo marcada pelo destino paterno, sua trágica marca demorará a se apagar da memória coletiva da Bósnia Herzegovina. Ali, as viúvas ainda não enterraram todos os seus mortos.

Mladic nasceu na Bósnia em 1942, na cidade de Bozinovici, e se criou na Iugoslávia do marechal Tito. Aos 20 anos entrou na academia militar de Belgrado, onde se graduou como o número 1 de sua turma. Licenciado com o grau de segundo-tenente, foi o oficial mais jovem de sua época. Dotado para o comando e muito esperto, em 1989 obteve a chefia do Departamento de Educação do Terceiro Distrito Militar em Skopje, capital da Macedônia.

Em 1991, no início das guerras dos Bálcãs, já era subcomandante do exército iugoslavo. Como tal, comandou as tropas que lutaram contra as forças croatas na cidade de Knin. Situada no oeste da Croácia, a maioria de sua população era sérvia e foi a capital da autoproclamada República Sérvia de Krajina.

Prestes a ser promovido a general, em maio de 1992, Mladic ordenou o sítio de Sarajevo. Tão antiga quanto a própria guerra, a estratégia do cerco se prolongou por 43 meses, causou 12 mil mortos e 50 mil feridos (85% deles civis). Foi o mais sangrento na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. As balas dos franco-atiradores, os atentados em mercados de rua, as bombas lançadas no recinto urbano - e as que ficaram espalhadas, mutilando crianças que brincavam na rua - se sucederam sem trégua na capital bósnia. Com as estrelas de general recém-obtidas, Mladic seria nomeado em 1992 chefe do Estado-Maior do exército sérvio da Bósnia.

Casado com Bosa Mladic, tinha dois filhos, Darko e Ana, e dois netos. Ana Mladic se suicidou em 1994 com a pistola favorita de seu pai, que ele ganhou na academia militar. Embora os relatos sobre sua morte não estejam claros, supõe-se que não conseguiu suportar a pressão da trajetória do pai, considerado um criminoso de guerra pela justiça internacional.

Um ano depois de perder sua filha, Mladic cometeria, supostamente, a pior chacina registrada na Europa desde 1945. Especialista em debilitar o rival, seus homens bombardearam durante cinco dias Srebrenica, localidade sob custódia dos capacetes-azuis holandeses e repleta de refugiados civis. Uma vez dentro da cidade, intimidou e chantageou os soldados holandeses (vários dos quais foram capturados como reféns). O que se seguiu compõe uma das imagens mais perturbadoras da guerra balcânica. Um sorridente Mladic separou os homens entre 12 e 77 anos como "suspeitos de crimes de guerra". Dois dias depois foram assassinados a tiros. Vários vídeos da matança, que foi negada por Belgrado durante anos, apareceram em 2005 e chegaram ao Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPIY).
Mladic estava então havia quase uma década licenciado do exército e viveu na Sérvia sem se esconder até 2001. A queda em desgraça do ex-presidente Slobodan Milosevic, seu principal defensor, o obrigou a refugiar-se em Montenegro.

A partir de então foi protegido por seus leais. Até 2002 recebeu sua pensão de ex-militar e, segundo Carla del Ponte, ex-promotora-chefe do tribunal, o governo sérvio ainda protegia seu esconderijo em 2004.

Em 2009 Belgrado mudou de posição e ofereceu US$ 1 milhão por sua detenção. Paradoxalmente, são desse ano as fitas de vídeo em que ele aparece dançando e bebendo em família. Também é visto em férias de inverno. A gravação causou embaraço no governo sérvio, mas confirmou o ânimo desafiador do velho militar.

Há dez anos, quando ainda não temia ninguém, Mladic esteve no estádio de futebol em Belgrado e assistiu a uma partida entre Iugoslávia e China. Protegido por oito guarda-costas, em sua terra ainda o saudavam como um herói.

Em maio do ano passado o TPIY recebeu seus diários de guerra. Sem ser uma confissão em regra, porque Mladic cuidou muito para não se autoinculpar, compõem uma prova essencial para vários processos abertos. Incluindo o de seu chefe político, o sérvio-bósnio Radovan Karadzic. Em junho os Mladic quiseram declará-lo morto para receber a pensão de viuvez. Ontem ele finalmente apareceu. Continuava vivo na Sérvia.

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