quinta-feira, 12 de maio de 2011

Capturar Bin Laden não era prioridade da CIA, afirma ex-diretor

Em uma entrevista, o ex-diretor de contraterrorismo da Casa Branca, Richard Clarke, fala sobre as tentativas de Washington, durante muito tempo mal sucedidas, de encontrar Bin Laden, dos equívocos cometidos pelos governos Clinton e Bush na busca e sobre como a CIA e a Força Aérea resistiram à ideia de empregar veículos aéreos não tripulados na guerra contra o terrorismo.

Spiegel: Por que a caçada a Bin Laden se arrastou por tanto tempo?
Clarke: Houve quatro fases nos esforços para localizar Osama Bin Laden. Nós tomamos a decisão de que Bin Laden deveria ser preso em 1996. Depois, em 1998, o presidente Bill Clinton autorizou a Agência Central de Inteligência (CIA) a matá-lo. Depois de 11 de setembro de 2001, é claro, houve a tentativa de capturá-lo quando os Estados Unidos invadiram o Afeganistão. A seguir houve um período de busca depois que ele deixou o Afeganistão. Durante a década de 90, a CIA não quis se arriscar colocando o seu próprio pessoal no Afeganistão para procurar Bin Laden.

Spiegel: Mas eles tinham nitidamente a autoridade para procurá-lo.
Clarke: Eles receberam permissão para capturá-lo e matá-lo, mas eles não se empenharam muito. Não se tratava de uma prioridade. Na verdade, eles não queriam fazer tal coisa no nível operacional. Eles estavam claramente mais preocupados com a segurança do seu pessoal.

Spiegel: Isso teria ocorrido por que eles não contavam com os meios para procurá-lo?
Clarke: Eles procuraram Bin Laden usando fontes afegãs, e pagaram grupos afegãos para pegá-lo. Esses grupos afegãos perceberam, é claro, que se algum dia pegassem Bin Laden, correriam riscos – e os seus contratos terminariam, de forma que eles jamais fizeram tentativas realmente sérias. A CIA jamais montou de fato uma operação usando os seus próprios recursos e o seu próprio pessoal, e as forças armadas dos Estados Unidos disseram ao presidente que seria muito arriscado usar as tropas para a tarefa. O Afeganistão é um país sem litoral, e é preciso chegar lá a partir de algum lugar. Para as forças armadas dos Estados Unidos, simplesmente voar até lá para encontrar um único homem era muito difícil – não impossível, mas difícil. As forças armadas norte-americanas não queriam fazer tal coisa porque achavam que fracassariam e que os seus soldados seriam mortos. Quando ocorreu a invasão em outubro de 2001, a liderança militar dos Estados Unidos planejou a invasão de um país, e não a captura de um único indivíduo. Eles realizaram a invasão do país de forma bastante satisfatória, mas capturar Bin Laden não era uma das suas grandes prioridades. É difícil imaginar isso, de forma retrospectiva, mas o presidente Bush não permitiu que a sua equipe da Casa Branca, incluindo eu e outros, se sentasse com os militares antes da invasão e dissesse, “Deixem-nos ver os seus planos, e deixem que vejamos como, especificamente, vocês vão pegar Osama”. Dessa forma, eles deixaram que Bin Laden escapasse entre os seus dedos quando poderiam realmente tê-lo capturado naquele momento.

Spiegel: Depois disso ele fugiu para o Paquistão.
Clarke:
Quando ele atravessou a fronteira do Paquistão no final de 2001, a inteligência dos Estados Unidos perdeu completamente a sua pista e jamais contou de fato com qualquer indicação do seu paradeiro durante quase nove anos.

Spiegel: Então a última chance que eles tiveram de capturar Bin Laden foi em Tora Bora.
Clarke:
Sim. Depois daquilo, ele desapareceu. Ele não falava ao telefone, não usava a Internet. Ele não se encontrava com ninguém, de forma que era impossível saber que um indivíduo “X” teria um encontro com Bin Laden e segui-lo. Os Estados Unidos utilizaram fotografias de satélites, interceptações de rádio, veículos aéreos não tripulados, agentes, espiões, todos os truques que conheciam – mas jamais foram capazes de encontrar qualquer pista até agosto do ano passado.

Spiegel: Em 1998, depois que as embaixadas dos Estados Unidos no Quênia e em Tanzânia foram atingidas, Clinton finalmente tomou uma atitude em relação à ameaça representada por Bin Laden e pela sua rede terrorista Al Qaeda.
Clarke:
Ele autorizou um ataque com mísseis Cruise contra alguns dos campos de treinamento da Al Qaeda, e autorizou também o uso de força letal por parte da CIA para pegar Bin Laden.

Spiegel: Na época, Clinton estava em uma situação difícil em Washington devido ao caso com Monica Lewinsky. Você teria dito que tinha preocupações naquele momento com a possibilidade de que o ataque pudesse gerar críticas de que o presidente estivesse tentando desviar as atenções do seu caso. Como foi que o escândalo afetou a caçada a Bin Laden?
Clarke:
Não afetou em nada. Nós contávamos com informações de que Bin Laden faria uma reunião em um determinado local a determinada hora, e portanto teria feito sentido atacar aquele local naquele momento com mísseis. Nós apresentamos essa opção ao presidente e lhe dissemos, “Veja, senhor presidente, nós sabemos que este não é um bom momento para você devido à investigação parlamentar, e parecerá que existe uma tentativa de desviar as atenções, de forma que você talvez não queira fazer isso”. Ele ficou furioso conosco e disse, “Vocês não têm nada com isso. Tragam-me o assessor de segurança nacional. Vocês acham que devemos fazer isso? Então faremos, e o que está ocorrendo na minha vida política não tem importância”.

Spiegel: Em 2000, você percebeu o potencial dos veículos aéreos não tripulados Predator para a caçada a Bin Laden?
Clarke:
O problema que tínhamos era que queríamos matá-lo, mas jamais soubemos onde ele se encontrava antes de ele se mudar de um determinado local, de forma que sempre sabíamos onde ele estivera no dia anterior. O que se fazia necessário era a capacidade de vê-lo, saber onde ele se encontrava e atacá-lo naquele exato momento. Assim, nós precisávamos de uma capacidade conjunta de reconhecimento e ataque. A única coisa capaz de fazer isso e ficar lá em cima por bastante tempo era um avião não tripulado. Portanto, eu propus que fizéssemos tal coisa, mas a CIA se opôs. Finalmente, nós vencemos a CIA nessa queda de braço e ordenamos a eles que colocassem o veículo aéreo não tripulado no ar em outubro de 2000. Mas naquela época aqueles veículos não transportavam mísseis. Isso só foi planejado três anos depois. Assim, nós fomos obrigados a fazer essa transição rapidamente, de forma que tivéssemos disponível um Predator armado com mísseis até maio de 2001. Mas nem a CIA nem o Pentágono desejavam usar essa arma no Afeganistão.

Spiegel: Por que não?
Clarke:
A CIA disse que o seu papel não era operar aviões armados com mísseis. Eles disseram que esse era um trabalho da Força Aérea. A Força Aérea alegou que o seu papel não era operar aeronaves sem piloto. Eu creio que ambos estavam evitando lidar com aquilo que achavam que seria uma arma potencialmente polêmica e que poderia metê-los em apuros políticos.

Spiegel: Você acredita que a morte de Osama Bin Laden provocará tentativas maciças de retaliação por parte de grupos terroristas como a Al Qaeda?
Clarke:
Segundo informações atuais do governo dos Estados Unidos, não há nada indicando retaliações iminentes – mas a retaliação pode vir em diferentes tamanhos. Indivíduos, pessoas sozinhas que possam estar frustradas, os chamados “lobos solitários”, podem atacar. Se eles forem fazer isso, é de se pensar que o farão relativamente em breve. Os planos mais complexos exigem mais tempo para que sejam concretizados. A questão é a seguinte: se eles de fato têm a capacidade para executar um plano complexo, pelo que então estão esperando? Se eles podem fazer isso depois que Bin Laden foi morto, então por que não fizeram isso antes?

Spiegel: Até que ponto Bin Laden era importante para o movimento terrorista islâmico?
Clarke:
Ele era um símbolo da sua própria causa e da incapacidade dos norte-americanos de pegá-lo. Mas eu não tenho a impressão de que ele estivesse gerenciando uma organização.

Spiegel: Quem você acredita que substituirá Bin Laden?
Clarke:
Essa pergunta parte da suposição de que alguém ocupará o lugar dele, mas isso pode não acontecer. Ayman al-Zawahiri é o seu número dois e é uma escolha óbvia – eu suponho que ele subirá na hierarquia. Ele é egípcio e, de certa forma, é uma figura acadêmica, mas muita gente no movimento aparentemente não gosta dele. O outro é Anwar al-Awlake, da organização Al Qaeda na Península Arábica. Ele é iemenita, é mais jovem, mais dinâmico, parece-se mais com um imame – e está mais próximo do perfil de Bin Laden. Portanto, ele é uma possibilidade.

Spiegel: Com a morte de Bin Laden, a guerra contra o terrorismo acabou?
Clarke:
É claro que não. Os outros grupos – Al Qaeda na Península Arábica, Al Qaeda no Magrebe Islâmico e a Al Shabab (o grupo militante somali) – estão todos ativos. E existem muitas células que são mais ou menos autônomas. Existe todo um movimento ideológico com imames e páginas de Web, de forma que o processo continua.

Spiegel: Você acredita que o público apoiará menos as medidas de segurança que têm como objetivo prevenir o terrorismo, agora que Bin Laden está morto?
Clarke:
A maioria das pessoas entende agora que nós vivemos em um mundo que é vulnerável à ação dos terroristas, e que o problema não residia apenas nesse único sujeito que vivia na sua casa no Paquistão.

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