segunda-feira, 14 de março de 2011

Traduzir a estratégia de guerra no Afeganistão em ação prova ser difícil

Militantes do Talibã
Se o combate liderado pelos Estados Unidos contra o Taleban já foi um esforço para projetar influência em áreas definidas convencionalmente e bem conhecidas –a capital e grandes cidades, estradas principais, a fronteira com o Paquistão e um punhado de vales e cidades proeminentes– hoje ele se tornou algo diferente.

Lentamente, de modo quase imperceptível, as forças armadas americanas se acomodaram em uma campanha por um grande número de aldeias dispersas e áreas das quais poucas pessoas, fora aquelas em seus arredores, ouviram falar.

E em locais como Alam Khel, uma minúscula aldeia na província de Ghazni, as unidades americanas têm implantado sua doutrina de contrainsurreição e regras de guerra para as áreas recém disputadas do Afeganistão rural –enquanto seus oficiais superiores decidem recuar de outras áreas remotas, como os vales de Pech, Qurangal e do Rio Nuristão, que antes eram consideradas prioridades.

Ao fazê-lo, as unidades de infantaria americanas expandiram uma pegada militar sobre trechos de terreno desde o pouco habitado de Helmand e da bacia do Rio Arghandab, até as fronteiras da antiga União Soviética, onde o Taleban antes era fraco.

Dependendo do ponto de vista, essa mudança –que resultou tanto da reconsideração por parte do atual comando militar das decisões dos comandantes anteriores, quanto do aumento de tropas ordenado pelo presidente Barack Obama– é tanto um feito operacional quanto motivo de irritação, até mesmo confusão.

Em uma manhã recente, helicópteros pousaram antes do amanhecer em um campo duro e congelado ao lado desta aldeia. Soldados americanos e afegãos desembarcaram e se aglomeraram contra muros de barro, onde tremiam até o início de suas buscas ao amanhecer.

Nas horas que se seguiram, os jovens entraram em casas, separaram os homens e mulheres locais enquanto buscavam pistas daqueles que plantavam bombas e emboscavam as patrulhas do governo. Eles encontraram pouco além do componente básico da guerra de contraguerrilha afegã: uma procissão de homens que diziam não saber nada sobre o Taleban.

Um diálogo ritualizado resumiu os encontros. Os soldados interrogaram um homem que parecia sinalizar os movimentos deles, ao tocar repetidamente a buzina de sua minivan. Sua mão direita exibia uma tatuagem de espadas cruzadas.

Ao ser perguntado pelo comandante do pelotão americano, o 1º tenente Philip Divinski, sobre qual era o significado da tatuagem, o homem disse que não sabia. “Minha mãe a fez”, ele disse. Então acrescentou: “Quando eu tinha 2 anos”.

O tenente se permitiu soltar um suspiro.

São episódios como este, repetidos inúmeras vezes em patrulhas em locais por onde mais forças americanas se espalharam, que ressaltam a frustração institucionalizada em uma guerra já em sua segunda década. E são episódios como este que registram a mais recente mudança em como é a sensação em solo da campanha de contrainsurreição do Pentágono –em uma nova lista de “terrenos-chave” designados oficialmente, a velha busca por agulhas afegãs e um palheiro.

Oficialmente, o aumento de tropas de Obama no Afeganistão exibe sinais de sucesso, demonstrando tanto a capacidade militar americana quanto a retomada de uma campanha que foi negligenciada por anos.

Mas entre os soldados, há pouco triunfalismo à medida que o plano do governo é executado.

Com a aproximação do degelo da primavera, oficiais e soldados dizem que antecipam outro ano sangrento. E enquanto as chamadas unidades do aumento completam seu serviço, prontas para serem substituídas por novos batalhões, muitos soldados, agora calejados pela experiência afegã, expressam dúvidas a respeito das perspectivas da campanha maior.

As forças armadas americanas contam com efetivo e, até aqui, dinheiro para ocupar o terreno que seus comandantes ordenam ocupar. Mas as perguntas comuns no campo são: E agora? Como o Pentágono pretende traduzir a presença em um sucesso duradouro?

As respostas revelam ampla incerteza. “É possível continuar experimentando todo tipo de tática diferente”, disse um coronel americano de fora desta província. “Nós sabemos como fazer isso. Mas se o nível estratégico não está funcionando, você acaba se perguntando: Quanto isso importa? E como terminará?”

A estratégia é mais ou menos as unidades americanas tentarem diminuir a influência do Taleban sobre áreas importantes, simultaneamente expandindo e orientando as forças do governo afegão, para as quais essas áreas serão entregues com o tempo.

Mas o coronel, um comandante que pediu para que seu nome não fosse citado para protegê-lo de retaliação, se referiu ao que chamou de “grande desconexão” –a lacuna entre os esforços intensos das pequenas unidades americanas na esfera tática e as tendências estratégicas maiores.

O Taleban e os grupos com que colabora permanecem profundamente enraizados; as forças militares e policiais afegãs ainda deixam a desejar e apresentam uma tendência de grande uso de drogas; as fronteiras do país permanecem porosas; o Banco de Cabul, que processa os salários do governo, está repleto de fraudes; e o governo do presidente Hamid Karzai, segundo quase todos os relatos, permanece fraco, corrupto e liderado de modo errático.

Tudo isso se soma à continuidade da fronteira paquistanesa como um refúgio para o Taleban.

Mesmo uma campanha militar bem-sucedida, dizem consistentemente soldados e marines, dificilmente desenrolará este nó de disfunção, muito menos dentro dos prazos discutidos em Washington. O governo Obama espera dar início à retirada das tropas em meses e completá-la em 2014.

“É difícil”, disse um comandante, o capitão Edward Peskie, sobre os problemas. “E é mais complexo do que a maioria das pessoas percebe.”

E se a presença americana diminuir, dizem as tropas, para quem será confiada a segurança do país?

Uma consciência da desconexão não deve ser confundida com pessimismo, ao menos não do tipo que costuma ser expresso. Tanto um senso de pragmatismo de que é possível quanto um ritmo operacional rápido são aparentes em muitas unidades de infantaria, mesmo que o trabalho esteja repleto de dúvidas.

Outro comandante, o tenente-coronel Alan Streeter, lidera um batalhão de infantaria reforçado que chegou recentemente à província de Ghazni para um turno de um ano. “Eu acho que este lugar está longe de seguro”, ele disse sobre os distritos de Andar e Deh Yak, onde sua unidade, o 2º Batalhão da 2ª Divisão de Infantaria, está posicionada. “Mas eu acho que está muito melhor do que estava.”

Com o clima frio, ele planeja que seus soldados se encontrem com os afegãos locais enquanto podem –antes das temperaturas subirem e a vegetação começar a crescer, tornando as condições melhores para o Taleban realizar ataques.

“Eu quero aproveitar esta chance para sair e conversar com as pessoas”, ele disse. “Porque na primavera, nós poderemos estar ocupados lutando.”

Essa determinação é evidente em muitas conversas. Mas de certa forma, a missão do batalhão de Streeter apresenta outra dificuldade do quebra-cabeça do Pentágono, que é matemática.

Seu batalhão reforçado –aproximadamente 1.000 soldados, uma fração pequena, mas significativa, do poderio militar em solo no Afeganistão– foi designado para defender um território com uma população estimada em 150 mil. E ele foi explícito: esses distritos estão longe de seguros.

O Afeganistão conta com uma população de quase 30 milhões de habitantes. Como uma força americana de aproximadamente 100 mil homens pode proteger eles todos? A pergunta tende a provocar olhares perplexos, ou mesmo risos, o que significa –de modo educado e cuidadoso– faça a pergunta para os superiores.

De novo, os generais têm uma resposta. As forças militar e policial afegãs estão crescendo e, em poucos anos, poderão ser três vezes maior do que o tamanho das forças da Otan, eles dizem.

Mas a escalada das projeções numéricas, que crescem a cada ano enquanto os Estados Unidos aprofundam seu envolvimento na guerra, ainda não desfez a reputação das forças afegãs de pouca iniciativa, corrupção, pouca capacitação e dependência de supervisão estrangeira para tudo, das complexidades de ressuprimento até apoio em ações que já deveriam ser rotineiras, como montar guarda.

Muitos oficiais americanos, entra ano sai ano, descrevem uma característica persistente visível para qualquer um que visite quase qualquer unidade por um período prolongado. As unidades afegãs supostamente deveriam estar se preparando para assumir a segurança do país. Mas elas frequentemente não se mostram dispostas a realizar patrulhas independentes, fora viagens de ida e volta entre suas próprias posições, ou ao mercado. Elas continuam sendo apenas uma força de acompanhamento.

Assim, combate após combate, bomba após bomba, muitos soldados cujas vidas estão em risco discutem abertamente como os ganhos de território parecem apenas temporários.

Seus generais designaram várias áreas rurais como sendo “territórios-chave”. Os soldados criam, ao custo de dinheiro e sangue, bolsões de segurança.

Mas quando os americanos chegam a uma nova área, os ataques e bombas improvisadas tipicamente os seguem –tornando as estradas e trilhas mais perigosas para os civis que, sob a atual doutrina de contrainsurreição do Pentágono, os soldados vieram para proteger.

E em alguns casos, as velhas prioridades –como a tomada do Vale Pech– são posteriormente consideradas desnecessárias, mesmo enquanto o mais recente esforço abre terreno.

“Nós criamos pequenas bolhas de segurança”, disse o sargento Paul Meacham, um líder de pelotão do 3º Batalhão, 187ª Divisão de Infantaria, a unidade posicionada em Alam Khel, após uma de suas últimas patrulhas antes de retornar aos Estados Unidos no mês passado. “Mas são pequenas bolhas que são fáceis de atacar e infiltrar.”

Após um momento de reflexão, ele disse: “Eu acho que pode funcionar. Mas levará muito tempo”.

Ao ser perguntado quanto tempo, a resposta do sargento foi imediata: “Essas pessoas”, ele disse, apontando para os aldeões próximos, “pensam em décadas”.

Essa desconexão –entre quanto tempo pode ser necessário para refazer o Afeganistão, e o prazo político ávido em declarar a missão cumprida– paira sobre o que quase todos concordam que será uma temporada de combates sangrentos à frente.

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