domingo, 23 de janeiro de 2011

Suíça avalia o futuro papel dos bunkers nos Alpes

Guarda permanece na entrada de um antigo bunker militar que agora é o
local de proteção de um data center, na Suíça, no dia 14 de janeiro
A montanha não parecia certa. De perto, sua face rochosa era o que denunciava, com sua pintura de camuflagem desbotada que parecia não retocada desde a Guerra Fria. A guarda também parecia fora de lugar, montando sentinela em seus uniformes pretos em meio a uma clareira tranquila, perto deste resort de esqui suíço mais conhecido por seus bilionários.

A estranheza estava apenas começando. O guarda apertou alguns poucos botões e um alçapão desgastado na montanha se abriu. Dentro, no final de um corredor parecido com uma caverna estreita, havia uma segunda porta espessa que levava a mais outra porta, esta de 3,5 toneladas e parecendo como se guardasse um cofre de banco.

“Se você colocar sua mão aqui, você poderá sentir o ar saindo”, disse Christoph Oschwald, colocando a palma de sua mão sobre uma fresta na escotilha fechada, “de modo que nenhum ataque com gás ou algo assim é possível”.

Oschwald estava guiando uma visita ao que chama de Swiss Fort Knox (Forte Knox Suíço), um dos dois bunkers militares nos Alpes, que as empresas dirigidas por Oschwald e seu sócio, Hanspeter Baumann, arrendaram das forças armadas suíças. Onde antes os oficiais preparavam a defesa de seu país, Oschwald e Baumann agora alegam operar algumas das fazendas de servidores de computador mais seguras do mundo, protegendo os terabytes tanto de multinacionais quanto de indivíduos.

Quem dera as forças armadas pudessem encontrar mais inquilinos como Oschwald.

A um custo de dezenas de milhões de dólares por ano, elas mantêm um sistema de aproximadamente 26 mil bunkers e fortificações por todos os Alpes Suíços, que visam deter os exércitos agressores. Mas hoje, como um país neutro sem ameaças imediatas às suas fronteiras, a suíça está passando por uma autoanálise prolongada a respeito do papel de suas forças armadas, incluindo a necessidade de um sistema de bunkers. No ano passado, o ministro da Defesa, Ueli Maurer, causou alvoroço ao sugerir que era hora de “um debate honesto” sobre o fechamento da maioria dos bunkers ou sua conversão para outras finalidades.

“Nossa posição é de que enquanto a Suíça estiver engajada fora do país, está fora de questão o enfraquecimento do sistema de defesa de nosso país”, disse Ulrich Schluer, um membro da comissão parlamentar de política de segurança pelo Partido do Povo Suíço de direita.

Pode parecer excentricidade, mas os bunkers e outras fortalezas ocupam um lugar especial na história suíça. O primeiro foi iniciado em 1885, no estratégico Passo de São Gotardo, para desencorajar o uso pelos exércitos invasores da nova rota ferroviária pelos Alpes, disse Jurg Stussi-Lauterburg, um historiador suíço.

Na Segunda Guerra Mundial, com o temor pela Suíça de uma invasão pela Alemanha Nazista, a Suíça desenvolveu a estratégia Reduit, ou fortificação: as forças suíças se fortificaram nas montanhas e em duas conexões ferroviárias no sul, que eram cruciais para o envio pelos nazistas de carvão e aço para seus aliados italianos. A mensagem era simples, disse Stussi-Lauterburg: “Assim que vocês nos atacarem, as linhas serão cortadas, então vocês terão que lutar por elas, e nós as defenderemos e no final nós as destruiremos”.

A dissuasão ajudou, ele acrescentou. Apesar dos nazistas terem elaborado planos para invadir a Suíça em 1940 e 1943, eles nunca os colocarão em ação.

Durante a Guerra Fria, os bunkers, contendo de tudo, de armamento antiaéreo até postos de comando, foram mantidos e modernizados, e outros mais foram construídos, frequentemente com esforços extraordinários de ocultação. Hoje, é difícil um visitante sair para uma caminhada sem passar por uma porta curiosa na encosta da montanha, que parece um acesso à Batcaverna, ou um falso chalé suíço, com persianas trompe l’oeil.

Mas os tempos mudaram.

“Eles são inúteis”, disse Christian Catrina, chefe de política de segurança do Departamento de Defesa, Proteção Civil e Esportes federal, em uma entrevista. “Eles são inúteis e gastam dinheiro.”

Na verdade, o governo está desativando os bunkers há vários anos; hoje, ex-bunkers abrigam coisas como museus e um “hotel zero estrela” na cidade de Sevelen. Mas agora os militares esperam acelerar o processo.

“É melhor nos livrarmos deles hoje do que amanhã; na maioria dos casos, ficaríamos felizes se alguém ficasse com eles de graça”, disse Catrina. “Mas isso é impossível, porque há regulamentações ambientais. Não dá para simplesmente fechar a porta e jogar a chave fora.”

Fechá-los seria caro –US$ 1 bilhão ou mais, estimou Maurer– o que ultrapassa em muito os milhões necessários anualmente para mantê-los.

Para muitos conservadores e suíços mais velhos, os bunkers são um símbolo da determinação de seu país de permanecer independente e neutro.

“As fortificações são muito importantes psicologicamente”, disse Kurt Spillmann, um especialista em política de segurança suíça do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Zurique.

De volta às montanhas de Gstaad, Oschwald, um simpático ex-oficial das forças especiais da força aérea de 54 anos, guiava o visitante por uma visita ao tipo de reciclagem que o ministro da Defesa aprovaria: um bunker subterrâneo resistente a um ataque nuclear, no qual as empresas de Oschwald gastaram milhões reformando para servir como uma fazenda de servidores protegida. Ela foi aberta em 1996.

Suas empresas também alugaram parte de um segundo bunker, que ele disse ser completamente protegido de pulsos eletromagnéticos que poderiam causar um caos nos servidores. Ele abriu em 2003, mas como ainda é de propriedade das forças armadas suíças, ele permanece fora dos limites para jornalistas que fazem anotações, entre outros.

Oschwald apontou para a rede de canos isolados que fazem uso de uma piscina subterrânea de água glacial, que fornece o resfriamento crucial para os servidores. Ele parou em uma sala com uma máquina imensa, que realiza a filtragem do ar.

“Isto é uma versão gigante de uma máscara de gás –contra ataque atômico, biológico, químico”, ele disse.

Enquanto a visita prosseguia, os ecos dos passos de Oschwald nos corredores frios de pedra poderiam servir como trilha sonora para a própria Guerra Fria.

“Muita gente diz que eles parecem coisas de filme de James Bond”, ele disse.

Em outra sala atrás de uma porta trancada, ficam quatro cofres imensos. Em um deles –“Eu não vou dizer em qual”, ele disse– está o “genoma digital”, uma espécie de Pedra de Rosetta criada por vários acadêmicos europeus para que futuras gerações possam ler dados armazenados em formatos obsoletos, como disquetes floppy.

E, é claro, atrás de outras portas trancadas estão corredores de servidores de computador, piscando silenciosamente.

Um punhado de uns e zeros realmente merece a proteção de um bunker nuclear?

“Informação –dados– é tudo atualmente”, respondeu Oschwald, e não apenas para empresas.

Um bilionário casado mantém sua “pequena lista negra” eletrônica nos servidores do Swiss Fort Knox, disse Oschwald. Se alguma mulher colocar as mãos naquela lista, ele apontou, isso poderia custar a ele milhões.

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