As manifestações continuaram no Egito na quinta-feira (27/1), no mesmo dia que chegaria ao Cairo o líder defensor das reformas Mohamed ElBaradei. Com a inquietação se espalhando da Tunísia para o Egito, a imprensa alemã se pergunta se o mundo árabe está passando por uma transformação similar à do bloco soviético em 1989.
O Egito entrou em mais um dia de perturbação na quinta-feira, com pedidos para o fim do regime autoritário do presidente Hosni Mubarak.
Os protestos contra o regime começaram na terça-feira e deixaram pelo menos quatro mortos e cerca de 1.000 pessoas presas. A ira popular contra Mubarak, que governa o país há três décadas, foi inflamada pelos eventos na vizinha Tunísia, quando seu presidente foi forçado a fugir, há duas semanas, após quase um mês de protestos.
Na manhã de quinta-feira, manifestantes atearam fogo a uma delegacia de polícia na cidade de Suez, no Leste. A Reuters informou que os policiais fugiram do prédio antes dos manifestantes lançarem as bombas de petróleo. Os manifestantes depois se reuniram diante de outra delegacia, exigindo a libertação de seus parentes presos desde o início dos confrontos.
Um agente de segurança egípcio confirmou à Agence France Presse na quinta-feira que “ao menos 1.000 pessoas foram presas em todo o país desde o início das manifestações”. A polícia usou gás lacrimogêneo e tiros de borracha contra os manifestantes, que reagiram com pedras. Também há relatos que o Twitter e Facebook foram bloqueados. Como na Tunísia, os sites de redes sociais serviram para informar o mundo externo dos eventos internos e ajudaram a organizar os protestos.
As manifestações, que começaram na terça-feira, são as mais significativas desde os confrontos que abalaram o país em 1977. O Egito, como a vizinha Tunísia, tem um enorme problema com o desemprego entre os jovens. Dois terços da população têm menos de 30 anos e compõem 90% dos desempregados.
ElBaradei se dirige ao Egito
O maior defensor das reformas e prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei deve aterrissar no Egito na quinta-feira para participar do grande protesto contra o governo na sexta-feira, final de semana egípcio. ElBaradei, que foi diretor da organização de fiscalização nuclear da ONU, a Aiea, lançou uma campanha pela mudança no ano passado e pode se tornar uma figura chave do movimento de protesto. “Defendo qualquer demanda pacífica por mudança. Meu pedido de reformas não foi ouvido pelo regime, o que deixa as ruas como única opção”, disse ele ao “Spiegel” em uma entrevista publicada nesta semana. “São pessoas jovens e impacientes que estão demonstrando sua resolução, e espero fortemente que os protestos não fujam ao controle.”
Contudo, o influente grupo islâmico Fraternidade Muçulmana também está à espreita, com uma forte base de apoio no mundo árabe. É o maior grupo de oposição no país e sustenta uma ampla rede de obras de caridade islâmicas, que conquistou o apoio entre os pobres.
O presidente Mubarak manteve o silêncio desde o início dos protestos na terça, mas seu ministro do interior, Habib Al Adli, menosprezou as manifestações, dizendo: “Somos uma grande nação, e o governo conta com apoio popular. O futuro desta nação será decidido por milhões de pessoas, não por manifestações, mesmo que tenham milhares de pessoas.”
Os EUA estão tentando estimular Mubarak, importante aliado na região, a implementar as reformas. “Acreditamos fortemente que o governo egípcio tem uma oportunidade importante neste momento para implementar reformas políticas, econômicas e sociais, de maneira à responder as necessidades legítimas e interesses do povo egípcio”, disse a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, nesta semana. Apesar dos EUA terem estimulado o Cairo a implementar reformas por anos, também toleraram abusos de direitos humanos e outros, devido à importância estratégica do país na região, particularmente seu papel como intermediário do conflito entre Israel e a Palestina. No ano passado, o Egito recebeu mais de US$ 1,5 bilhão (em torno de R$ 2,5 bilhões) dos EUA em apoio econômico e assistência militar.
A imprensa alemã na quinta-feira observou os eventos no Egito e alguns editoriais se perguntaram se os eventos ali e na Tunísia não anunciavam uma mudança no mundo árabe similar à vivenciada pelo bloco soviético em 1989.
O “Die Tageszeitung”, de esquerda, escreve:
“O destino de Mubarak, 82, que está no poder há quase 30 anos, não será decidido apenas nas ruas, mas também pela Casa Branca... o Egito é o mais importante aliado norte-americano na região, depois de Israel. Os representantes do governo em Washington praticamente têm um assento no gabinete do Cairo. O fator decisivo será o que está sendo discutido atrás das cenas, não os anúncios oficiais de Washington.”
“Há três meses, o presidente egípcio teve muitas oportunidades de introduzir uma nova abertura política. Isso teria levado a um parlamento no qual todas as forças mais importantes do país –desde a oposição secular até a Fraternidade Muçulmana- teriam sido representadas. Isso, por sua vez, teria garantido mais de um candidato nas próximas eleições presidenciais.”
“Seria, contudo, o início do fim do regime. Sabe-se que Mubarak preferiu outra opção. Mas a era da paralisia no Egito, de falta de cultura de mudança política por meio século, terminou na terça-feira.”
O conservador “Die Welt”, escreve:
“Muitos especialistas assumiram que os amplos aparatos de segurança em países como Síria e Egito eram insuperáveis. Mas os especialistas ocidentais disseram o mesmo sobre o bloco comunista oriental no final dos anos 80. Quase ninguém entendeu, na época, como esses regimes estavam de fato enfraquecidos internamente. Nem quão facilmente cairiam quando os cidadãos aprendessem a superar seus medos.”
“Desde a queda do Muro de Berlim, nenhuma região se mostrou tão resistente à mudança democrática quanto (o Oriente Médio). Em nenhum lugar houve tanta estagnação política, cultural e da sociedade. O que agora estamos testemunhando, contudo, não são as temidas ‘Ruas Árabes’, mas pessoas como você e eu, que não veem porque seus ditadores deveriam negar-lhes o direito à ‘vida, liberdade e a busca da felicidade’, como estipula a Declaração de Independência americana. Ainda não se sabe se esses esforços terão sucesso, mas quem procura um caminho para a liberdade e democracia merece nosso respeito –e nosso apoio”.
O jornal de esquerda “Berliner Zeitung” escreve:
“O Egito há muito é visto como um barril de pólvora. Os islâmicos não têm um papel social ou político forte na Tunísia, mas no Egito eles são a maior força de oposição. Eles controlam importantes posições econômicas e operam uma intrincada rede de instituições de caridade, que os torna populares entre os setores mais pobres da sociedade. É difícil imaginar uma oposição unida como essa na Tunísia. Além disso, o Egito tem o exército mais forte da região, é uma potência regional e um importante pilar da política americana para o Oriente Médio. O regime no Cairo depende do apoio financeiro dos EUA, que vão promover a democratização, se isso prometer mais estabilidade do que o atual regime de Mubarak.”
“Assim como a greve dos estivadores em Gdansk em 1980 levou à fundação do Solidariedade e o início de um processo que culminou na queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, também a revolução da Tunísia poderá, em uma década, ser considerada um sinal da emancipação do mundo árabe de governos autocráticos. Essa é a hipótese otimista.”
“A alternativa: movimentos islâmicos se aproveitam da ossificação dos regimes e da paralisia da sociedade.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário