É a investigação final. Aquela que pode estabelecer a verdade sobre uma tragédia jamais esclarecida em dezesseis anos, ou senão mais uma vez colidir com as razões de Estado. Por mais espantoso que pareça, nunca nenhuma investigação material foi conduzida pela Justiça sobre a queda do avião do presidente ruandês que, no dia 6 de abril de 1994, desencadeou o genocídio que vitimou 800 mil pessoas, tutsis e hutus moderados.
Pela primeira vez, um juiz de instrução francês acaba de passar uma semana em Kigali acompanhado de uma equipe de peritos e advogados, para tentar esclarecer a questão dos mísseis que, ao abaterem o Falcon 50 do presidente Juvénal Habyarimana, mergulharam Ruanda no horror.
Quem atirou? Os extremistas hutus contrários à divisão do poder com os tutsis aceita pelo presidente Habyarimana? É a teoria do regime atual do presidente Paul Kagamé, dominado pelos tutsis. Ou soldados agindo sob ordens deste último que, à frente de um exército rebelde, buscavam tomar o poder, como concluiu o juiz francês Jean-Louis Bruguière em 2006, provocando a ruptura por Kigali das relações diplomáticas com Paris?
Cada uma dessas hipóteses remete a um local de tiro: o campo militar de Kanombe mantido pelas Forças Armadas Ruandesas (FAR, leais ao regime), que atestaria a culpabilidade do regime Habyarimana, ou a colina de Masaka, onde elementos da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) de Paul Kagamé teriam se infiltrado, segundo investigação do juiz Bruguière.
“A verdade virá da balística”, afirma um dos protagonistas desse caso que, há dezesseis anos, vem envenenando o clima entre Paris e Kigali. Essa verdade não interessa somente às famílias das vítimas francesas do acidente, que prestaram queixa. A culpabilidade do lado de Kagamé, sem fazer do atual presidente o responsável pelo genocídio – que possui raízes antigas e foi organizado pelos seus adversários - , significaria que o chefe do Estado assumiu o risco de um massacre de seu povo, para tomar o poder.
A passagem por Ruanda do juiz parisiense Marc Trévidic, de 11 a 18 de setembro, marca no mínimo uma reviravolta nessa investigação. Seu predecessor, o juiz Bruguière, encarregado em 1998 da investigação aberta sobre a queixa das vítimas francesas do acidente, nunca foi até o local. Seus partidários alegam que foi temor por sua segurança e convicção de uma obstrução por parte das autoridades ruandesas atuais. Seus detratores retrucam que foram acusações preconcebidas a Kagamé para atenuar a responsabilidade da França, que apoiava Habyarimana.
Baseando suas acusações sobre testemunhos convergentes, o juiz Bruguière acreditava poder dispensar investigações em território ruandês. Mas várias de suas testemunhas voltaram atrás, tornando mais necessário do que nunca colher provas materiais. Paralelamente, o restabelecimento das relações franco-ruandesas no fim de 2009 tornou possível ir até o local, algo impensável em época de congelamento diplomático.
Herdeiro de um passado igualmente pesado, o juiz Trévidic não tem direito de errar. Ele tentou que suas investigações em Kigali, efetuadas sob o olhar da justiça ruandesa como exige a lei, fossem incontestáveis. Ele efetuou sua visita na presença de um advogado das partes civis francesas e de dois defensores dos ruandeses acusados. A fim de atenuar o risco de uma futura “briga de peritos”, ele também aceitou a presença ao seu lado de peritos militares britânicos.
Em 2009, estes últimos, em um relatório encomendado pelas autoridades ruandesas, confirmaram a teoria de Kigali que incriminava os extremistas hutus. Segundo eles, as provas materiais não estão “mais disponíveis”. Mas seu trabalho é controverso, pois testemunhos que contradizem a versão governamental simplesmente não lhe foram comunicados.
Para descobrir a verdade, o magistrado francês foi acompanhado de cinco especialistas, todos civis: um agrimensor, um cartógrafo, um especialista em mísseis e um outro em explosivos, bem como um instrutor especializado em pilotagem de Falcon 50, o avião em questão.
Quando anoiteceu – o momento da tragédia - , esse areópago, escoltado por militares e acompanhados de altos magistrados ruandeses, se dirigiu até as duas possíveis zonas de tiro. “Nós esperamos anoitecer para ver os aviões passarem e verificar as hipóteses, sobretudo estudando a propagação dos sons. Nós levamos as testemunhas da época até os locais e lhes interrogamos para confrontar suas declarações com a realidade da área”, conta um dos atores dessa reconstituição. Diversos registros de GPS e fotográficos devem permitir aos especialistas reconstituírem em um programa 3D a trajetória do Falcon 50 presidencial.
Crucial mas ainda desconhecida, a posição do avião no momento em que foi atingido por dois mísseis deve finalmente ser determinada. Ela será cruzada com a localização dos destroços ainda presentes no local, a fim de deduzir o local dos tiros.
Paralelamente, a posição do avião no momento do impacto deverá permitir identificar o tipo de míssil utilizado. Essa informação, por sua vez, pode ajudar a identificar o campo do atirador e a determinar se este último era ou não um profissional. “Não é fácil abater um avião em voo”, afirma uma pessoa próxima do inquérito.
A expedição até o local já permitiu desqualificar certas testemunhas: o lugar onde elas diziam estar situadas não permite distinguir fisicamente as duas possíveis zonas de tiro.
A observação de um campo lodoso de papiro e infestado de serpentes fragilizou o testemunho daquele que dizia ter se escondido ali. Mas é o cruzamento das conclusões científicas com os testemunhos que deverá permitir eliminar definitivamente certas hipóteses.
“Os especialistas não dirão quem deu o golpe”, diz uma fonte informada. “Mas eles determinarão os cenários mais prováveis”. Seu relatório é esperado para março de 2011.
A equação do acidente que desencadeou o genocídio ruandês provavelmente não será totalmente resolvida, mas várias de suas inúmeras incógnitas finalmente serão descobertas.
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