Barack Obama, Dmitri Medvedev, Anders Fogh Rasmussen, Angela Merkel, José Luis Rodríguez Zapatero... todos os dirigentes que participaram no sábado da cúpula Otan-Rússia em Lisboa rivalizaram em elogios ao resultado da reunião e salientaram em uníssono o caráter histórico de um encontro que "não só enterra os fantasmas do passado, como os exorciza", nas palavras do secretário-geral da aliança ocidental. O presidente americano falou da Rússia como de "um parceiro, não um adversário" da Otan, e o próprio presidente russo disse: "Agora olhamos para o futuro com otimismo". Entre outros resultados da cúpula, está a aceitação russa de analisar os planos aliados para a construção de um escudo antimísseis. Moscou apresentará suas conclusões dessa análise conjunta em junho próximo.
A Otan, que aprovou em Lisboa um conceito estratégico para os próximos dez anos adaptado aos desafios do século 21, pretende dotar-se de um escudo antimísseis para defender a totalidade do território europeu e sua população. O conceito propõe convidar a Rússia a participar do projeto. No próprio sábado os 28 fizeram esse convite ao presidente Medvedev, que o aceitou. "Devemos esclarecer em que consiste, e os europeus devem esclarecer suas ideias", declarou Medvedev em entrevista coletiva. "Nos guiará o princípio de que a participação seja em pé de igualdade. A porta está aberta para discussão, e o resultado deve ser aceitável para que possamos continuar discutindo."
O embaixador russo na Otan, Dmitri Rogozin, explicou que russos e aliados vão criar um grupo de trabalho sobre o projeto e devem apresentar suas conclusões na reunião de ministros da Defesa prevista para junho de 2011.
"Vemos a Rússia como um parceiro e não como um adversário", disse Obama, ao anunciar que as duas partes vão "cooperar em defesa antimísseis". No plano doméstico, o presidente americano pediu aos republicanos do Senado que ratifiquem o novo tratado de redução de armas estratégicas (Start) para não pôr a perder o novo clima de entendimento com a Rússia. "Seria um grave erro voltar a cair na desconfiança porque não seja ratificado" [o Start], acrescentou.
Um eufórico Rasmussen explicou que "a partir de hoje começamos a colaborar" e se projetou ao futuro: "Poderíamos cooperar para derrubar um míssil que vem". Sua conclusão é que "pela primeira vez na história a Otan e a Rússia vão colaborar para se defender".
O extraordinário clima de entendimento criado no sábado às margens do Tejo não esquece as contas pendentes (entre elas a invasão russa da Geórgia), mas Medvedev disse que nem esse nem outros desentendimentos vão atravessar a relação.
Rasmussen notou que na revisão conjunta de ameaças (terrorismo, narcotráfico, pirataria, proliferação balística, armas de destruição em massa), "o principal é que a outra parte não esteja na lista". Na cúpula, Medvedev concordou em reforçar o esforço aliado no Afeganistão, permitindo a saída pela Rússia de material aliado do Afeganistão, além da entrada; aceitando o transporte de equipamento militar não letal, como blindados para o transporte de tropas; oferecendo helicópteros a Cabul e potencializando a formação de instrutores no combate às drogas.
Antes, os aliados reunidos com os líderes de outros dez países que participam da Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf na sigla em inglês) e o presidente afegão, Hamid Karzai, deram sua aprovação ao início, na primavera de 2011, de uma transição no Afeganistão que deverá terminar no final de 2014 com as forças afegãs assumindo a segurança de todo o país.
A retirada militar atende aos desejos expressos há exatamente um ano em Londres por Karzai. Apesar da definição de 2014 como meta, Rasmussen insistiu em que se trata de um processo não movido por calendário, mas condicionado pela capacidade dos afegãos de assumir as devidas responsabilidades. "Não vejo a Isaf em combate depois de 2014 se a situação nos permite passar trabalhos de apoio", indicou o secretário-geral. Obama também se referiu à condicionalidade e adiantou que além de 2014 os EUA "manterão mobilizada sua capacidade antiterrorista até ter certeza de que a Al Qaeda não é uma ameaça".
A ideia é que os atuais 150 mil soldados estrangeiros no Afeganistão fiquem reduzidos a cerca de 50 mil em missões de segundo plano. "A Otan está envolvida em longo prazo", salientou Rasmussen. "Se os taleban ou seja quem for acreditar que vamos sair, terão uma surpresa. Ficaremos até terminar o trabalho."
Terminar o trabalho representa que o país possa valer-se por si mesmo, para o que no sábado Karzai e Rasmussen assinaram um acordo genérico de associação em longo prazo entre a Otan e o Afeganistão para depois de 2014.
Questionados os responsáveis aliados sobre a realidade de marcar 2014 como limite, quando os problemas no Afeganistão continuam sendo prementes, responderam que são movidos ao otimismo pela capacitação das forças afegãs, que em outubro de 2011 deverão contar com 300 mil soldados e policiais. O contraponto foi dado por Medvedev, cujo país, em sua encarnação anterior como União Soviética, foi derrotado no Afeganistão. "É difícil saber se é realista", disse. "Tenho minhas dúvidas."
Washington dá as costas para a UE
A reunião entre EUA e UE, que pôs fim à cúpula da Otan em Lisboa, teve boas palavras e declarações de intenções, mas não eliminou a sensação de que o interesse de Washington em sua relação com os aliados europeus está abaixo do que dedica à Ásia e às potências emergentes. Depois de mais de uma hora de espera, quando a cúpula tinha terminado havia algum tempo, compareceram diante da imprensa Barack Obama e os presidentes do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, e da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. Três breves declarações genéricas, quase sem compromissos, e ponto final. Não houve lugar para perguntas.
Obama descreveu a reunião Washington-Bruxelas com estas palavras: "Esta cúpula não foi tão interessante quanto outras, porque basicamente estivemos de acordo em tudo". Depois disse que a relação com os aliados europeus é crucial e que os EUA "desejam e precisam de uma Europa forte". O presidente e seus interlocutores da UE falaram de economia, segurança e política externa e anunciaram medidas em defesa do livre comércio e a supressão de barreiras alfandegárias, através do Conselho Econômico Transatlântico. Nenhuma menção à situação concreta de países com sérios problemas financeiros como a Irlanda, nem de eventuais medidas de socorro. Sim, houve referências à necessidade de crescimento econômico, de consolidar orçamentos e criar empregos.
Em outra ordem de coisas, Obama, Van Rompuy e Barroso anunciaram a criação de um grupo de trabalho sobre segurança, para combater o terrorismo, o crime organizado internacional e novos perigos como o terrorismo cibernético.
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