Mikhail S. Gorbachev, que antes apoiava o primeiro-ministro Vladimir V. Putin, está expressando crescente frustração com a liderança de Putin, dizendo que ele minou a nascente democracia da Rússia, ao aleijar as forças de oposição.
“Ele acha que a democracia fica no caminho dele”, disse Gorbachev.
“Eu temo que eles tenham se deixado dominar por esta ideia de que este país inadministrável precisa de autoritarismo”, disse Gorbachev, se referindo a Putin e seu aliado, o presidente Dmitri A. Medvedev. “Eles acham que não podem fazer nada sem isso.”
Em uma entrevista, Gorbachev descreveu o partido do governo de Putin, o Rússia Unida, como sendo uma “cópia ruim do Partido Comunista Soviético”. Gorbachev disse que as autoridades do partido se preocupavam apenas em se manterem no poder e não queriam que os russos participassem da vida cívica.
Gorbachev desprezou em particular a decisão de Putin, em 2004, quando era presidente, de eliminar as eleições para governadores regionais e prefeitos de Moscou e São Petersburgo. Esses cargos agora são nomeados pelo Kremlin.
O impacto dessa mudança foi ilustrado no mês passado, com o afastamento do antigo prefeito de Moscou, que foi substituído por um seguidor leal de Putin.
“A democracia começa com eleições”, disse Gorbachev. “Eleições, prestação de contas e rotatividade.”
Gorbachev, o último líder soviético, estava dando entrevistas neste mês para promover um concerto beneficente, que sua fundação está patrocinando em março em homenagem ao seu 80º aniversário. A fundação dirige um centro de pesquisa e já arrecadou milhões de dólares para entidades que cuidam de crianças com câncer.
As críticas de Gorbachev a Putin, apesar de não serem novas, parecem ter se tornado mais incisivas recentemente, como se Gorbachev sentisse que ele colocou a Rússia no caminho para ser uma democracia funcional, apenas para ver Putin bloquear seu progresso.
Nem Putin e nem Medvedev responderam publicamente a Gorbachev. Ao ser perguntado na terça-feira sobre os comentários de Gorbachev, o porta-voz de Putin, Dmitri S. Peskov, pareceu escolher suas palavras com cuidado. “Nós sentimos o mais profundo respeito por Mikhail Gorbachev e certamente respeitamos seu ponto de vista”, disse Peskov. “Mas isso não significa que concordamos com ele.”
Peskov disse que os partidos de oposição fracassaram em obter ganhos na Rússia porque seus líderes eram impopulares e não desenvolveram plataformas atraentes. “Nem Putin pessoalmente, nem o Rússia Unida como partido político, podem ser responsabilizados pela incapacidade de outros partidos de produzir algo promissor para os cidadãos deste país”, ele disse.
Tratando de uma dor de garganta, Gorbachev falou com vigor e não parecia desacelerado pela idade. Ele se encontrou com os repórteres na sede de sua fundação em Moscou, que está repleta de fotografias e outras lembranças que destacam seus esforços para reformar a União Soviética.
Ainda assim, quase duas décadas após o colapso da União Soviética, Gorbachev ocupa uma posição desconfortável na sociedade russa. Ele é mais respeitado no exterior do que em casa, em parte porque algumas pessoas na Rússia o culpam por causar o caos político e econômico dos anos 90. É importante mencionar que o concerto beneficente para sua fundação ocorrerá no Royal Albert Hall em Londres, não em Moscou.
Tendo supervisionado a retirada soviética do Afeganistão, Gorbachev ofereceu suas observações a respeito da atual missão da Otan naquele país, dizendo que o sucesso lá era impossível para uma ocupação. “Seria necessário exterminar a população”, ele disse, enfatizando que essa obviamente não era uma opção.
Gorbachev passou recentemente a se interessar pela política de oposição. Ele é proprietário de parte do principal jornal de oposição do país, “Novaya Gazeta”, que teve vários repórteres mortos ou feridos em ataques. Ele tentou ajudar a formar um partido político para competir nas eleições parlamentares do próximo ano, mas desistiu diante dos imensos obstáculos legais.
“Para aqueles que querem mudar o país visando promover esses processos mais rapidamente, a promoção dos processos democráticos, a participação do povo é necessária”, ele disse. “É necessário ter partidos. Mas tente criar um partido!”
Gorbachev não disse quem apoiará para presidente em 2012. Acredita-se que Putin, que se tornou primeiro-ministro em 2008, após ser impedido de concorrer a um terceiro mandato consecutivo como presidente, esteja considerando retornar à presidência.
“A Rússia ainda tem muito que fazer para introduzir um novo sistema de valores, criar e proporcionar o funcionamento adequado das instituições e mecanismos democráticos –as instituições da sociedade civil”, disse Gorbachev. “Tudo isso é feito por meio de uma grande transformação nos cérebros das pessoas. E isto, claramente, está ocorrendo muito lentamente.”
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