quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Al-Qaeda pode estar pensando em fazer reféns europeus

Mulher chora após receber a notícia de que o filho morreu em um ataque promovido pela Al Qaeda
Agências de segurança suspeitam que a Al Qaeda esteja planejando novos ataques na Europa. Detalhes de um possível “plano europeu” continuam pouco claros, mas o ex-guerrilheiro da jihad Noman Benotman, ex-treinador de campos de terrorismo, acredita que a Al Qaeda esteja querendo fazer reféns para negociar a soltura do terrorista Khalid Sheikh Mohammed, que planejou os ataques de 11 de setembro. Especialistas dizem que a teoria é plausível.

Em Berlim, no dia 17 de setembro de 1974 à noite, quatro terroristas do Exército Vermelho Japonês (EVJ) embarcaram em um avião fornecido pelo governo francês no aeroporto de Schiphol em Amsterdã e eram ordens ao piloto holandês Pim Siericks para que decolasse –o destino inicialmente era desconhecido.

O voo do Boeing 707 marcou o fim de uma operação terrorista de sucesso. Três membros do EVJ tinham ocupado a embaixada francesa em Haia por quatro dias e mantido os funcionários como reféns. O governo francês cedeu a sua demanda e entregou o quarto homem, Yutuka Furuya, que estava preso na França, em troca dos reféns.

O terrorista Carlos “o chacal” tinha ajudado o EVJ fornecendo granadas M26, com as quais eles invadiram a embaixada em Haia. Um dia após tomarem os reféns, o próprio Carlos usou uma das granadas para causar um banho de sangue em um café em Paris e enfatizar as demandas do EVJ.

Cerca de 15 anos depois, a milhares de quilômetros, um grupo de jovens militantes estudou esta cooperação entre o EVJ e Carlos e chegou à conclusão que ela poderia servir um modelo para libertar seus próprios prisioneiros um dia. Noman Benotman, líbio que foi um dos líderes de um contingente jihadista alinhado com a Al Qaeda e treinador de campos de treinamento terroristas no Afeganistão, estava presente nessas discussões.

Mais de 30 anos depois, esse cenário de 1974 voltou a ser digno de nota. “Tenho informações que considero confiáveis, segundo as quais a Al Qaeda no Waziristão está fazendo treinamentos para executar múltiplas ações de tomada de reféns paralelas, para forçar a libertação de um prisioneiro”, disse Benotman.

Ele acredita que os planos de ataques contra alvos europeus que as autoridades vêm advertindo nas últimas semanas são reais. Ele diz que a trama consiste em invadir prédios na Alemanha, França e Reino Unido ao mesmo tempo e manter as pessoas que estiverem dentro como reféns para forçar a libertação de Khalid Sheikh Mohammed, que foi o cabeça por trás de 11 de setembro e que agora está preso nos EUA esperando o julgamento pelos ataques.

Benotman hoje mora em Londres –um destino que alcançou após uma longa jornada pessoal. Após os ataques de 11 de setembro, ele virou as costas ao terrorismo. Desde então tem sido um dos principais especialistas do mundo em Al Qaeda. Ele trabalha na Fundação Quilliam em Londres, que dirige programas para reduzir a radicalização de jovens islâmicos. O homem de 43 anos deu uma entrevista em um café entre as estações de Paddington e da rua Edgware, onde um suicida detonou uma bomba no dia 7 de julho de 2005. Ele relembrou seus dias no Afeganistão: “No início dos anos 90, até treinamos esse tipo de ação”, diz ele.

A Al Qaeda vai tentar forçar a libertação de Khalid Sheikh Mohammed?

Benotman enfatiza que a Al Qaeda está revisitando esse cenário, e alega que é mais do que simples especulação. Ele diz que não pode citar suas fontes, para protegê-las, mas atesta sua credibilidade. O especialista em terror de Berlim Guido Steinberg, do Instituto de Assuntos Internacionais e de Segurança Alemão, vê pouca razão para duvidar. “Benotman conhece os jihadistas e seus líderes melhor que a maior parte das pessoas”, diz ele. “É inteiramente possível que tenha obtido informações sobre os planos terroristas. No passado, todas suas informações se provaram corretas.”

O líbio também se refere a dois eventos que dão crédito à sua alegação. No último outono, a Al Qaeda citou a Alemanha como alvo de um ataque, uma ameaça que ele ainda considera válida. Ele também se refere a uma mensagem de áudio de Osama Bin Laden em junho de 2010, na qual o terrorista advertiu os EUA que a Al Qaeda ia matar prisioneiros americanos se os EUA executassem Khalid Sheikh Mohammed. “O dia que os EUA tomarem essa decisão (de executar Mohammed) será o dia que emitirão uma sentença de morte contra qualquer um dos norte-americanos que esteja cativo”.

“Conheço Osama Bin Laden pessoalmente. É muito importante para ele poder dizer após cada operação: ‘Por que vocês estão surpresos? Foi exatamente o que eu anunciei’”, diz Benotman.

Será que a Al Qaeda está realmente planejando tomar reféns na Europa para forçar os EUA a soltarem Khalid Sheikh Mohammed? O cálculo, diz Benotman, é simples. Mesmo que os EUA não cumpram a demanda da Al Qaeda –que é o cenário mais provável- os terroristas ainda poderiam conseguir alcançar dois objetivos: a mídia global ia passar dias focando inteiramente na Al Qaeda e em suas demandas. E eles conseguiriam provocar uma rusga entre os EUA e a Europa, se pessoas inocentes morrerem no continente porque Washington não quis soltar Khalid Sheikh Mohammed.

“Faz sentido”


Várias autoridades de inteligência, especialistas em terrorismo e funcionários de segurança do Ocidente entrevistados pelo Spiegel Online consideram plausível o cenário descrito por Benotman.

“O cenário de Benotman é inteiramente plausível”, diz Magnus Ranstorp, diretor de pesquisa do Centro de Estudos de Ameaças Assimétricas do Colégio Nacional Sueco de Defesa. Ranstorp salienta que mesmo os ataques de 11 de setembro originalmente eram um esforço para liberar o clérigo jihadista Omar Abdelrahman. Khalid Sheikh Mohammed originalmente planejara derrubar nove aviões sobre prédios e pessoalmente tomar reféns no 10º avião como arma de negociação. “Dado o contexto de como a Al Qaeda pensa em impacto operacional e surpresa, isso seria uma operação de baixo custo e alto impacto que ia surpreender e chocar o ocidente”, diz ele. Segundo o especialista, os planos de atacar contra o jornal dinamarquês Jyllands-Posten em 2009 também envolviam reféns e execuções.

“Faz sentido”, concorda uma autoridade de inteligência que prefere manter o anonimato por não estar autorizada a discutir a questão em público. “Contudo, não temos evidências”. Outros fizeram observações similares.

Jihadistas alemães com laços com a Al Qaeda

As advertências das agências de segurança agora compartilham preocupações com um “cenário de Mumbai” em território europeu, similar aos ataques de 2008 na cidade indiana, nos quais equipes de terroristas atacaram locais públicos com bombas, granadas e armas, matando 174 pessoas. A série de ataques continuou por quatro dias e foi parcialmente transmitida ao vivo pela televisão.

De acordo com um documento interno escrito por autoridades alemãs resumindo dados de inteligência, um ataque ao estilo de Mumbai poderia incluir reféns. Mas esse documento não assume que o ataque seria conectado a demandas específicas.

As advertências se baseiam em diferentes dados. A pista mais importante de Ahmed Siddiqui, jihadista de Hamburgo, Alemanha, que foi preso neste verão no Afeganistão por forças norte-americanas. Em seu interrogatório, ele alegou que tinha encontrado um homem de alta patente na Al Qaeda chamado Younis Al Mauretani, que contou sobre os planos de atacar vários países europeus. Ele ouviu que Osama Bin Laden estava sabendo dos ataques e que várias equipes tinham sido enviadas à Europa. Autoridades de segurança alemãs que tiveram permissão de interrogar Siddiqui consideram suas declarações válidas. Elas também acreditam que Al Mauretani é um verdadeiro agente da Al Qaeda.

Um novo nível de cooperação entre grupos terroristas

No início de outubro, três jihadistas alemães foram mortos na província do Waziristão no Paquistão por aviões não tripulados da CIA. As agências norte-americanas esperam que tenham prejudicado os ataques para planejar um “plano europeu”.

Neste cenário, talvez seja significativo que Siddiqui e os três outros jihadistas alemães até agora tenham sido considerados membros do Movimento Islâmico do Uzbequistão (MIU), que tem um relacionamento bastante difícil com a Al Qaeda. Estariam a Al Qaeda, o MIU e outras organizações terroristas trabalhando juntas nos planos de ataque?

Alguns analistas consideram isso plausível, e a ameaça compartilhada de ataques de aviões não tripulados pode de fato estar promovendo tal cooperação. Além disso, várias dúzias e possivelmente até centenas de combatentes com passaportes americanos e europeus estariam atualmente na região. A Al Qaeda pode ficar tentada a usá-los cruzando limites organizacionais tradicionais para poder planejar um ataque espetacular no Ocidente. Uma informação fornecida ao Spiegel Online na semana passada pode corroborar essa teoria. De acordo com jihadistas na região do Waziristão, ao menos um dos três alemães mortos pela sonda não tripulada da CIA também está conectado com a Al Qaeda.

Planejamento pode estar no princípio


Uma reorganização que está ocorrendo dentro da liderança da Al Qaeda poderia simplificar a cooperação entre os grupos. De acordo com as fontes de Noman Benotman, Ilyas Kashmiri, um homem com considerável experiência colaborando com outros grupos, tornou-se responsável pelo planejamento de operações estrangeiras. Ele estava em contato com perpetradores dos ataques terroristas de Mumbai assim como outros terroristas que teriam planejado ataques nos EUA e na Europa. A Newsweek informou que Siddiqui também tinha contato com Kashmiri, mas agências alemãs de inteligência não puderam confirmar isso.

A volta recente do alto terrorista Saif Al Adel ao Waziristão e sua suspeitada promoção para se tornar o novo comandante militar teria um efeito similar porque o egípcio também tem muita experiência trabalhando com outros grupos.

Mas Benotman diz que outro aspecto também deve ser levado em consideração –que as operações que estão sendo planejadas podem subir ou cair com base na qualidade do treinamento. Tal treinamento, diz ele de experiência própria, leva meses, “muito mais do que ataques suicidas”. Além disso, o encontro entre Siddiqui e Al Mauretani, segundo o relato, parece ter sido um esforço de recrutamento –uma possível indicação que o planejamento não está em fase avançada e que o grupo terrorista ainda está em busca de perpetradores.

Benotman, portanto acredita que ainda há tempo para impedir o ataque. Ele até acha possível que a Al Qaeda possa ter que abortar o plano, se muitos detalhem se tornarem públicos.

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