quarta-feira, 29 de setembro de 2010

"Nós não aceitaremos o novo tom da AIEA", diz chefe do programa nuclear do Irã

O Irã não está satisfeito com o novo diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Yukiya Amano. O diretor da agência nuclear iraniana, Ali Akbar Salehi, acusa Amano, em uma entrevista a "Der Spiegel", de nutrir preconceitos contra o seu país e adverte que esta rota poderá levar a uma "catástrofe global".

Ali-Akbar Salehi
Spiegel: No início deste mês, ativistas da oposição iraniana no exílio revelaram a existência de uma instalação secreta de enriquecimento de urânio localizada perto de Abyek, cerca de 120 quilômetros a oeste de Teerã. Você fez esta viagem a Viena para admitir perante a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a existência de outras instalações secretas?

Salehi: Esta mais recente acusação é uma impertinência. Eu gostaria que esses grupos de oposição tivessem sido mais precisos em relação a essas supostas instalações de processamento de urânio. Se eles tivessem feito isso, eu o levaria até o suposto local durante a sua próxima visita ao Irã, de forma que você pudesse ver com os seus próprios olhos o quão absurdas são as alegações desses indivíduos.

Spiegel: Em vez de me levar até lá, talvez você devesse permitir que os inspetores da AIEA investigassem essas alegações.

Salehi: Nós não permitiremos isso de forma alguma. Onde iríamos parar se permitíssemos que elementos controladores entrassem no nosso país após cada alegação injustificada? Nós somos uma nação soberana. Não somos lacaios de ninguém.

Spiegel: No entanto, vocês estão de fato procurando locais adicionais que possam ser apropriados para a construção de laboratórios subterrâneos.

Salehi: Nós estamos atualmente procurando locais nos quais possamos construir instalações que sejam imunes a quaisquer ameaças possíveis. Nós encontramos dez locais desse tipo, espalhados pelo país. Mas isso não significa que desejamos construir instalações neles amanhã. Estamos aguardando a decisão do presidente Mahmoud Ahmadinejad a respeito de onde de fato deveremos começar a trabalhar. Talvez comecemos a construção de uma instalação já na próxima primavera. Quando chegarmos a tal etapa, anunciaremos publicamente o projeto.

Spiegel: O principal negociador nuclear do Irã, Saeed Jalili, indicou recentemente que está preparado para dar continuidade às negociações caso o grupo de parceiros negociadores – que atualmente inclui os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) mais a Alemanha – seja ampliado. Você tem alguma proposta concreta?

Salehi: Existe muita conversa quanto a isso, e uma ampliação do grupo...

Spiegel: ...de maneira a incluir, por exemplo, representantes de governos mais amistosos em relação a Teerã, como Venezuela, Brasil ou Turquia.

Salehi: ...isso seria uma boa oportunidade para esclarecer várias questões relativas à política nuclear internacional. Mas nós não abriremos mão do nosso direito garantido de enriquecer urânio a um baixo teor para fins civis.

Spiegel: Em outras palavras, Teerã continua na rota do confronto com a comunidade internacional?

Salehi: Nós não estamos interessados em provocar conflito. Eu viajei a Viena para a conferência geral da AIEA a fim de representar o Irã como membro participante, apesar do aparente preconceito do novo diretor-geral, Yukiya Amano.

Spiegel:
De que exatamente você o acusa?

Salehi:
Amano fracassou várias vezes nas suas tentativas de obter este cargo, apesar de ele ser oriundo de um país poderoso como o Japão. Muitos países temiam que ele cedesse a pressões externas. Ele só foi eleito por uma margem mínima após ter prometido expressamente que exerceria o cargo com integridade. Mas, sob o nosso ponto de vista, é exatamente isso que está faltando. Amano precisa ter cuidado para não perder a legitimidade devido à sua simpatia por certas políticas.

Spiegel: Amano simplesmente foi mais direto do que Mohammed ElBaradei ao apontar os lapsos do Irã.

Salehi:
Tudo o que Amano fez foi requentar velhas acusações. E quando nós rejeitamos dois inspetores, o que é um direito nosso, ele apresentou isso como sendo uma falta de cooperação da nossa parte. Eu estou tentando acomodar a IAEA de uma forma que está além das nossas obrigações escritas. No entanto, aumentou significativamente no Irã a oposição a uma cooperação flexível com a AIEA. Nós não aceitaremos o novo tom.

Spiegel:
Você está ameaçando cessar a cooperação?

Salehi: Nós não estamos ameaçando ninguém. Isto é apenas uma advertência amigável, mas séria, de que um indivíduo não pode se tornar politicamente instrumentalizado. Nós estamos perguntando a nós mesmos: Amano está interessado em fornecer um pretexto para um ataque contra nós? A abordagem objetiva de ElBaradei fez com que ele ganhasse o Prêmio Nobel da Paz. Será que Amano está interessado em vincular o seu nome à guerra? Será que ele deseja ver o mundo mergulhado em uma catástrofe?

Spiegel: Você ainda necessita da mediação de Amano. Atualmente, o Irã encontra-se em negociações com a AIEA, a França, a Rússia e os Estados Unidos quanto às varetas de combustível para o seu reator de pesquisas em Teerã.

Salehi: Nós pedidos assistência à AIEA 15 meses atrás. O reator é vital para o tratamento de pacientes com câncer, por exemplo. Mas nós não recebemos o auxílio solicitado. Agora, estamos enriquecendo nós mesmos o urânio para a reator, com um teor de pureza de 20%. Nós já produzimos 25 dos 120 quilogramas dos quais necessitamos. Somos capazes de produzir cerca de cinco quilogramas por mês. Mas nós estamos produzindo de fato apenas os três quilogramas por mês dos quais necessitamos imediatamente para o nosso uso. Entretanto, continuamos prontos a discutir qualquer mudança.

Ali Akbar Salehi, 61, é o diretor-geral da Agência Iraniana de Energia Atômica. Antes de ocupar o atual cargo, Salehi foi o delegado iraniano na Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena

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