Valerie Plame Wilson, a mais conhecida ex-espiã dos Estados Unidos, estava com aparência chique em um bustier preto e calça pantalona branca, posando para os paparazzi no tapete vermelho neste mês, em um festival de cinema de Deauville, França.
Poucos dias depois, ela estava em um salão de jantar em Santa Fé, sem maquiagem, calçando tênis e vestindo agasalho de moletom, enfrentando o jet lag enquanto cuidava do caos doméstico. Ela tinha filhos –os gêmeos de 10 anos Samantha e Trevor– para levar para a escola e um cachorro traquinas para levar para passear. Seu marido, Joe, um ex-embaixador, tinha acabado de voltar de uma viagem de negócios a Bagdá e estava ao telefone, brigando com a companhia aérea por causa de bagagem perdida. O refrigerador deles estava praticamente vazio e Samantha tinha declarado que o muffin inglês dela “horrível”.
Valerie deu uma mordida. “Fermentou”, ela anunciou, entregando o muffin ofensor ao seu marido. Ele comeu fingindo saborear, brincando que ficaria melhor com algumas larvas. A menina rolou os olhos.
Para Valerie, uma ex-agente secreta da CIA cuja exposição em 2003 envolveu a Casa Branca de Bush em um escândalo, a manhã agitada foi um precioso momento de normalidade em uma vida que teve de tudo, menos isso. Ela e seu marido fugiram da câmara de eco de Washington para Santa Fé há três anos, buscando paz e isolamento após o Caso Plame ter destruído a consultoria internacional dele, arruinado a carreira de espionagem dela e quase acabado com o casamento deles.
Agora ela está fazendo sua reentrada, desta vez em seus próprios termos.
A mulher que passou décadas protegendo sua privacidade, encontrou uma nova voz por meio de um empreendimento bastante público, o cinema, o motivo para ter estado em Deauville. “Fair Game”, um filme baseado em grande parte em sua autobiografia de 2007 de mesmo nome (estrelado por Naomi Watts como Valerie e Sean Penn como Joe), deverá estrear em novembro.
Ele poderia ser chamado de “A Espiã Que Foi para Hollywood”, mas seria algo recebido com aversão por Valerie. “Por favor, não”, ela disse, balançando a cabeça. “Nós já vimos o suficiente do mundo de Hollywood para saber que não nos interessa. É realmente um colégio com dinheiro.”
Talvez. Mas Valerie é esperta o bastante para saber que Hollywood tem um megafone muito maior do que Washington, e ela está fazendo uso dele para reafirmar sua própria narrativa e polir suas credenciais. Ela apareceu recentemente ao lado de vários líderes mundiais em “Countdown to Zero”, um documentário sobre proliferação nuclear, um assunto que ela conhecia bem, como agente da CIA à caça de armas de destruição em massa. Mas seu foco no momento é promover “Fair Game”, dirigido por Doug Liman.
O filme, que também faz uso do livro de Valerie de 2004, “The Politics of Truth”, terá sua pré-estréia em Nova York e Washington no próximo mês. Ele narra como Valerie, uma agente secreta infiltrada da CIA, teve sua identidade revelada pelo colunista conservador Robert Novak, depois que o marido dela, que tinha viajado para Níger em nome da CIA para investigar se Saddam Hussein estava interessado de armas nucleares, contestou o argumento do governo Bush para a guerra no Iraque nas páginas de opinião do “New York Times”. Um promotor especial investigou o vazamento, que levou à condenação por obstrução da Justiça de I. Lewis “Scooter” Libby, o então chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney.
Em Washington, onde o casal Wilson –especialmente Joe Wilson– continua sendo “persona non grata” nos círculos republicanos, o filme sem dúvida causará irritação. Em 1991, Joe Wilson foi o último diplomata americano no Iraque antes das bombas começarem a cair; após sua volta, o presidente George H.W. Bush o elogiou como sendo um “verdadeiro herói americano”. Mas os seguidores leais de George W. Bush o consideram um fanfarrão em busca de publicidade –“pomposo, egocêntrico, narcisista”, como escreveu Karl Rove, o ex-estrategista político de Bush, que foi poupado do indiciamento na investigação do vazamento. O advogado de Rove, Robert Luskin, prevê que o filme será um fracasso; ele diz que os Wilsons “já passaram de sua data de validade”. Joe Wilson, ainda no modo “nós contra eles”, diz que o filme “os ataca com um punhal, não com um facão de açougueiro”.
Os republicanos ainda riem da forma como o casal Wilson posou no Jaguar conversível de Joe –ele com seu braço pendurado para fora, ela mascarada com um lenço de cabeça e óculos escuros– para a revista “Vanity Fair” no auge do escândalo. A foto, assim como uma série de charges políticas autografadas, está pendurada no banheiro de hóspedes da casa dos Wilsons em Santa Fé, um dos poucos sinais da vida deles em Washington. (O Jaguar se foi; Valerie insistiu para que seu marido o vendesse quando se mudaram.)
Apesar de ser um filme político, “Fair Game” também é pessoal, a história das tensões que quase separaram o casal quando ele acusou publicamente a Casa Branca de Bush de “campanha de difamação”, enquanto ela permaneceu em silêncio, temerosas por seus filhos e por seus “ativos” da CIA, pessoas que ela cultivou no exterior. Enquanto a carreira dela era arruinada e os clientes da consultoria dele o abandonavam, como Valerie escreveu em seu livro, eles lutavam para “impedir a lenta dissolução do casamento”.
Para Liman, o diretor do filme, cujos créditos incluem “A Identidade Bourne”, foi a Valerie Wilson elusiva que foi particularmente cativante. “Ela é claramente uma sobrevivente”, ele disse. “Ela definitivamente amava sua vida de espiã e trabalhou arduamente para chegar à posição em que estava, e tudo isso foi tirado dela. Mas você não sente que ela guarda algum ressentimento.”
Ela diz que de fato não guarda, apesar de que ao seu próprio modo controlado ela ainda se agita com o que chama de “manual republicano, me denegrindo e desacreditando o Joe”. Os temores com a segurança persistem: para este artigo, Valerie concordou em ser fotografada do lado de fora de sua casa, não dentro, e seus filhos estavam fora dos limites.
Santa Fé é, física e geograficamente, muito afastada do clima político tóxico de Washington, o motivo para os Wilsons terem se mudado para cá, para uma ampla casa na encosta, com vista para as Montanhas Sangre de Cristo. Álamos margeiam a entrada da garagem, flores silvestres florescem no outono e o alimentador para beija-flor deles certa vez atraiu um urso. Valerie conheceu a cidade graças a viagens de trabalho ao Laboratório Nacional de Los Alamos próximo; ela e seu marido deixaram Washington assim que o julgamento de Libby acabou.
“Nós meio que olhamos um para o outro e dissemos: ‘Por que estamos aqui?’” ela disse, durante uma caminhada matinal com o cachorro. “Nós não tínhamos emprego. Não tínhamos família lá. Simplesmente parecia...” Sua voz para, mas a sentença não precisa ser concluída. Eles precisavam escapar para sobreviver.
Os primeiros meses aqui foram um borrão, se afligindo com as contas enquanto “vivia aérea”. Eles conheceram o diretor da Ópera de Santa Fé, que ficou encantado com Trevor e o escalou como um pajem de Falstaff. Joe Wilson se transformou em um “pai de ópera”, disse sua esposa, “permanecendo durante todo o ensaio, sentado no fundo, cultivando uma barba”.
Hoje, Valerie Wilson mal consegue caminhar pelas ruas de Santa Fé sem chamar atenção. Quando ela chegou para almoçar em um café local, a recepcionista ficou fora de si.
“Naomi Watts! Espetacular! Como você se sente?” disse a mulher de modo efusivo.
“Um pouco nervosa”, respondeu Valerie.
Os Wilsons tinham acabado de chegar da igreja, onde contaram sua história para idosos. Na cidade na qual a proporção de votos foi de 3 para 1 a favor do presidente Barack Obama, o público, sem causar surpresa, é amistoso. A principal pergunta: “Por que Dick Cheney e George Bush não estão na cadeia?”
Quando a conversa acaba, um cavalheiro se aproximou e enfiou a mão em uma pequena bolsa. Valerie Wilson o olhou de modo desconfiado enquanto ele retirava duas castanhas –amuletos de sorte, ele disse. Ele perguntou sobre qual escola os filhos dela frequentavam.
“Uma escola pública local”, responde Valerie de modo vago. O homem insistiu, dizendo ser um educador aposentado. Ela o avaliou e cedeu, dizendo o nome da escola.
Posteriormente, no café, tomando champanhe e comendo uma fritada de legumes, ela conversou sobre a passagem de espiã privada para figura pública. Ela se sente “mais integrada” agora, ela disse. Uma coisa que ela aprendeu: “Eu não sou boa em confrontos, mas melhorei em defender meu espaço”.
As portas de Hollywood estão abertas. “Countdown to Zero” lhe ofereceu uma chance de colocar sua perícia na CIA em uso na esfera pública –e fazer amizade com Meg Ryan e com a rainha Noor da Jordânia, defensoras da eliminação das armas nucleares. Ambos os filmes a levaram a Cannes neste ano, onde Giorgio Armani deu uma festa em seu iate para “Fair Game” e onde Valerie caminhou pelo tapete vermelho com Naomi Watts ao seu lado. Na pré-estreia de “Countdown” em Nova York, em julho, ela conversou com Whoopi Goldberg e Elisabeth Hasselbeck no programa “The View”.
Mas quando “Countdown to Zero” foi exibido na sede da CIA em Langley, Virgínia, em um auditório protegido conhecido como A Bolha, Valerie não estava lá.
“Eu não fui convidada”, ela disse com tristeza. “Teria sido estranho.”
Ambos os Wilsons foram consultores em “Fair Game”, se revezando no set em Nova York para que o outro pudesse ficar em casa com os gêmeos. Penn os visitou em Santa Fé (eu o fiz lavar a louça após o jantar”, disse Valerie) e ela e Watts agora são amigas, trocando “e-mails engraçados de fofoca”, disse a atriz.
“Esta é a vida nova dela, uma que ela não escolheu, mas por que não deveria desfrutá-la e abraçá-la?” disse Watts. “Ela está usando sua voz e suas crenças.”
Ainda assim, ela parece relutante em abraçar. Espiões não se revelam facilmente e existe muito mais a respeito de Valerie do que ela pode revelar. Seu livro foi publicado com grandes partes censuradas após uma longa batalha legal com a CIA e ela está atada ao seu acordo de sigilo. Perguntas sobre seu trabalho –ou se certas cenas em “Fair Game” são verdadeiras– são recebidas com sobrancelhas levantadas e com a resposta padrão: “Eu não posso dar detalhes específicos”.
Aos 47 anos, Valerie deseja que sua história seja conhecida, mas não deseja que o escândalo a defina para sempre. “É um pedaço de nossa história, mas não ela toda”, ela diz. No ano passado, o marido dela, atualmente com 60 anos, se tornou presidente da subsidiária africana da Symbion Power, uma construtora, e Valerie trabalha meio expediente com contato comunitário do Instituto Santa Fé, uma organização de pesquisa científica. Ela também está colaborando com Sarah Lovett, uma escritora local, em –o que mais?– um romance de espionagem.
Mas por ora ela tem um filme para promover. Na volta de Deauville, ela parou em Paris para entrevistas e visitou o salão de chá Mariage Frères em Marais. Ela disse ter desejado o tempo todo que Trevor e Samantha estivessem lá. Ela queria beber limonada com eles no Café de Flore, e levá-los ao topo da Torre Eiffel.
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