quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Tanques da Geórgia contra adolescentes da Ossétia: a história da resistência de Tskhinvali
Quando as forças georgianas avançaram para a capital da Ossétia do Sul, Tskhinvali, no dia 7 de agosto, elas subestimaram a determinação da resistência dos ossetianos. Jovens abriram fogo com Kalashnikovs e adolescentes jogaram bombas de petróleo contra os tanques. O regime local patrocinado pelos russos saiu triunfante.
Qualquer um que queira saber o valor da palavra do presidente da Geórgia, Mikhail Saakashvili, basta olhar para a capital da Ossétia do Sul. O aposentado Wachtang Babeyev ainda fala um pouco do georgiano que aprendeu em tempos soviéticos, quando os ossetianos e georgianos viviam juntos em paz, apesar das tensões. Na tarde do dia 7 de agosto, o carpinteiro aposentado estava sentado em seu apartamento na rua Karl Marx assistindo um discurso de Saakashvilli na televisão. As palavras do presidente fizeram-no se sentir esperançoso.
Saakashvilli estava na capital da Geórgia, Tbilisi, e disse que tinha "dado a ordem muito dolorosa de não reagir com fogo" se os ossetianos do sul atirassem contra as forças de segurança da Geórgia. Ele terminou seu discurso com um apelo: "Vamos deter a espiral de medo. Dar uma chance à paz e ao diálogo". Poucas horas depois, Babeyev estava prestes a cozinhar seu jantar quando bombas começar a cair em torno de seu prédio. Ele fugiu para o porão de um bloco ao lado com nove vizinhos. Foi uma noite em branco, assustadora. Horas de bombardeio de artilharia reduziram os prédios a ruínas, destruíram carros e transformaram os jardins em buracos.
Na manhã seguinte, aviões de guerra da Geórgia lançaram bombas para terminar a destruição. Então, os tanques chegaram para "restaurar a ordem constitucional", como disse Saakashvilli - uma ordem que nunca existiu na Ossétia do Sul. Quando a URSS foi dissolvida, três Estados de fato emergiram no território da antiga república soviética da Geórgia: Ossétia do Sul, Abkházia e a nova Geórgia, que conseguiu entrar para a Organização das Nações Unidas com as fronteiras antigas traçadas por Stálin.
Desejo de autonomia
Os ossetianos do sul não conseguem entender as pessoas que os chamam de "separatistas". Eles dizem que nunca romperam com a Geórgia porque nunca se uniram ao novo país quando foi formado após o colapso da URSS. É impossível encontrar qualquer um nesta parte do mundo que imagine seriamente o território como parte da Geórgia no futuro. O que o mundo está rotulando como "separatismo" de fato é o desejo de autonomia de um povo pequeno que foi dividido contra seus desejos.
Nos tempos soviéticos, a Ossétia do Norte - hoje parte da federação russa - e a Ossétia do Sul eram divididas apenas por uma linha administrativa invisível. Desde 1992, contudo, uma fronteira nacional passou a separar irmãos, irmãs, pais e filhos. Tentativas violentas de nacionalistas georgianos de suprimir os ossetianos do sul levaram o povo da montanha a se refugiar dentro de uma república não reconhecida, como se fosse uma trincheira.
Um cessar-fogo foi firmado com a Geórgia em 1992 e trouxe as forças de paz russas para o país, por um pedido tanto dos ossetianos quanto do georgianos. O cessar-fogo durou 12 anos, até que Saakashvilli chegou ao poder em 2004. Assim que foi eleito com uma votação suspeita de 96% e com as bênçãos de Washington, ele começou a fazer discursos calorosos sobre "separatistas criminosos". Um primeiro ataque militar das tropas georgianas fracassou em agosto de 2004 devido à forte resistência da Ossétia do Sul e porque os EUA, diferentemente de hoje, detiveram a aventura de Saakashvilli.
Os invasores que avançaram para a cidade destruída de Tskinvhali na manhã do dia 8 de agosto em jipes americanos vestiam uniformes e capacetes feitos nos EUA. Muitos deles foram treinados por oficiais americanos ou serviram no Iraque ao lado dos americanos.
Eles rapidamente compreenderam que não estavam enfrentando apenas "meia dúzia de separatistas", como tinha alegado Saakashvili. A atitude dos jovens da Ossétia do Sul pode ser resumida pelo que disse a estudante Julia Beteyeva, da Universidade de Tskhinvali, ao Spiegel, em junho de 2004: "Só poderão tirar nossa república nos matando."
Defensores adolescentes
No dia 8 de agosto, grupos de jovens ossetianos, alguns deles com apenas 16 anos de idade, atacaram os tanques georgianos com bombas de petróleo. Os rapazes pegaram rifles Kalashnikovs em arsenais escondidos e combateram os georgianos em grupos ou sozinhos. Ao meio-dia, Alan Ulmbegov, 34, filho de um oficial soviético nascido na cidade de Meiningen no Leste alemão, viu as tropas georgianas chegando. Ele pegou seu rifle em um armário. Sua mãe implorou para que ele não fosse. "Eu quero proteger nosso povo", respondeu e partiu para a batalha. Lemas como "Jovens da Ossétia pela liberdade" e "Vergonha da Geórgia e de seus defensores como o traidor Sanakoyev" tinham sido pintados nos muros da cidade destruída.
Dmitry Sanakoyev, ex-primeiro-ministro da Ossétia do Sul, foi instalado por Saaskashvili como diretor de um governo para a região, que tinha o título inadvertidamente preciso de "Governo Provisório da Ossétia do Sul", e consistia de meia dúzia de aldeias georgianas no território da Ossétia do Sul. Desde então, estas foram destruídas pelo exército russo e pilhadas pelos ossetianos do sul. Grande parte da minoria georgiana fugiu. Sanakoyev era um "empresário" duvidoso, com dívidas nos jogos, uma presa fácil dos estrategistas de Tbilisi. Em julho mesmo, a secretária de Estado americana Condoleezza Rice apertou as mãos de Sanakoyev como se Washington ainda tivesse grandes planos para ele.
Desde a batalha de Tskhinvali, o poder na Ossétia do Sul está nas mãos do presidente Eduard Kokoity. Ele tem um sorriso malandro que talvez tenha adquirido durante os selvagens anos 90, quando o lutador fez fortuna em contratos questionáveis. Seu orçamento não é especialmente transparente e provavelmente consiste mais de transferências russas do que de pobres receitas fiscais locais. Suas forças militares são constituídas de uma milícia que acaba de derrotar os aliados dos EUA.
Os combatentes de Kokoity participaram de um comício na Praça do Teatro, no centro de Tskhinvali. Alguns usavam preto; um segurava uma granada de mão como se fosse uma bola de tênis. Muitos tinham barba e amplos ombros. Um deles usava chinelo e abraçava sua namorada. Eles são a geração de ossetianos do sul que nem falam georgiano, muito menos se sentem georgianos.
"Genocídio contra o pequeno povo ossetiano"
Kokoity, que não é grande orador, descreve a cidade provinciana de 30 mil habitantes como "Stalingrado do Cáucaso". Suas palavras ecoam em torno dos prédios destruídos por bombas do centro de Tskhinvali enquanto grita contra "O regime sangrento da Geórgia" que cometeu um "genocídio contra o pequeno povo ossetiano". Para amainar o sentimento de ódio, ele acrescenta: "Não estamos combatendo o povo georgiano".
Kokoity quer se unir ao palco diplomático internacional. Ele pede à Rússia que reconheça a Ossétia do Sul. Com a maior parte dos ossetianos do sul, Kokoity é cidadão russo. Quando ele fala de independência, ele quer dizer a unificação com a Ossétia do Norte e toda a Rússia. Antes da guerra, ele tinha distribuído cartazes pela região declarando: "A Ossétia é indivisível".
Hoje, Georgi Bagayev, 70, não está muito preocupado com a situação do governo. Quando ele abre a porta que até o dia 7 de agosto conectava sua cozinha com a sala de estar, ele vê uma pilha de destroços.
Uma bomba destruiu a parede externa, e a sala está cheia de destroços e roupas, além de uma foto de sua neta de cinco meses, Alana. A menina sobreviveu ao ataque em sua cidade natal. Ela foi evacuada para segurança da Ossétia do Norte pouco antes do início da guerra.
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