quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sondando as águas norte-coreanas

Jimmy Carter e o jornalista americano Aijalon Gomes
O ex-presidente Jimmy Carter merece aplausos por ter viajado a Pyongyang e garantido a libertação de um cidadão norte-americano, Aijalon Mahli Gomes, que foi condenado a oito anos de prisão por ter entrado ilegalmente na Coreia do Norte.

O governo Obama empenhou-se em assegurar que Carter desempenhava esta missão como cidadão comum e que ele não levava nenhuma mensagem da Casa Branca. Os norte-coreanos também deixaram claro para Carter, antes da partida deste, que ele não seria capaz de se encontrar pessoalmente com o líder do país, Kim Jong-il. De fato, Kim partiu para a China pouco após a chegada de Carter.

Mesmo assim, a visita do ex-presidente poderá ajudar a Casa Branca a reduzir a hostilidade que caracteriza a sua posição em relação a Pyongyang, especialmente após o afundamento de um navio de guerra da Coreia do Sul em março último.

Tendo em vista a difícil agenda que ele herdou ao assumir a presidência, o presidente Barack Obama não deu uma grande prioridade a negociações com a Coreia do Norte, cujos líderes são tidos como obscuros e irascíveis. Por exemplo, uma sugestão, feita no ano passado, de que a Casa Branca convidasse Kim Jong-un, o filho mais novo e o provável sucessor de Kim Jong-il a visitar os Estados Unidos, não foi seriamente cogitada.

Em vez disso, o presidente Barack Obama forjou uma forte relação com o presidente sul-coreano Lee Myung-bak, que ele vê como o líder dinâmico de um forte aliado dos Estados Unidos, e se contentou em deixar que Seul ditasse o ritmo das relações com Pyongyang.

As políticas de Lee em relação à Coreia do Norte foram consideravelmente mais rigorosas do que as dos seus dois antecessores, Kim Dae-jung e Roh Moo-hyun, que, quando estavam no poder, se reuniram com Kim Jong-il. Lee, ao contrário, cortou o auxílio econômico do seu país à Coreia do Norte e intensificou as pressões por concessões políticas por parte de Pyongyang.

Mesmo assim, há um ano, parecia possível que as relações entre Seul e Pyongyang fossem capazes de melhorar. Uma delegação norte-coreana enviada em agosto de 2009 à Coreia do Sul para os funerais do ex-presidente Kim Dae-jung, um defensor da “política luz do sol” de negociações com a Coreia do Norte, foi calorosamente recebida pelo presidente Lee. No final de 2009, a Coreia do Norte propôs a realização de uma reunião de cúpula dos dois países e também convidou a viúva de Dae-jung para visitar Pyongyang.

Porém, enquanto esses gestos conciliatórios por parte da Coreia do Norte ainda estavam sendo avaliados, em 26 de março deste ano, a fragata Cheonan, da marinha sul-coreana, sofreu uma explosão e afundou sob circunstâncias misteriosas no Mar Amarelo, bem próximo à costa da Península Coreana, um local onde embarcações militares da Coreia do Norte e da Coreia do Sul entram frequentemente em atrito.

Uma investigação sul-coreana concluiu que o navio foi afundado por um torpedo disparado por um submarino norte-coreano. Os Estados Unidos concordaram com esta avaliação, e o afundamento da fragata Cheonan passou a ser visto nos Estados Unidos como uma prova do caráter brutal norte-coreano.

Os Estados Unidos impuseram sanções adicionais à Coreia do Norte e juntaram-se à Coreia do Sul em exercícios militares de uma magnitude sem precedentes no mar e em terra.

Um dos principais diplomatas sul-coreanas resumiu a situação da seguinte maneira: “O governo Lee queimou todas as pontes que havia entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, e ele tem implementado políticas de linha dura que não contam com uma estratégia para recuo. As atuais relações entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul fazem lembrar um clássico jogo da galinha”.

No entanto, um dos problemas é que nem todo mundo acredita que a Cheonan foi afundada pela Coreia do Norte. Pyongyang tem negado sistematicamente ser a responsável pelo incidente, e tanto a China quanto a Rússia se opuseram a uma resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) responsabilizando a Coreia do Norte.

Em junho, a Rússia enviou uma equipe de especialistas navais para analisar as evidências nas quais a Coreia do Sul baseou as suas acusações. Embora o relatório russo não tenha sido divulgado publicamente, notícias detalhadas que foram publicadas em jornais sul-coreanos disseram que os russos concluíram que é mais provável que o afundamento do navio tenha sido provocado por uma mina do que por um torpedo. Eles concluíram também que o navio encalhou antes da explosão e que ele aparentemente emaranhou-se em uma rede de pesca, que pode ter puxado para cima uma mina que explodiu o casco do navio.

A Coreia do Sul não se referiu oficialmente às conclusões russas. Quando eu perguntei a um amigo russo que está em uma posição privilegiada por que o relatório não foi publicamente divulgado, ele respondeu: “Porque a divulgação do relatório causaria grandes danos políticos ao presidente Lee Myung-bak e embaraçaria o presidente Barack Obama”.

Declarações recentes de autoridades graduadas dos Estados Unidos em Washington continuam responsabilizando Kim pelo afundamento da fragata Cheonan. Segundo os norte-americanos, o suposto ataque teria sido desfechado para reiterar a determinação da família que governa a Coreia do Norte, quando ela se prepara para mais uma transição de poder.

Mas, qualquer que seja o impacto das manobras militares, das sanções econômicas e dos ataques verbais, aqueles indivíduos em Washington e em Seul que estão contando com um colapso do regime Kim acabarão desapontados. A China não deixará que isso aconteça.
A China pode não estar satisfeita com uma Coreia do Norte nuclearmente armada, mas Pequim preocupa-se muito mais com a instabilidade na Península Coreana.

Pressionar anda mais Pyongyang só fortalecerá a sua dependência da China. A frequência cada vez maior das viagens de Kim Jong-il à China e a forma calorosa como ele é recebido são sinais claros desta tendência.

É também provável que as pressões norte-americanas provoquem ainda mais desconfiança e hostilidade em relação aos Estados Unidos em Kim Jong-un, que tem entre 20 e 30 anos de idade e sobre quem não se sabe muita coisa.

As interpretações conflitantes do afundamento da fragata Cheonan continuam se constituindo em um fator central para qualquer medida no sentido de promover uma mudança de rota com o objetivo de lidar de forma mais efetiva com a Coreia do Norte no que se refere a questões críticas, como a desnuclearização da Península Coreana. Detalhes sobre a investigação sul-coreana da tragédia da fragata Cheonan não foram divulgadas publicamente, e a oposição às conclusões desta investigação está ficando mais forte em Seul.

Nós não sabemos ainda se Carter discutiu a questão da fragata Cheonan quando esteve em Pyongyang. Sabemos que o ex-presidente dos Estados Unidos é respeitado na Coreia do Norte por ter mantido uma conversa amável e útil com Kim Il-sung, o primeiro líder norte-coreano, em 1994. Assim, é provável que ele tenha ouvido dos líderes norte-coreanos a outra versão sobre o que teria ocorrido. Durante as minhas próprias reuniões no decorrer dos anos com autoridades norte-coreanas, eu percebi que elas são francas e articuladas ao expressarem as posições do seu governo.

Portanto, eu acredito que Carter, conhecido pela sua independência e disposição de entrar em controvérsias, possa ter retornado para casa com algo mais do que Gomes. As informações que ele teria obtido durante as suas conversas com autoridades norte-coreanas graduadas deveriam coincidir com a percepção emergente do governo Obama de que a sua atual posição em relação à Coreia do Norte, marcada por sanções e hostilidade, está tendo pouco impacto positivo, e de que um retorno a alguma forma de diálogo com Pyongyang precisa ser cogitado.

Stephen Bosworth, um ex-embaixador dos Estados Unidos em Seul que atualmente é o enviado especial norte-americano para questões norte-coreanas, há muito defende mais diálogo com Pyongyang. Existe também um entendimento crescente em Washington de que um atrito com a China é um preço caro demais a se pagar por pressões exercidas sobre Pyongyang.

Assim, a Casa Branca, ao decidir enviar Carter neste momento, pode merecer elogios por procurar modificar a sua posição hostil em relação à Coreia do Norte e buscar uma política mais efetiva.

(Donald P. Gregg foi assessor de segurança nacional do vice-presidente George H. W. Bush, de 1982 a 1988, embaixador dos Estados Unidos na Coreia do Sul de 1989 e 1993, e atualmente é diretor emérito da Sociedade Coreana).

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