sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A equipe da revista Veja São Paulo acompanhou a rotina da ROTA

Batalhão sofreu ataques contra seu comandante e sua sede

Na terça, o tenente-coronel Paulo Adriano Telhada colocou sobre a palma de sua mão os fragmentos do episódio que por pouco não acabou em tragédia. Com o olhar absorto, ele passeou os dedos pelas onze peças douradas e retorcidas guardadas em um saco plástico e mantidas sob os cuidados do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Foi a segunda vez que o comandante e os projéteis destinados a lhe tirar a vida se encontraram.

A primeira havia sido na manhã de sábado (31), quando uma dupla de criminosos embicou um automóvel Corsa em frente à Pajero TR4 que Telhada manobrava na própria casa, na Zona Norte. “Foi o tempo de ver a pistola e abaixar”, afirma um dos homens mais visados da Polícia Militar paulista.

Desde maio de 2009, ele comanda as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), espécie de tropa de elite da PM. O grupo é conhecido pela disciplina rígida, pelo histórico de enfrentamentos com mortes e por ser constantemente solicitado pelos batalhões locais em situações de grande risco. No último fim de semana, incorporou dois incidentes até então inéditos à sua trajetória: um atentado a seu chefe e outro à sua sede, o quartel na Avenida Tiradentes, no centro. Apenas quinze horas separaram os ataques. A única morte registrada foi a de Frank Ligieri Sons, acusado de disparar contra o edifício da Rota.

A identificação dos bandidos e a hipótese de ambas as investidas terem sido organizadas por uma facção criminosa ainda estão sendo investigadas pela polícia. Para Telhada, elas foram motivadas pela própria atuação da Rota. Entre as ações que teriam desencadeado os ataques, o coronel enumera as que considera principais: a prisão de Alexandre Campos dos Santos, o Jiló, tido como tesoureiro do grupo, durante uma operação na favela Monte Azul, na Zona Sul, no ano passado; a detenção de duas pessoas portando treze fuzis antiaéreos na Zona Leste; e o flagrante, no mês passado, de 600 000 reais em espécie reservados para a compra de armamentos. “O problema não é só a facção, mas grupos ligados ao tráfico que também estão agindo”, diz.

Desde que o comandante assumiu o batalhão, 95 pessoas foram mortas por policiais sob seu comando, segundo os arquivos da Rota, que não trazem registro de civis feridos neste ano, indício de que seus tiros são certeiros. “Se for para alguém chorar, que seja a mãe do delinquente, não a minha”, afirma Telhada. Dentro da corporação, a Rota representa o posto mais almejado por quem gosta de atuar nas ruas. “O resto é escolinha”, provoca um dos militares.

Disparos fatais

Atualmente, 670 homens integram o quadro. Deveriam ser 800, mas, de acordo com o tenente-coronel, não há profissionais qualificados o bastante para que as vagas sejam preenchidas. Na Grande São Paulo, a PM conta com 36 436 homens. Todos os meses, são encaminhadas cerca de 100 solicitações de transferência de outros batalhões para a Rota. A remuneração é a mesma do restante da PM, com iniciais 2 170 reais. Na unidade, o salário mais alto é o do comandante, 11 500 reais.

Antes de serem aprovados para um período de estágio, os candidatos têm seu histórico minuciosamente examinado. A preferência é por aqueles com poucos registros de ocorrências com morte, já que na Rota esse número tende a crescer. Aprovados, passam por um aprendizado intensivo de 45 dias e por um período de experiência que varia caso a caso, mas tem duração média de quatro meses. “A gente bate o olho e sabe se o cara tem o perfil”, diz o soldado Antônio Laércio, há cinco anos na tropa. “Muitos têm dificuldade de se adaptar à doutrina” — palavra constantemente usada pelo grupo.

Dos que adentram o quartel, apenas 40% ficam. Contam-se casos de policiais que chegaram num dia e pediram para ir embora no seguinte. Síndrome do pânico, depressão e úlceras são transtornos frequentes. A copeira Ernestina Rodrigues de Oliveira, a Tina, que há vinte anos serve o café da manhã, assume o papel de psicóloga e mãe. “O mais difícil é quando morre um colega”, diz ela.

É com os companheiros de quartel que eles compartilham suas angústias: quando cruzam o portão para o lado de fora, guardam aflições e culpas para si. Não contam nada à família, que deve ser preservada de preocupações, além de servir como distração e válvula de escape do stress cotidiano. Quando a situação aperta, porém, os policiais recorrem a um grupo de psicólogos que atende a PM.

O tenente André da Silva Rosa garante que o preconceito em solicitar ajuda profissional é coisa do passado. Ele mesmo se submeteu a sessões de análise e aprovou a experiência. “Sem controle emocional, não temos como usar nosso equipamento”, afirma, referindo- se à pistola presa ao cinto e aos fuzis e metralhadoras que carregam durante as rondas. Há duas semanas, porém, Silva Rosa está afastado das ruas. Envolveu-se em uma ocorrência em que uma pessoa foi morta e, “para esfriar a cabeça”, vai trabalhar no quartel por cerca de um mês. Afastamento temporário tornou-se prática comum para evitar que as situações de violência se agravem. Sua duração, ou até mesmo a necessidade de transferir o policial para outro setor, varia. De modo geral, quem acumula três mortes no período de um ano extrapola o parâmetro admitido.

Armas em punho na última quarta: policiais revistam pedestres

Patrulhar consome ao menos oito horas da jornada de doze, seguida por 36 horas de descanso. A reportagem de VEJA SÃO PAULO embarcou numa viatura para acompanhar o trabalho da Rota, na última quarta. Das 129 Blazers da tropa, com cerca de cinco anos de uso cada uma, nenhuma é blindada, nem mesmo no parabrisa. Para abrir passagem entre os carros, o motorista chacoalha a viatura para os lados sem parar. No banco de trás, dois policiais se revezam na tarefa de consultar o guia de ruas e a lista de veículos roubados, enquanto o chefe da equipe, no banco do passageiro, assume a comunicação via rádio. Descem do carro com armas apontadas para o suspeito, ainda que não haja indício de delito. Nenhum dos dois veículos parados na presença da reportagem estava irregular. Para os policiais, porém, qualquer movimento, como mudar de pista ou assustar-se com a presença deles, justifica a abordagem “A gente trabalha conforme a atitude do outro”, diz o soldado Marcelo Liguori.

Pouco antes do meio-dia, chega pelo rádio a informação de que uma agência do HSBC na Penha, Zona Leste, estava sendo assaltada, com clientes e funcionários mantidos reféns. A sirene embalou a arrancada, que incluiu percursos na contramão, sobre a calçada e independentemente de semáforos. Ao estacionarem, os policiais pegaram os escudos no porta-malas e seguiram para a entrada do banco. A reportagem, munida de colete à prova de balas, foi instruída a manter-se agachada no banco traseiro. Após meia hora de negociação, quatro criminosos se entregaram, liberando reféns. Ao menos dois fugiram.

Quando a reportagem reencontrou os policiais, o clima era de euforia. “Para nós, dia bom é com adrenalina”, disse o tenente Marcelo Bernoldi. Embrenhados nas franjas da cidade ou madrugada adentro, é difícil controlar sua atuação. “Recebemos denúncias de abusos tanto da Rota quanto da PM, como invasão de domicílio, tortura e espancamento”, afirma o ouvidor da polícia, Luiz Gonzaga Dantas. “Parte das mortes causadas por policiais é registrada como resistência seguida de morte, o que acoberta excessos.” Segundo ele, há investigações sobre grupos de extermínio formados por policiais atuando na Zona Norte da cidade.

Integrantes da Rota demonstram orgulho e devoção pela unidade. Um dos maiores expoentes dessa postura é o próprio comandante Telhada, que ostenta um anel da Rota e tem tatuado no braço o símbolo do grupo junto aos nomes dos dois filhos. “Isso aqui é a minha vida”, conta ele, que serviu por seis anos no batalhão, entre 1986 e 1992. Essa passagem, afirmam seus subordinados, foi determinante para que compreendesse bem a tropa e se tornasse um dos comandantes mais respeitados na PM. Ganhou fama pela quantidade de ocorrências, pelas adversidades que marcaram sua trajetória, pela fala direta e por bater boca com colegas e superiores. No início desta década, atuou como segurança do apresentador Gugu Liberato.

Entre os episódios mais polêmicos em que se envolveu, estão a morte de um garoto de 12 anos acusado de roubo, em 1989, um tiroteio na Avenida Doutor Arnaldo, no Sumaré, em que três suspeitos de roubo foram mortos, em 1996, e o disparo contra um acusado de roubar um flat na Rua Padre João Manoel, no Jardim Paulistano, em 2008. No ano seguinte, reagiu com surpresa ao ser convidado para dirigir o grupo ao qual achou que nunca mais retornaria. Membro da Congregação Cristã do Brasil, toca clarineta na igreja e baixo em casa, onde é acompanhado pelo saxofone do filho e pelo teclado da filha. Não sai desarmado nem para ir ao templo. Quando os criminosos o surpreenderam, tinha uma pistola consigo, mas não conseguiu usá-la. Apenas mergulhou no escuro do interior do próprio carro.

“Fiquei ali enquanto atiravam, esperando para ver onde ia doer primeiro.” Seu maior medo foi morrer sem poder efetuar um único disparo. Saiu do veículo quando os criminosos fugiam e não conseguiu anotar a placa. “Penso no que estariam falando de mim se eu estivesse morto”, afirma. “No mínimo, que eu mereci. A culpa é sempre do policial.”

Números da polícia de elite

670 policiais integram a Rota

800 é o número de vagas no batalhão

2 170 reais é o salário inicial, o mesmo da PM

45 278 suspeitos foram abordados no primeiro semestre deste ano

29 681 carros foram vistoriados desde janeiro

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