quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Entrevista histórica: Arafat pede socorro à comunidade internacional

Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato concedida em 2004, quando estava preso em seu quartel-general, Arafat denunciou o massacre do povo palestino

O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, denuncia o massacre do qual o povo palestino é vítima. Segundo ele, desde 2001, foram 73 mil pessoas mortas e feridas por soldados israelenses. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Arafat, prêmio Nobel da Paz em 1994, condena a política do primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, acusado de cometer um crime contra a humanidade. Para deter o massacre, diz, a comunidade internacional precisa mobilizar-se. Impedido de sair há três anos de seu quartel-general, que está em ruínas e sob constante ataque de soldados israelenses, ele acredita que a paz ainda pode ser construída e alcançada na região.

Quem é


Yasser Arafat é o presidente da Autoridade Nacional Palestina. Prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com o então primeiro-ministro de Israel, Itzakh Rabin, ele lidera as negociações para acabar com a ocupação israelense nos territórios palestinos desde 1969. Em 1988, ele aconselhou o povo da Palestina a renunciar à luta armada contra israelenses e, em 1996, foi eleito presidente da Palestina. Em declarações recentes, o primeiro-ministro israelense, Ariel Sharon, disse que Arafat era um risco para a segurança de Israel e que, por isso, poderia ser eliminado.

Brasil de Fato - A população israelense, a não ser uma ínfima minoria, se cala quanto à violência que o governo de Sharon promove na Palestina. O que falta para surgir um grande movimento em Israel que se oponha à ocupação?


Yasser Arafat - Em Tel Aviv, no dia 15, ocorreu uma manifestação com mais de 150 mil pessoas, todas israelenses. Querem a paz, e por isso sempre temos contato com elas, mostrando o que se passa com o povo palestino e denunciando a política de Sharon. O grupo que governa Israel hoje é extremista e não quer o diálogo, mas sim interromper as negociações e matar todos os que tentarem impedi-los de ter o domínio total do território. É o grupo que assassinou o primeiro-ministro israelense Itzakh Rabin. É o mesmo grupo que promove um massacre cotidiano da população palestina nos territórios ocupados. É o mesmo grupo que destrói qualquer uma de nossas tentativas de criar um Estado palestino.

BF - Milhares de casas destruídas, plantações queimadas, pessoas assassinadas. A violência do exército de Israel não tem limites?

Arafat- Não respeitam nem mesmo lugares sagrados. Na Semana Santa, soldados israelenses atacaram a Igreja do Santo Sepulcro, que está em território palestino, e destruíram parte do local, considerado sagrado para muçulmanos e católicos. Os soldados não permitem que os muçulmanos entrem em Jerusalém para orar. Perto de Ramallah, havia a igreja mais antiga do mundo, chamada Santa Bárbara, que foi completamente dinamitada pelos soldados. E qual era a explicação? Mais tarde descobrimos que destruíram a igreja mais antiga do mundo para construir parte do muro que isola a população palestina. Infelizmente, não houve protestos internacionais contra isso. Lembra quando os talebans explodiram aquelas imagens de Buda (no Afeganistão, em março de 2001)? Naquele momento, houve protestos em todo o mundo. Como isso pode ser aceito pelo mundo?

BF - A comunidade internacional, salvo em algumas ocasiões, não ousa denunciar o governo israelense, muito por medo do apoio que Sharon recebe do governo dos Estados Unidos. O que os governantes de outros países dizem para o senhor? Como justificam suas posições?

Arafat- O presidente estadunidense, George W. Bush, justificou o ataque ao Iraque, acusando o governo do país de possuir armas de destruição em massa. Segundo pesquisas estadunidenses, o governo israelense usa e abusa de armas químicas, especialmente urânio, contra a população palestina. Outros estudos chegaram ao mesmo resultado. As conseqüências das armas químicas israelenses são quase idênticas às das bombas atômicas de Nagasaki e Hiroshima. Infelizmente não há protesto internacional contra isso. O governo de Israel constrói um muro que confisca terras - 58% das terras palestinas na Cisjordânia - e cria pequenos guetos de populações, cercados e controlados militarmente, e a comunidade internacional se cala. Nas condições atuais, e sob ataque constante de Israel, não dá para criar um Estado. Em todas as declarações das autoridades palestinas, incluindo as minhas, apontamos nossa vontade de criar a paz e cooperar para construí-la. Enquanto falamos de paz, os soldados israelenses confiscam ou arrasam nossas melhores terras.

BF - A grande mídia diz que a ofensiva em Rafa é a pior de todos os tempos.

Arafat- A destruição é quase total. Casas, vidas, tudo se perde. Agora falam de uma possível retirada, mas é uma grande mentira. Falam da retirada de "algumas" posições militares, mas não todas. Diziam que não mais atacariam, mas a metade da cidade de Rafa está destruída. Dezenas de pessoas morreram. Sharon declara publicamente que continuará a destruir casas em Rafa, mesmo contra decisões da Organização das Nações Unidas (ONU), e a separar cada vez mais a Cisjordânia de Gaza. Também propõe dividir a Faixa de Gaza em três partes, desconectadas umas das outras, além de manter o controle sobre palestinos por terra, mar e ar. Gaza se transformou em uma grande prisão, com todos os níveis de terror que isso gera. Até o momento, 80% das terras cultiváveis de Gaza foram destruídas. Quem pode aceitar isso? Infelizmente, não há suficientes protestos internacionais. Nos últimos três anos e meio, temos 73 mil pessoas mortas ou feridas. Dos feridos, 31% são crianças. O número de inválidos cresce a cada dia, e hoje representa 38% dos feridos. Também não há protestos internacionais. Além disso, o governo israelense adota uma política de confiscar todas as arrecadações tributárias destinadas às autoridades palestinas. Não temos como manter nossas escolas e hospitais funcionando. A vida cotidiana de nosso povo se torna quase impossível. A destruição dos prédios públicos é quase total, temos que reconstruir tudo. E quando reconstruímos, eles atacam de novo.

BF - O senhor vive isolado, no meio de prédios totalmente destruídos. É assim a vida dos palestinos hoje?

Arafat - Estou há três anos isolado, vivendo no meio de uma destruição indescritível e sob ataque constante, e sou o presidente eleito. A situação do povo é muito pior. Três mil observadores internacionais acompanharam a eleição e concluíram que era legítima. Mas isso nada vale para os soldados israelenses que intensificam a violência contra nosso povo. É um castigo coletivo imposto ao nosso povo. O que pedimos é o cumprimento das decisões internacionais, que indicam a necessidade de se criar um Estado palestino soberano, com base em acordos que assinamos com o governo israelense. São milhares de acordos e resoluções assinadas e aceitas, tanto por nós quanto por israelenses, que nunca foram cumpridos. Alguns deles firmados com o próprio Sharon, quando ele era ministro (das Relações Exteriores), em 1998. Posso enumerar cada um deles, e o mundo sabe que nenhum foi cumprido. O governo israelense quer construir a paz só no discurso, pois tem uma política de guerra e massacre. A destruição ocorre sem parar, acompanhada do terror, em Gaza e na Cisjordânia.

BF - As negociações não funcionaram. Como os palestinos e as pessoas solidárias à luta contra a ocupação israelense podem ajudar a acabar com o massacre?

Arafat- A comunidade internacional precisa se mobilizar. Estamos sendo massacrados e pedimos socorro. O mundo não aceitou o Muro de Berlim, e o Muro foi destruído. É preciso criar uma rede internacional para derrubar o muro que o governo israelense constrói. As resoluções da ONU existem; por que não mandam ajuda militar, que seja? Mandam tropas para diversos países, e por que não para a Palestina também? A comunidade internacional precisa proteger os campos de refugiados palestinos, isso faz parte dos direitos internacionais. É preciso que haja observadores internacionais para ver o massacre. Não há proteção internacional para nós. Em Belém, quando a cidade foi sitiada, tentaram incendiar uma igreja, patrimônio universal da humanidade, dizendo que havia terroristas escondidos. O governo israelense não respeita a humanidade e é toda a humanidade que precisa detê-lo. E quando pessoas solidárias à luta do povo palestino vêm protestar aqui, muitas vezes são deportadas ou até assassinadas. O governo israelense não respeita as decisões e a vontade da humanidade. É preciso detê-lo.

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