Após o incidente que provocou quatro mortes na fronteira entre Israel e o Líbano, o chefe da milícia xiita, Hassan Nasrallah, quer evitar entrar na escalada que levou à guerra em 2006
Um ar de união sagrada pairava, na quarta-feira (4), nas manchetes da imprensa libanesa. Dos pró-Hezbollah do Al-Akhbar até os nacionalistas árabes do As-Safir, passando pelo An-Nahar – próximo ao atual primeiro-ministro Saad Hariri - , quase todos os jornais celebravam a valentia dos soldados.
No combate da véspera com o exército israelense, que custou a vida de três libaneses (entre os quais dois militares) e de um oficial israelense, esses soldados pagaram “com sangue”, defenderam “pelo martírio” a integridade do território, e resistiram à “agressão israelense”, escreveram os jornais. Mesma unanimidade entre os políticos, que de repente se reuniram em torno do “heroísmo” dos soldados, ainda que normalmente não se suportem.
O anúncio feito pela Finul (Força Interina das Nações Unidas no Líbano), de que a árvore que serviu de pretexto para o início das hostilidades se encontrava em território israelense, não abalou essa bela união. Os dirigentes libaneses acreditam que o exército israelense, que quer cortar a árvore em questão para melhorar a visibilidade, não tinha que estar nessa zona, que sua soberania é – na melhor das hipóteses – controversa, e que sua presença, ao alcance do ouvido dos soldados libaneses, equivalia a uma provocação.
Por trás desse consenso, totalmente artificial, um suspiro de alívio é perceptível, ligado à moderação do Hezbollah, que não tomou parte dos confrontos de terça-feira. Se a milícia xiita tivesse decidido ir à guerra, como em 2006, a imprensa não teria se alinhado tão facilmente. Certamente o Partido de Deus teria sido criticado por desviar a atenção do Tribunal Especial para o Líbano (TEL), que investiga o assassinato, ocorrido em 2005, do ex-primeiro-ministro Rafiq Hariri e que, nos próximos meses, poderá acusar dois membros do Hezbollah.
Seus adversários não hesitariam em insinuar que a milícia xiita faz o jogo de Bashar al-Assad, o presidente sírio, que alertava, no domingo (1º), sobre os crescentes riscos de guerra na região. Ou então que ela busca se opor à dinâmica ocidental em favor de um aumento das sanções contra o Irã. “Devo confessar que nesse dia levei em conta esse tipo de pensamento”, disse Hassan Nasrallah, na mesma noite do incidente na fronteira. “Se as coisas tivessem evoluído, o que teríamos feito? Não sei. Houve uma interrupção e o exército representa o sacrifício e a coragem. Mas devo dizer ao inimigo que, se ele usar o exército novamente, nós o cortaremos”. Outro fator explicativo, esse não dito, por Hassan Nasrallah: o medo de uma reedição da escalada que levou à guerra de 2006. Se as tropas israelenses tivessem enfrentado não o exército regular libanês, mas os militantes do Hezbollah, certamente teria agido com muito mais brutalidade.
Em quatro anos, se impôs no Oriente Médio a ideia de que uma nova guerra entre o Estado judaico e a milícia xiita poderia rapidamente assumir proporções inéditas e mergulharia toda a região no desconhecido. “Se as hostilidades estourarem, Israel vai querer revidar rápido e forte para evitar que se repita o cenário de 2006,” afirma um relatório do International Crisis Group (ICG), um centro de análises, publicado um dia antes do incidente ao sul do Líbano. “É provável que ele busque menos do que no passado distinguir entre o Hezbollah e o governo libanês, do qual o movimento xiita é parte integrante. O risco de ele atacar a Síria é mais elevado, tanto por ela ser um alvo vulnerável, quanto por se tratar do principal fornecedor de ajuda militar e logística do Hezbollah. “
Por ora, o fantasma de um conflito generalizado modera os ânimos dos dois lados. Mas seus “produtos derivados” – corrida armamentista, guerra de palavras, mobilização a cada instante – corroem paradoxalmente esse poder dissuasivo. O risco de uma derrapagem é ainda maior visto que Israel e o Hezbollah não dispõem nem de canais eficazes de comunicação, nem de regras tacitamente acordadas, que possam corrigir os erros de percepção.
Há alguns meses, a temperatura vem subindo na zona intermediária na linha azul, a fronteira internacional entre os dois países. Na terça-feira (3), a questão era uma árvore, e no fim de junho foi um pastor capturado pelo exército israelense antes de ser entregue às forças de paz da Finul. Há também os sobrevoos de Beirute pela aviação israelense, na qual a defesa aérea libanesa atira regularmente.
São incidentes, motivos em potencial para uma escalada da violência, que nunca realmente terá um fim enquanto as grandes questões, como a ocupação israelense do Golã sírio, não forem resolvidas. “O mundo precisa cruzar os dedos para que o medo de um conflito catastrófico continue a ser razão suficiente para que nenhum dos dois lados provoque uma guerra”, conclui o ICG.
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