segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Beirute, o paraíso dos espiões
Chemlan é um bonito vilarejo nas montanhas libanesas, com bosques de pinheiro. Mas não ficou famoso por sua paisagem arborizada ou por suas belas casas rodeadas de jardins, e sim por sua escola, a de maior prestígio do Oriente Médio, onde se ensinava árabe para estrangeiros. Foi lá que estudaram muitos espiões do mundo inteiro. A escola foi fechada há anos, no início da guerra civil, mas Beirute continua sendo um local propício para os espiões, com ou sem Guerra Fria.
No Líbano, os espiões, agentes duplos ou triplos, membros dos serviços secretos ou mujabarat, como se diz em árabe, atuam com toda liberdade, aproveitando a fraqueza do Estado, a fragmentação das identidades religiosas, as profundas ingerências estrangeiras. A história complexa de seus conflitos bélicos, das súbitas mudanças de alianças dos senhores da guerra, das alternâncias de excitação violenta com tempos de bonança, só podem ser vistas através da poderosa ação subterrânea e criminosa de suas redes de espionagem.
Houve uma época em que, no oeste de Beirute, onde vivia um punhado de jornalistas estrangeiros, era comum perguntar: “Quem é quem na cidade?”. Todo mundo suspeitava que os correspondentes desempenhavam outras atividades. Um belo dia, cansado de perguntas, ocorreu-me dizer: “sim, eu sou o agente dos serviços secretos do principado de Andorra”...
Nenhum magnicídio, seja de chefe de Estado, primeiro-ministro, embaixador, chefe de milícias, e nenhum atentado, por fatal e escandaloso que tenha sido, foi esclarecido. Seus autores trabalham com absoluta impunidade uma vez que as pistas, os indícios, as investigações se emaranham tanto que é impossível, por fim, identificá-las. Abu Iyad, que foi o homem de confiança de Yasser Arafat no apogeu da OLP, declarou em Beirute na década de 70 que “muitos atentados a bomba, assassinatos, sequestros, não eram nada mais do que um aspecto da guerra dos serviços secretos, um meio para manter vivo um conflito, por parte daqueles que buscam prolongá-lo.”
O final da Guerra Fria não acabou com a atividade multiforme, às vezes inapreensível, dos serviços de espionagem. Pelo contrário, os conflitos no Oriente Médio aumentaram e se agravaram, contradizendo todas aquelas teorias ocidentais ingênuas que proclamavam, rufando tambores, o final da história. Se alguns ficaram mais discretos ou perderam força, por causa das sacudidas históricas internacionais, outros ganharam mais vigor, como o do Hezbollah e Israel em sua guerra secreta neste território estratégico, a disputada varanda do Irã para o Mediterrâneo.
Cinco anos depois do atentado contra o ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, protegido pela Arábia Saudita, e antigo aliado da Síria até fazer frente ao regime de Bashar el Asad, o Tribunal Especial para o Líbano ainda não redigiu sua ata de acusação.
Diante das insistentes especulações de que membros do Hezbollah poderiam estar comprometidos com o atentado, seu secretário-geral, o xeque Nasrallah, divulgou vídeos gravados a partir de aviões israelenses do itinerário em Beirute pouco antes do atentado em 14 de fevereiro contra o comboio de Hariri, captados por seu próprio sistema de vigilância; revelou informes de espiões detidos, contratados pelo Mossad, que não foram levados em conta pelo Tribunal na instrução do sumário; tratou de demonstrar com estes indícios, mais do que provas, a cumplicidade de Israel no dito ataque. Como parte das investigações judiciais se basearam em ligações de misteriosos telefones celulares, usados por chefes da segurança libanesa ou do serviço de inteligência do Hezbollah, antes da explosão, tentou persuadir, em meio ao que ele mesmo chamou de “guerra de opinião pública”, que este tribunal é imparcial por não levar em conta a pista israelense.
A guerra entre Israel e o Hezbollah é uma guerra mortal. No Líbano, desde o ano passado, foram detidos mais de 150 agentes, entre eles um general aposentado, vinculados ao Mossad. E os serviços de contraespionagem israelenses descobriram que o Hezbollah havia conseguido que árabes de nacionalidade israelense oferecessem informações sobre o general Gabi Askenazi, chefe do Estado Maior do Tsahal.
Muitos países têm seus agentes secretos nesta capital. Numerosas embaixadas – e até um consulado honorário da República de San Marino! - contam com agregados diplomáticos, membros camuflados dos serviços de inteligência. Beirute, vulnerável e sensual, é o infernal paraíso dos espiões.
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