Os boatos simplesmente não desaparecem. Periodicamente, figuras lendárias do passado da Polônia são acusadas de colaborar com a polícia secreta comunista. Na segunda-feira (23/06), o mais recente desses rumores chegou às livrarias polonesas: um livro de 780 páginas que supostamente prova que o líder do sindicato de trabalhadores Solidariedade e ex-presidente polonês Lech Walesa foi informante da polícia secreta de 1970 a 1976.
As alegações não são novas. Em 2000, Walesa ganhou o primeiro de vários processos na justiça contra pessoas que alegavam que ele foi espião. Mas os autores de "O Serviço Secreto e Lech Walesa", ambos historiadores do Instituto da Memória Nacional, ou IPN, uma instituição governamental, afirmam que descobriram novos e fortes indícios de que Walesa colaborou com autoridades comunistas usando o codinome "Bolek".
Várias pessoas manifestaram-se em favor de Walesa, influindo ex-agentes da polícia secreta, que dizem que os seus arquivos eram rotineiramente falsificados. Uma vice-diretora do IPN, Maria Dmochowksa, disse publicamente que o livro faz parte de uma caça às bruxas e que ele não deveria ser publicado sob o nome do instituto.
Além do mais, o líder do IPN, Janusz Kurtyka, foi acusado de ter fortes vínculos com o presidente polonês Lech Kaczynski e com o irmão gêmeo deste, o ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski. Os Kaczynski criaram muita agitação na Polônia ao perseguirem agressivamente ex-figurões do Partido Comunista no país, e há muito tempo são adversários de Walesa.
"Der Spiegel" conversou com Slawomir Cenckiewicz, um dos autores do livro, a respeito das provas e da controvérsia.
Spiegel - Nesta segunda-feira, o livro de vocês, "O Serviço Secreto e Lech Walesa", chegou às livrarias. Ele já gerou uma intensa polêmica. Nele, você e o co-autor Piotr Gontarczyk alegam que o herói do movimento de reforma da Polônia colaborou com a polícia secreta na década de 1970. Vocês têm provas disso?
Cenckiewicz - Nós fornecemos provas claras no nosso livro, incluindo fichas de registro, anotações, notas da polícia secreta e relatórios feitos pelo informante conhecido como "Bolek". Existem provas irrefutáveis de que Lech Walesa foi colaborador da polícia secreta sob esse codinome de 1970 a 1976.
Spiegel - Walesa nega enfaticamente essa acusação, e afirma que o arquivo Bolek é uma fraude. Como é que vocês podem ter certeza de que a polícia secreta não fabricou esses documentos para prejudicar a imagem do líder sindical?
Cenckiewicz - Conhecemos os métodos da polícia secreta e a forma como eram gerenciados os arquivos e registros - é assim que sabemos. Também descobrimos indícios do arquivo Bolek citados em outros arquivos.
Spiegel - Mas esses arquivos também poderiam ter sido forjados.
Cenckiewicz - Esses arquivos ainda trazem os carimbos originais e é possível provar que eles não foram abertos desde a década de 1970. Estamos convictos de que não houve nenhuma manipulação.
Spiegel - Assumindo por um momento que Walesa tenha sido de fato Bolek, conforme vocês alegam, qual a dimensão do estrago que ele teria feito?
Cenckiewicz - Nós descrevemos o que aconteceu com as pessoas sobre as quais Bolek forneceu informações. Descobrimos sete destes casos. Os outros foram destruídos ou roubados dos arquivos. Mas não há dúvida de que Bolek prestou informações sobre mais de 20 pessoas que mais tarde foram alvos de assédio ou opressão.
Spiegel - Segundo uma pesquisa recente, mais de 40% dos poloneses acreditam que Walesa pode ter sido informante da polícia secreta. Mas a maioria ainda afirma que isso não diminui a importância das suas realizações. Será que temos que reavaliar o legado desse lendário sindicalista?
Cenckiewicz - Nós somos historiadores e acima de tudo desejamos escrever a respeito do que aconteceu. O nosso livro não lida com legados. Além disso o nosso objetivo não foi destruir uma figura legendária. Nós consideramos Walesa um símbolo nacional. Ele liderou o Solidariedade e continua sendo um ícone. Mas ele também trabalhou junto à polícia secreta sob o codinome Bolek. A verdade nem sempre é apenas em preto e branco.
Spiegel - Em 1976 a polícia secreta decidiu deixar de trabalhar com o informante Bolek porque ele não estava mais cooperando o suficiente. Mas Walesa era um perigo enorme para todo o sistema comunista na década de 1980: ele liderou o sindicato Solidariedade e ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1983. Não teria sido fácil para a polícia secreta divulgar os arquivos dele a fim de embaraçar Walesa perante os indivíduos que o apoiavam no exterior?
Cenckiewicz - Nos anos oitenta a polícia secreta tentou fazer isso, mas a estratégia não funcionou.
Spiegel - Por que não, se as provas são tão claras quanto vocês alegam?
Cenckiewicz - Walesa era um herói nacional, um verdadeiro ícone. A grande maioria dos poloneses não acreditava em uma só palavra dita pelas autoridades. Para o povo, tudo o que a mídia oficial dizia sobre Walesa não passava de manipulação por parte das autoridades comunistas.
Spiegel - A outra forte alegação no livro de vocês é a de que Walesa tentou limpar o seu arquivo quando foi presidente da Polônia, no início da década de 1990.
Cenckiewicz - Para mim este é o capítulo mais triste dessa história. Ele foi o primeiro chefe de Estado polonês escolhido através de eleições livres desde a Segunda Guerra Mundial, mas usou o seu cargo para remover arquivos incriminadores da polícia secreta.
Spiegel - Walesa também negou veementemente esta acusação. Que prova vocês têm de que ele fez isso, ou pelo menos que ordenou que isso fosse feito?
Cenckiewicz - Alguns dos documentos trazem a sua assinatura, uma data e a nota "Eu peguei este arquivo emprestado". Outros trazem a assinatura de algum dos seus subordinados próximos, por exemplo, o ex-ministro do Interior, Andrzej Milczanowski, solicitando os documentos em nome dele. Walesa endossou os pedidos. Mas tarde constatou-se que alguns dos arquivos foram devolvidos incompletos. O novo serviço secreto pós-comunista não deixou de tomar nota disso.
Spiegel - Há muito tempo os poloneses discutem como a queda do comunismo deveria ser lembrada. Os aliados dos gêmeos Kaczynski argumentam que o país perdeu a chance de confrontar o passado da sua polícia secreta, e que isso fez com que velhas redes fossem recriadas na nova Polônia. Vocês temem que o seu livro seja politizado como parte desse debate?
Cenckiewicz - Nós não participamos de tais discussões, rejeitamos conversas com políticos e fazemos tudo o que é possível para nos mantermos fora do debate político. Em um novo livro, dois historiadores poloneses publicam aquilo que dizem ser a prova de que o herói do Solidariedade colaborou com a polícia secreta da era comunista - e que tentou esconder este fato décadas depois.
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