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terça-feira, 10 de julho de 2012

Rússia e China iniciam disputa estratégica por Chipre


Localização do Chipre (em vermelho)
Em um canto do leste do Mediterrâneo, com água até o pescoço por causa da recessão, Chipre não sabe muito bem para onde olhar. Leste ou oeste, Pequim ou Bruxelas? Israel, com quem divide grandes reservas de gás natural, ou Grécia, pátria-mãe (e madrasta de boa parte de sua crise)? A solução para essas dúvidas poderia ser confiada a Moscou, de onde tem chegado o apoio para reforçar sua economia, por enquanto: um empréstimo de 2,5 bilhões de euros. Mas, nessa região do mapa, onde também convergem a Síria e Israel, tudo tem um preço – e juros ainda mais altos - , e os cantos das sereias se ouvem em toda parte.

Alguns dias antes de assumir pela primeira vez a presidência da UE, Nicósia pedia ajuda para salvar seu sistema bancário do contágio da dívida grega, tornando-se assim o quinto país resgatado da UE. Algo quase irrelevante em termos globais (considerando que corresponde a 0,5% do PIB da zona do euro), mas também é indício de um futuro incerto, e por isso muitos não descartam um novo empréstimo bilateral russo... ou chinês.

A imagem de Chipre atiçando a cobiça da Rússia e da China tem algo de conto infantil: dois gigantes brigando por uma ervilha. No apetite de Moscou pela ilha, um padrão que começa a se repetir na Grécia, se mesclam considerações tão variadas como os negócios (mais de 25% dos depósitos bancários e um terço dos investimentos estrangeiros são russos), intangíveis – ambos os países são de religião ortodoxa – e velhos ressentimentos da guerra fria... a 40ºC à sombra. Boa parte do establishment cipriota estudou em Moscou e fala russo fluentemente.

Quanto à China, seu desembarque promete ser em grande estilo. Em março foi firmado um acordo para converter o antigo aeroporto de Lárnaca em um centro de 4.000 metros quadrados de distribuição de manufaturados para a Europa, Oriente Médio e África: uma ponta de lança perfeita para lotar meio mundo de tecidos, talharim e quinquilharias. Mas Pequim quer matérias-primas e suas petroleiras pretendem licitar parcelas de exploração do gás natural cipriota.

Assim, à margem da crise, a ilha onde nasceu Afrodite acabou sendo uma cobiçadíssima área de serviço, mas também um polo energético e uma ponte até a Síria. "Chipre é uma colônia offshore da Rússia, com a vantagem adicional de poder fazer negócios no Oriente sem sair da UE, e vice-versa. Mas sua fortaleza era de papel machê e não poderia durar diante do vendaval da crise. A caixa-forte arrebentou, mas se for necessário optar entre o risco econômico e a Síria, persistirá o interesse por Chipre", ironiza um diplomata da UE em Nicósia.

Pelas estradas da ilha, os sinais trilíngues – em grego e turco, idiomas oficiais, e inglês – se misturam com milhares de anúncios em alfabeto cirílico: cabeleireiros, locadoras de vídeo, muitas lojas de bebidas, serviços, compra e venda de imóveis. No sul, nos entornos de Limassol, há uma colônia de 40 mil residentes russos (além de aproximadamente 150 mil turistas por ano). Encontrar matrioshkas, boa vodca e peles acaba sendo tão fácil quanto comprar amuletos azuis contra mau olhado ou balas de goma com aroma de rosas.

"A situação pré-bélica da região tem a ver com a energia: depois de uma grande crise econômica costuma vir uma guerra, e as potências estão se posicionando. Se enquanto isso fizerem negócios, melhor", explica o cientista político Oleg K., em Nicósia. "Há mais de mil empresas russas na ilha; um dos acionistas do Banco de Chipre [um dos que precisam ser recapitalizados] é um multimilionário russo; o sistema fiscal nos beneficia; nem temos de falar grego, nem inglês... Se tivesse de escolher entre um país decadente do leste europeu e uma ilha com 300 dias de sol por ano, o que você escolheria?"

Moscou recebe enormes vantagens, como mostrou em janeiro um preocupante episódio bélico. Um cargueiro fretado pela companhia de armamentos russa Rosoboronexport se viu obrigado a se refugiar de uma tormenta no porto de Limassol, uma espécie de Benidorm eslava. Nos porões viajavam 60 toneladas de munição para Damasco, mas, apesar do embargo de armas decretado pela comunidade internacional, o barco seguiu sua rota até o porto sírio de Tartus, onde Moscou dispõe de sua única base no Mediterrâneo. As tímidas tentativas das autoridades portuárias de conter o frete não deram em nada, qualquer um que menospreze o Kremlin.

A escalada bélica no país árabe e o decidido apoio russo ao regime de Damasco prometem um verão quente. "Os aluguéis estão começando a subir, podemos estar diante de uma segunda edição daquilo que foi Chipre durante a guerra civil libanesa (1975-1990), uma plataforma regional de comunicações, serviços e negócios... nem sempre limpos", explica o jornalista Andreas Parasjos, diretor da publicação "Kathimerini", que menciona com indulgência a mistura de espiões, traficantes e prostitutas eslavas que durante anos animou os dias e as noites de um país que, às seis da tarde – horário inglês, tendo sido uma colônia britânica até 1960 – fecha as portas.

"A presença da Rússia em Chipre já vem de uma década; mas com um cenário incerto na Síria, é provável que Chipre possa estabelecer uma relação triangular com uma infinidade de interesses geopolíticos e econômicos na zona", diz ainda Parasjos. A inclinação para a marginalidade não parece ter diminuído, e as suspeitas de que a ilha também seja um centro de lavagem de dinheiro e um refúgio do crime organizado têm ganhado força.

Dessa forma, Chipre tem se tornado cada vez mais um híbrido entre a cabine dos Irmãos Marx e um barril de pólvora em pleno sol: espiões, mafiosos e cafetões; os russos e os chineses; cada vez mais israelenses – notícias não confirmadas anunciam o desembarque de 30 mil técnicos petroleiros, e outros tantos soldados para protegê-los - , além dos militares britânicos, que com suas duas bases ocupam 3% do território. Na animada concorrência não faltam os parentes pobres: dezenas de milhares de soldados e colonos turcos em 37% do território do país sob domínio de Ancara desde 1974, e que a comunidade internacional não reconhece. A divisão é um problema que a presidência europeia de Chipre deixará de fora da agenda da UE.

Exatamente porque a disputa com a Turquia ficará fora de foco, outros movimentos mais discretos têm recebido mais destaque, como o possível posicionamento financeiro da China. Porque, nessa babel em tamanho bonsai que é Chipre, nem os piores segredos aguentam o silêncio. Um ano atrás, a explosão de um arsenal de armas iranianas confiscadas em 2009 de um barco que se dirigia também à Síria marcou o princípio do fim da inocência. A gestão e a gestação do desastre – uma centena de contêineres com armas expostos durante meses às intempéries, a altas temperaturas – romperam um sistema, como o grego, repleto de favores e clientelas.

Um ano depois, todos os cenários estão sobre a mesa: um resgate maior do que o previsto, novos empréstimos, uma virada inesperada na Síria. Moscou precisa garantir para si uma plataforma naval caso a base de Tartus desapareça. Os russos conjugam negócios e interesses; os chineses não estão ali só para vender miudezas. Portanto, nada que já não tenha se visto em Chipre, uma ilha com múltiplas leituras: a primeira, da maneira como sempre fez.

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