segunda-feira, 16 de julho de 2012

Medo de nova guerra é constante na República Democrática do Congo


Os rebeldes do Movimento de 23 de Março, apoiados por Ruanda, ameaçam a cidade estratégica de Goma

Forças Armadas da República Democrática do Congo (FARDC)
Foram necessários somente alguns dias para que uma rebelião, o Movimento de 23 de Março (23M), se transformasse em máquina de guerra e ameaçasse passar sobre Goma, no extremo leste da República Democrática do Congo (RDC). O grupo, preso há dois meses sobre três montes vulcânicos nos confins do parque natural de Virunga, até então tinha poucos homens e recursos militares. As forças congolesas, que vinham contendo os rebeldes desde abril, se dizem agora subjugadas.

Em Goma, ponto obrigatório de passagem de todas as ondas de violência, guerras e rebeliões que marcaram desde 1996 o fim do ex-Zaire, agora RDC, todos conhecem o cheiro de pânico que acompanha essas acelerações.

Quando Goma cai, é uma nova guerra regional que começa. Foi o que aconteceu em 1996, e novamente em 1998. No meio tempo houve paz e, mais uma vez, no final de 2008, uma rebelião tutsi ressurgiu das cinzas de guerras anteriores. Os rebeldes do Congresso Nacional do Povo (CNDP) estiveram a dois passos de se apoderarem da capital de Kivu do Norte. Um acordo entre a RDC e a Somália conteve a rebelião, na época liderada por Laurent Nkunda. Suas tropas foram integradas ao exército congolês, enquanto em janeiro de 2009 Kigali o colocou em prisão domiciliar, em Ruanda. Kinshasa acabava de comprar a paz por um alto preço.

Os ex-rebeldes do CNDP, “mais fiéis a Kigali do que a Kinshasa”, segundo um analista regional, receberam a oferta do controle de uma ampla parte da região de Kivu, segundo um acordo assinado no dia 23 de março (origem do nome do M23). Cerca de 50% dos comandantes de Kivu haviam saído do CNDP, e seu movimento controlava lucrativas minas na época. Apoiados por Ruanda, eles podiam conduzir operações contra a resistência dos rebeldes hutus, as Forças Democráticas de Libertação de Ruanda (FDLR).

Durante dois anos, esse sistema funcionou. Tropas ruandesas entravam “secretamente para atacar as FDLR”, diz uma fonte que pesquisa a região há quatro anos. Alguns líderes rebeldes hutus foram vítimas de assassinatos direcionados, como o comandante Emmanuel, número quatro de seu exército. Durante esse tempo, Bosco Ntaganda, novo líder do CNDP – um dos maiores criminosos de guerra da região e alvo de um mandado do Tribunal Penal Internacional (TPI) - mandou e desmandou em Goma, sem ser perturbado pelo governo congolês que tanto lhe devia. A começar pela sua preciosa ajuda durante as eleições. Os rebeldes que hoje combatem o governo central na verdade estavam ocupados, em novembro de 2011, em “encher as urnas” em Kivu, a favor do presidente congolês, Joseph Kabila, conta um ex-diretor da missão de observação da União Europeia. Os resultados em Kivu permitiram que Kabila fosse reeleito com 48,5% dos votos durante uma eleição marcada por fraudes e protestos.

Alguns meses mais tarde, esse governo central enfraquecido tomou a iniciativa de dar um fim ao controle do CNDP sobre Kivu. Era um golpe duplo: no plano interno, recuperaria a soberania perdida, ao mesmo tempo em que daria uma prova de boa vontade para o exterior, ao entregar o general Bosco Ntaganda à justiça internacional.

O pacto foi se desintegrando. No início de 2012, Kinshasa ordenou a transferência de oficiais do CNDP para outras partes do país, como meio de desestabilizar o controle deles.

No dia 30 de abril, o general Ntaganda, apelidado “Terminator”, atacou a resistência com 600 a 700 homens, os melhores dentre os 4.000 que o CNDP possuía inicialmente, e tentou uma nova aventura bélica com o apoio de seus padrinhos ruandeses.

Todos os movimentos rebeldes congoleses que tomaram ou ameaçaram Goma em dezesseis anos tinham o mesmo trunfo: o apoio fornecido por Uganda e, sobretudo, por Ruanda. Em Kigali, sempre se negaram esses envolvimentos. Dessa vez, um relatório da ONU, publicado em junho, estabeleceu que foi a partir de Ruanda que uma “ajuda direta”, constituída de armas e recrutas, foi organizada por militares de alta patente, identificados pelos especialistas e infiltrada através da fronteira para formar o M23.

Alguns desses recrutamentos foram realizados sob coação. A Human Rights Watch e a Anistia Internacional reuniram testemunhos que estabeleciam que ex-rebeldes desmobilizados que se recusassem a voltar ao serviço militar eram “assassinados”. Achraf Sebbahi, da Anistia Internacional, se espantou com o fato de, apesar das “graves violações do embargo sobre as armas por parte de Ruanda” com destino ao Congo, o Conselho de Segurança não ter assumido esse caso. “Foi a primeira vez em que o papel de Ruanda esteve tão claro, e desde o início da rebelião”, ressalta um observador regional. Desde então, Bosco Ntaganda foi destituído de seu papel de líder do M23 e substituído pelo coronel Jules Sultani Makenga, por intervenção de Ruanda, designada como fonte do recente reforço dado ao movimento. O M23 havia fracassado pelo menos quatro vezes em tomar o posto fronteiriço crucial de Bunagana. Segundo fontes diversas, os rebeldes agora disporiam de quase 2 mil homens e armas pesadas.

Bunagana caiu nos dias 7 e 8 de julho, bem como Rutshuru, abandonada desde então. O M23 atualmente está se infiltrando na região em diversos eixos, sobretudo em Masisi, bastião dos oficiais tutsi congoleses que lideraram as rebeliões anteriores. Roger Meece, chefe da missão da ONU no Congo, a Monusco, relatou a presença de “militares que falavam em inglês e de combatentes que usavam uniformes diferentes dos da FARDC [o exército congolês] nas fileiras do M23”, segundo um porta-voz da ONU. Estaria o M23 disposto a conduzir a guerra até Goma? Seu líder, o coronel Sultani Makenga, afirma estar pedindo por “negociações” com o governo congolês e pela aplicação dos acordos do dia 23 de março de 2009. “Não acredito que seu objetivo seja atingir Kinshasa e derrubar o governo”, analisa Anneke Van Woudenberg, responsável pelo caso do Congo na Human Rights Watch.

Para atacar Goma, seria preciso um esforço extra dos padrinhos ruandeses, o que jogaria Kigali e Kinshasa para dentro do conflito aberto. “Estamos em um jogo de blefe”, resume um analista regional. “Ninguém quer uma guerra de verdade, a ideia é sobretudo obrigar Kinshasa a negociar para obter novas concessões. É isso que Kigali quer, de qualquer forma, para retomar o controle de parte de Kivu.” Entre Kigali e Kinshasa, por intermédio do M23, está sendo jogado um jogo perigoso, onde nenhum deslize deve ser descartado.

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